sábado, 30 de novembro de 2013

Um tratado para estabelecer o governo das multinacionais




As discussões sobre um acordo de livre-comércio entre o Canadá e a U.E foram concluídas em 18 de outubro. Um bom presságio para o governo dos EUA, que espera firmar uma parceria desse tipo com a Europa. Negociado em segredo, permitiria às multinacionais processar qualquer Estado que não siga as normas do liberalismo


por Lori Wallach


É possível imaginar as multinacionais levando aos tribunais os governos cuja orientação política tivesse por efeito diminuir seus lucros? É concebível pensar que elas podem exigir – e conseguir! – uma compensação generosa pela perda de rendimentos causada por um direito do trabalho muito restritivo ou por uma legislação ambiental muito espoliadora? Por mais improvável que possa parecer, esse cenário não é novo. Ele já aparecia com todas as letras no projeto do Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), secretamente negociado entre 1995 e 1997 pelos 29 países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).1 Divulgada in extremis, a cópia despertou em vários países uma onda de protestos sem precedentes, forçando seus promotores a mandá-la para a gaveta. Quinze anos depois, ei-la de volta em grande estilo, com uma nova roupagem.

O acordo para criar uma Parceria de Investimento e Comércio Transatlântica (TTIP, na sigla em inglês), negociado desde julho de 2013 pelos Estados Unidos e pela União Europeia, é uma versão modificada do AMI. Ele prevê que as legislações em vigor em ambos os lados do Atlântico estejam em conformidade com as normas de livre-comércio estabelecidas pelas – e para as – principais empresas europeias e norte-americanas, sob pena de sanções comerciais ao país transgressor ou de uma reparação de vários milhões de euros em favor dos queixosos.

De acordo com o calendário oficial, as negociações só devem chegar a um resultado após um prazo de dois anos. O acordo combina, aprofundando-os, os elementos mais nefastos das parcerias efetivadas no passado. Se tivesse entrado em vigor, os privilégios das multinacionais assumiriam força de lei e amarrariam as mãos dos governantes. Impermeável às alternâncias políticas e às mobilizações populares, ele se aplicaria pelo bem ou pela força, já que suas disposições só poderiam ser alteradas com o consentimento unânime dos países signatários. Ele replicaria na Europa o espírito e as modalidades do modelo asiático, o acordo de Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership, TPP), que está sendo adotado em doze países depois de ter sido ardorosamente promovido pela comunidade empresarial norte-americana. Juntas, a TTIP e a TPP formariam um império econômico capaz de ditar suas condições para além de suas fronteiras: qualquer país que buscasse estabelecer relações comerciais com os Estados Unidos ou a União Europeia seria forçado a adotar tais e quais as regras que prevalecem no mercado comum deles.


Tribunais especiais


Como almejam liquidar porções inteiras do setor não comercial, as negociações sobre a TTIP e a TPP são realizadas a portas fechadas. As delegações norte-americanas têm mais de seiscentos consultores comissionados pelas multinacionais, que dispõem de acesso ilimitado aos documentos preparatórios e aos representantes do governo. Nada deve ser filtrado. Foi dada a instrução de deixar jornalistas e cidadãos fora das discussões: eles serão informados em tempo hábil, na assinatura do tratado, quando será tarde demais para reagir.

Em uma explosão de sinceridade, Ron Kirk, ex-secretário do Comércio dos Estados Unidos, defendeu as vantagens de “preservar certo grau de discrição e confidencialidade”.2 Na última vez que foi publicada uma versão de um acordo que estava sendo negociado, apontou Kirk, as negociações fracassaram – uma alusão à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), um modelo expandido do Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta); o projeto, ferozmente defendido por George W. Bush, foi revelado no site do governo em 2001. Porém, a senadora Elizabeth Warren retruca que um acordo negociado sem nenhum exame democrático nunca deveria ser assinado.3

O imperioso desejo de ocultar a preparação do tratado EUA-UE da atenção do público é facilmente compreensível. É melhor usar o tempo para anunciar ao país os efeitos que ele vai produzir em todos os níveis: desde o topo do governo federal até os conselhos municipais, passando pelos governos e pelas assembleias locais, as autoridades eleitas devem redefinir de alto a baixo suas políticas públicas de maneira a satisfazer os apetites do setor privado, nas áreas que ainda lhe escapam. Segurança alimentar, normas de toxicidade, seguros-saúde, preço dos medicamentos, liberdade na internet, proteção de privacidade, energia, cultura, direitos autorais, recursos naturais, formação profissional, equipamentos públicos, imigração: não há um campo de interesse geral que não passe pelo jugo do livre-comércio institucionalizado. A ação política dos eleitos se limitará a negociar com as empresas ou seus mandatários locais as migalhas de soberania que eles quiserem lhes permitir.

Está desde já estipulado que os países signatários vão assegurar a “colocação em conformidade de suas leis, de seus regulamentos e de seus procedimentos” com as disposições do tratado. Ninguém duvida que eles vão se esforçar para honrar esse compromisso. Caso contrário, poderiam ser objeto de processos diante de um dos tribunais criados para arbitrar disputas entre os investidores e os países, e com o poder de impor sanções comerciais contra estes últimos.

A ideia pode parecer improvável; contudo, ela se inscreve na filosofia dos acordos comerciais já em vigor. No ano passado, a Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou os Estados Unidos por latas de atum rotuladas como “sem perigo para os golfinhos”, pela indicação do país de origem em carnes importadas e pela proibição de tabaco com cheiro de bombom, sendo tais medidas de proteção consideradas entraves ao livre-comércio. Ela também infligiu à União Europeia sanções de centenas de milhões de euros por sua recusa em importar transgênicos. A novidade introduzida pela TTIP e pela TTP é que elas permitiriam às multinacionais processar em seu nome um país signatário cuja política tivesse um efeito restritivo sobre sua exploração comercial.

Sob tal regime, as empresas seriam capazes de contrariar as políticas de saúde, de proteção ambiental ou de regulação das finanças em vigor nesse ou naquele país, exigindo uma indenização em tribunais extrajudiciais. Compostas por três advogados da área empresarial, essas cortes especiais que atendem às leis do Banco Mundial e da ONU estariam habilitadas a condenar o contribuinte a pesadas reparações quando sua legislação reduzisse os “lucros futuros esperados” de uma corporação.

Esse sistema “investidor vs.Estado”, que parecia varrido do mapa após o abandono da AMI em 1998, foi restaurado em segredo ao longo dos anos. Em virtude de vários acordos comerciais assinados por Washington, US$ 400 milhões passaram do bolso do contribuinte para o das multinacionais, graças à proibição de produtos tóxicos, ao controle da exploração da água, do solo ou da madeira etc.4 Sob a égide desses mesmos tratados, os procedimentos atualmente em curso – em assuntos de interesse geral, tais como as patentes médicas, a luta antipoluição ou as leis sobre o clima e os combustíveis fósseis – estão elevando os pedidos de indenização a US$ 14 bilhões.

A Parceria de Investimento e Comércio Transatlântica também tornaria mais pesada a fatura dessa extorsão legalizada, dada a importância dos interesses em jogo no comércio entre as regiões. Nos Estados Unidos, com 24 mil filiais, existem 3,3 mil empresas europeias, e cada uma delas poderia se considerar apta a buscar reparação por uma perda comercial. Tal efeito ultrapassaria em muito os custos ocasionados pelos tratados anteriores. Por sua vez, os países-membros da União Europeia se veriam expostos a um risco financeiro ainda maior, sabendo que 14,4 mil empresas norte-americanas têm na Europa uma rede de 50,8 mil filiais. No total, são 75 mil empresas que poderiam se lançar na caça aos tesouros públicos.

Oficialmente, esse sistema deveria de início servir para consolidar a posição dos investidores em países em desenvolvimento desprovidos de um sistema legal confiável; ele lhes permitiria fazer valer seus direitos em caso de desapropriação. Mas a União Europeia e os Estados Unidos não constituem exatamente zonas de ausência de direitos; eles dispõem, ao contrário, de uma justiça funcional e plenamente respeitadora do direito à propriedade. Ao colocá-los sob a tutela de tribunais especiais, a TTIP demonstra que seu objetivo não é proteger os investidores, mas aumentar o poder das multinacionais.


Processo por aumentar o salário mínimo


Os advogados que compõem esses tribunais não têm contas a prestar a nenhum eleitorado. Invertendo alegremente os papéis, eles podem tanto servir como juízes quanto defender a causa de seus poderosos clientes.5 É um mundo bem pequeno esse dos juristas do investimento internacional: eles são apenas quinze a compartilhar entre si 55% dos casos tratados até hoje. Obviamente, suas decisões são finais.

Os “direitos” que eles têm por missão proteger são formulados de maneira deliberadamente vaga, e sua interpretação poucas vezes serve aos interesses da grande maioria. É o caso do direito concedido ao investidor de se beneficiar de um marco regulatório coerente com suas “previsões” – pelo que convém entender que o governo vai proibir a si mesmo de modificar sua política depois que o investimento tiver sido feito. Já o direito de obter uma compensação em caso de “desapropriação indireta” significa que os poderes públicos deverão colocar as mãos no bolso se sua legislação tiver por efeito reduzir o valor de um investimento, inclusive quando essa mesma lei também se aplica a empresas locais. Os tribunais reconhecem igualmente o direito do capital de adquirir cada vez mais terras, recursos naturais, equipamentos, fábricas etc. 

Nenhuma contrapartida por parte das multinacionais: elas não têm obrigação alguma para com os países e podem disparar processos quando e onde lhes convier.

Alguns investidores têm uma concepção muito ampla de seus direitos inalienáveis. Vimos recentemente empresas europeias moverem processos contra o aumento do salário mínimo no Egito ou contra a limitação das emissões tóxicas no Peru.6 Outro exemplo: a gigante dos cigarros Philip Morris, incomodada pelas legislações antifumo do Uruguai e da Austrália, representou contra esses dois países diante de um tribunal especial. O grupo farmacêutico norte-americano Eli Lilly pretende fazer justiça contra o Canadá, culpado de ter criado um sistema de patentes que torna certos medicamentos mais acessíveis. O fornecedor de eletricidade sueco Vattenfall exige vários bilhões de euros da Alemanha por sua “virada energética”, que enquadra mais severamente as centrais de carvão e promete o abandono da energia nuclear.

Não há limite para as penalidades que um tribunal pode impor a um Estado em benefício de uma multinacional. Há um ano, o Equador se viu condenado a pagar a soma recorde de 2 bilhões de euros para uma companhia petrolífera.7 Mesmo quando os governos ganham o processo, eles devem pagar as custas judiciais e as comissões diversas, que atingem em média US$ 8 milhões, de forma que os poderes públicos muitas vezes preferem negociar com o queixoso que defender sua causa no tribunal. Assim, o governo canadense evitou uma convocação para os tribunais anulando rapidamente a proibição de um aditivo tóxico utilizado pela indústria petrolífera.

No entanto, as reclamações não param de crescer. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o número de casos sujeitos aos tribunais especiais foi multiplicado por dez desde o ano 2000. Desde que foi criado na década de 1950, o sistema de arbitragem comercial nunca prestou tantos serviços aos interesses privados quanto em 2012, ano recorde em termos de abertura de casos. Esse boom criou um florescente viveiro de consultores financeiros e de advogados da área empresarial.

O projeto do grande mercado americano-europeu é apoiado há muitos anos pelo Diálogo Transatlântico de Negócios (TABD, na sigla em inglês), um lobby mais conhecido hoje pelo nome de Transatlantic Business Council (TBC). Criado em 1995 sob o patrocínio da Comissão Europeia e da Secretaria do Comércio norte-americana, esse fórum de empresários ricos faz campanha por um “diálogo” altamente construtivo entre as elites econômicas dos dois continentes, o governo de Washington e os comissários de Bruxelas. O TABD é um fórum permanente que permite às multinacionais coordenar seus ataques contra os políticos que ainda estão de pé em ambos os lados do Atlântico.

Seu objetivo, público, é eliminar o que chama de “discórdias comerciais” (trade irritants), ou seja, operar nos dois continentes sob as mesmas regras e sem interferência dos poderes públicos. “Convergência regulatória” e “reconhecimento mútuo” fazem parte dos painéis semânticos que o TABD exibe para encorajar os governos a permitir produtos e serviços que contrariam as legislações locais.


“Injusta rejeição ao cloridrato de ractopamina”


Mas, em vez de defender uma simples flexibilização das leis existentes, os ativistas do mercado transatlântico se propõem a reescrevê-las eles mesmos. Assim, a Câmara Americana de Comércio e o BusinessEurope, duas das maiores patronais do planeta, pediram aos negociadores da TTIP que reunissem em torno de uma mesa de trabalho um grupo de grandes acionistas e políticos para que “redijam juntos os textos de regulamentação”, que terão em seguida força de lei nos Estados Unidos e na União Europeia. É de perguntar, também, se a presença dos políticos na oficina de escrita comercial é realmente indispensável...

De fato, as multinacionais exibem uma notável franqueza na declaração de suas intenções − por exemplo, na questão dos transgênicos. Enquanto nos Estados Unidos um estado em cada dois planeja tornar obrigatório um rótulo que indique a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs) em um alimento – medida desejada por 80% dos consumidores do país –, os industriais do setor agroalimentar batalham pela proibição da rotulagem. A Associação Nacional dos Confeiteiros não mediu palavras: “A indústria norte-americana gostaria que a TTIP avançasse nessa questão, eliminando a rotulagem OGM e as normas de rastreabilidade”. Por sua vez, a muito influente Associação da Indústria de Biotecnologia (BIO, na sigla em inglês), da qual faz parte a Monsanto, fica indignada pelo fato de produtos contendo transgênicos e vendidos nos Estados Unidos poderem obter uma resposta negativa no mercado europeu. Consequentemente, ela espera que o “fosso que se alarga entre a desregulamentação de novos produtos biotecnológicos nos Estados Unidos e sua acolhida na Europa” seja rapidamente preenchido.8 A Monsanto e seus amigos não escondem a esperança de que a zona de livre-comércio transatlântica permita enfim impor aos europeus seu “catálogo abundante de produtos OGM que aguardam aprovação”.9

A ofensiva não é menos vigorosa na área da vida privada. A Coalizão do Comércio Digital (DTC, na sigla em inglês), que agrupa industriais da internet e da alta tecnologia, pressiona os negociadores da TTIP a remover as barreiras que impedem os fluxos de dados pessoais de se espalhar livremente da Europa para os Estados Unidos. “O ponto de vista atual da UE, segundo o qual os Estados Unidos não oferecem uma proteção ‘adequada’ da vida privada, não é razoável”, impacientam-se os lobistas. À luz das revelações de Edward Snowden sobre o sistema de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), essa opinião não deixa de fazer sentido. No entanto, ela não se iguala à declaração do US Council for International Business, um grupo de empresas que alimentaram maciçamente a NSA com dados pessoais: “O acordo deveria procurar circunscrever as exceções, como a segurança e a vida privada, para garantir que elas não sirvam como entraves disfarçados ao comércio”.

As normas de qualidade na alimentação também são tomadas como alvo. A indústria de carnes dos Estados Unidos pretende obter a supressão da regra europeia que proíbe frangos desinfectados com cloro. Na vanguarda dessa luta, o grupo Yum, dono da cadeia de fast-food KFC, pode contar com o poder de fogo das patronais. “A UE autoriza somente o uso da água e do vapor de água nas carcaças”, protesta a Associação Americana da Carne, enquanto outro grupo de pressão, o Instituto Americano da Carne, lamenta a “recusa injustificada [por Bruxelas] das carnes com adição de beta-agonistas como o cloridrato de ractopamina”. A ractopamina é uma droga usada para inflar o teor de carne magra em suínos e bovinos. Por causa dos riscos para a saúde dos animais e dos consumidores, ela é proibida em 160 países, incluindo membros da União Europeia, a Rússia e a China. Para a indústria de carne de porco norte-americana, essa medida de proteção constitui uma distorção da livre concorrência na qual a TTIP deve colocar um fim com urgência.
 
“Os produtores de carne suína dos EUA não aceitarão nenhum outro resultado que não seja o levantamento do embargo europeu da ractopamina”, ameaça o Conselho Nacional dos Produtores de Porco (NPPC, na sigla em inglês). Durante esse tempo, do outro lado do Atlântico, os industriais do BusinessEurope denunciam as “barreiras que afetam as exportações europeias para os Estados Unidos, como a lei sobre a segurança alimentar”. Desde 2011, esta permite que os serviços de controle retirem do mercado produtos de importação contaminados. Mais uma vez, os negociadores da TTIP são convidados a fazer tábua rasa disso.
O mesmo acontece com as emissões de gases de efeito estufa. A organização Airlines for America (A4A), o braço armado dos transportes aéreos norte-americanos, estabeleceu uma lista de “regulamentações inúteis que trazem prejuízo considerável à indústria” e que a TTIP, é claro, poderia riscar do mapa. No topo dessa lista está o sistema europeu de troca de cotas de emissões, que obriga as companhias aéreas a pagar por sua poluição de carbono. Bruxelas suspendeu temporariamente esse programa; a A4A exige a supressão definitiva em nome do “progresso”.

Mas é no setor financeiro que a cruzada dos mercados é mais virulenta. Cinco anos após a eclosão da crise dos subprimes, os negociadores concordaram que as veleidades de regulação da indústria financeira já tiveram seu tempo. O quadro que eles desejam colocar em prática prevê remover todas as barreiras em matéria de investimentos de risco e impedir os governos de controlar o volume, a natureza e a origem de produtos financeiros colocados no mercado. Em suma, trata-se pura e simplesmente de eliminar do mapa a palavra regulação.

De onde vem esse extravagante retorno aos velhos tempos thatcheristas? Em particular, ele responde aos desejos da Associação de Bancos Alemães, que não deixa de expressar suas “preocupações” com a reforma, ainda que tímida, de Wall Street adotada no rescaldo da crise de 2008. Um de seus membros mais empreendedores sobre essa questão é o Deutsche Bank, que recebeu, em 2009, centenas de bilhões de dólares do Federal Reserve em troca de títulos lastreados em hipotecas.10 O mastodonte alemão quer acabar com a regulamentação Volcker, a pedra angular da reforma de Wall Street, que exerce, segundo ele, “uma pressão pesada demais sobre os bancos não americanos”. A Insurance Europe, a ponta de lança das empresas de seguros europeias, deseja de seu lado que a TTIP “remova” as garantias colaterais que dissuadem o setor de se aventurar em investimentos de alto risco.

Já o Fórum dos Serviços Europeu, patronal da qual faz parte o Deutsche Bank, trava há anos conversas de bastidores para que as autoridades de controle norte-americanas parem de enfiar o nariz nos assuntos dos grandes bancos estrangeiros que operam em seu território. Do lado dos Estados Unidos, espera-se sobretudo que a TTIP venha a enterrar para sempre o projeto europeu de taxação sobre as transações financeiras. O caso parece estar contornado, posto que a própria Comissão Europeia considerou que a taxa não está de acordo com as regras da OMC.11 Na medida em que a zona de livre-comércio transatlântica promete um liberalismo ainda mais desenfreado que o da OMC, e como o Fundo Monetário Internacional (FMI) se opõe sistematicamente a qualquer forma de controle sobre os movimentos de capitais, a frágil “taxa Tobin” não preocupa mais muita gente nos Estados Unidos.

Mas o canto de sereia da desregulamentação não se faz ouvir apenas na indústria financeira. A TTIP tenciona abrir para a concorrência todos os setores “invisíveis” ou de interesse geral. Os países signatários se veriam obrigados não só a submeter seus serviços públicos à lógica do mercado, mas também a renunciar a qualquer intervenção sobre os prestadores de serviços estrangeiros que cobiçam seus mercados. As margens de manobra política em matéria de saúde, energia, educação, água ou transporte seriam reduzidas a um fio. A febre comercial também não poupa a imigração, já que os instigadores da TTIP se arrogam a competência de estabelecer uma política comum nas fronteiras – sem dúvida para facilitar a entrada daqueles que têm um bem ou um serviço para vender, em detrimento de outros.

Nos últimos meses, o ritmo das negociações se intensificou. Em Washington, há boas razões para acreditar que os líderes europeus estão dispostos a fazer qualquer coisa para reviver um crescimento econômico moribundo, ainda que à custa de uma negação de seu pacto social. O argumento dos defensores da TTIP, segundo o qual o livre-comércio desregulamentado facilitaria as trocas comerciais e seria, portanto, gerador de empregos, aparentemente pesa mais do que o medo de um terremoto social. As barreiras tarifárias que ainda persistem entre a Europa e os Estados Unidos são, no entanto, “já bastante baixas”, como reconheceu o representante de Comércio dos Estados Unidos.12 Os próprios artífices da TTIP admitem que seu principal objetivo não é reduzir as restrições alfandegárias, de qualquer maneira insignificantes, mas impor “a eliminação, a redução e a prevenção de políticas nacionais supérfluas”,13 sendo considerado “supérfluo” tudo que retarda o escoamento de bens, tais como a regulação financeira, a luta contra o aquecimento global e o exercício da democracia.

É verdade que os poucos estudos consagrados às consequências da TTIP quase não se detêm sobre suas consequências sociais e econômicas. Um relatório frequentemente citado, oriundo do Centro Europeu de Economia Política Internacional (Ecipe, na sigla em inglês), afirma, com a autoridade de um nostradamus de escola de comércio que a TTIP vai fornecer à população do mercado transatlântico um aumento de riqueza de 3 centavos per capita e por dia... a partir de 2029.14

Apesar de seu otimismo, o mesmo estudo estima em apenas 0,06% a alta do PIB na Europa e nos Estados Unidos após a entrada em vigor da TTIP. Mesmo tal “impacto” é altamente irreal, já que seus autores postulam que o livre-comércio “dinamiza” o crescimento econômico − uma teoria regularmente refutada pelos fatos. Além disso, uma elevação tão infinitesimal seria imperceptível. Em comparação, o lançamento do iPhone5 da Apple levou os Estados Unidos a um aumento oito vezes mais significativo do PIB.

Quase todos os estudos sobre a TTIP foram financiados por instituições favoráveis ao livre-comércio ou por organizações empresariais, razão pela qual os custos sociais do tratado não aparecem neles, assim como suas vítimas diretas, que, no entanto, se poderiam contar em centenas de milhões. Mas os jogos ainda não foram jogados. Como o mostraram as desventuras da AMI, da Alca e de algumas rodadas de negociações da OMC, o uso do “comércio” como um cavalo de troia para desmantelar as proteções sociais e instaurar a junta dos encarregados de negócios fracassou em várias ocasiões no passado. Nada diz que o mesmo não acontecerá desta vez. 
Lori Wallach 


Diretora do Public Citizen’s Global Trade Watch.

Ah, que inveja da Alemanha! Que inveja! Uma coligação de governo sem maracutaia!


Angela Merkel e seus aliados, Sigmar Gabriel, presidente do SPD (esq), e Horst Seehofer, presidente da CSU (dir.) (Foto: Michael Sohn / AP)

Merkel com seus aliados, o presidente do SPD, Sigmar Gabriel (esq.), e o presidente da CSU, Horst Seehofer: coligação de governo séria, em um pais sério onde, segundo a revista “The Economist”, “a palavra sério quer dizer exatamente isto” (Foto: Michael Sohn / AP)

Esta semana a chanceler da Alemanha, Angela Merkel — a governante mais poderosa da Europa e uma das líderes mais influentes do mundo — fechou um acordo para que seu partido, a União Democrata-Cristã (CDU) e seu partido irmão União Social-Cristã (CSU), do Estado da Baviera, governasse em coligação com os tradicionais adversários do Partido Social-Democrata (SPD).

Merkel terá uma maioria esmagadora: num Parlamento de 631 deputados, como o Bundestag alemão, terá uma bancada de 503.
E sabem como se procedeu a aliança com os social-democratas?
Merkel NÃO aparelhou o governo com os sindicalistas aliados do SPD para agradar os novos aliados.
Merkel NÃO loteou cargos de confiança no governo entre os partidos da coligação.

Merkel NÃO prometeu destinar “emendas parlamentares” para que os deputados da coligação distribuam verbas em fontes luminosas e ginásios de esportes em suas regiões de origem.

Merkel NÃO decidiu rechear as seríssimas e rigorosas agências reguladoras do governo alemão — em áreas como telecomunicações, transportes terrestres, aviação e energia — com cupinchas dos aliados, nomeados (como ocorre no Brasil) por sua ideologia ou militância, e não por sua competência.

Merkel NÃO resolveu aumentar os atuais 14 Ministérios existentes para abrigar políticos.

Merkel, é claro, NÃO acertou qualquer mensalão para atrair deputados para a base de apoio de seu governo.

Merkel, em suma NÃO FEZ NADA do que se costuma fazer no Brasil do lulopetismo, em nome desse monstro invisível chamado “governabilidade”, que justifica todo tipo de atropelo ao bom senso, à meritocracia e à moralidade pública.

O que fez a firme chanceler alemã, há oito anos e três eleições no poder, para fechar uma coligação que vai permitir que governo tranquilamente por todo seu mandato de quatro anos?

Merkel fez o que se faz nos governos decentes de países sérios — e, como escreveu há algum tempo a revista britânica The Economist, a chanceler vem conduzindo “um governo sério, num país sério onde a palavra sério quer dizer exatamente isto”: discutiu, durante um mês, em que medidas para o bem da Alemanha democratas-cristão e social-democratas — que divergem em inúmeros pontos — concordam.

O Bundestag, o parlamento alemão: entre 631 deputados, Merkel terá o apoio de 503 -- sem mensalão, sem aparelhamento do Estado, sem aumentar o número de ministérios... (Foto: bundesfinanzministerium.de)
O Bundestag, o parlamento alemão: entre 631 deputados, Merkel terá o apoio de 503 — sem mensalão, sem aparelhamento do Estado, sem aumentar o número de ministérios… (Foto: bundesfinanzministerium.de)

Os pontos sobre os quais ambos concordam foram a ponte para o acerto político. Mas, em se tratando de um pais sério, esses pontos foram esmiuçados em um sólido documento de 170 páginas contendo o programa que o governo de coalizão entre dois grupos adversários executará.

As 170 páginas prevêem, com detalhes, como se darão as melhoras no sistema de previdência social, em quais projetos serão aplicados os investimentos adicionais na área de educação e pesquisa científica, o que deve ser feito para aperfeiçoar e ampliar os sistemas de transportes (rodovias, as já fabulosas autobahns, e ferrovias), o estabelecimento por lei, a partir de 2015, de  um salário mínimo (8,5 euros — 27 reais — por hora, o que significa algo como 4.320 reais mensais) — não existe salário mínimo legal na Alemanha, só os valores estabelecidos em acordos entre sindicatos de patrões e de trabalhadores — e até os requisitos exigidos para que aos cidadãos alemães seja possibilitado algo até agora inexistente, a dupla cidadania.

Detalhe importante: o documento inclui o compromisso férreo de não se aumentar impostos durante os próximos 4 anos.

Enquanto isso, num grande país do Hemisfério Sul, que tem 39 ministros e 20 mil cargos de confiança loteados entre cupinchas dos partidos do governo…

Acidente amplia lista de tropeços na organização da Copa



Socorristas próximo do local de queda de guindaste na Arena Corinthians (foto: AP)

Acidente no Itaquerão e onda de arrastões no Rio prejudicam imagem do Brasil no exterior

O acidente com um guindaste na Arena Corinthians em São Paulo na quarta-feira, que deixou dois operários mortos, é o problema mais recente – e talvez o mais grave para a imagem do país, na opinião de especialistas – no processo de organização da Copa do Mundo de 2014.

A lista de imprevistos, que inclui mortes, atrasos, manifestações e crimes, não impedirá a realização nem deverá causar grandes alterações da agenda do torneio do ano que vem.
Porém, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, já podem até afastar torcedores estrangeiros.

De acordo com Peter Tarlow, consultor internacional de segurança em grandes eventos, a imagem do Brasil como anfitrião da Copa foi bastante prejudicada no exterior nas últimas duas semanas. Isso ocorreu devido ao acidente no Itaquerão e aos dois arrastões contra banhistas nas praias do Rio de Janeiro.

"A cada semana vem uma notícia ruim do Brasil, que volta a ser visto como um país com falta de segurança. É uma combinação de fatores", afirmou.

O americano é professor da universidade Texas A&M, atuou na organização do Super Bowl (campeonato de futebol americano), nos Jogos Olímpicos de Inverno nos Estados Unidos e atualmente presta consultoria para a polícia do Rio.

Segundo ele, além da criminalidade nas ruas, o acidente desta semana pode fazer o estrangeiro ver os estádios como locais inseguros. "E agora é a hora em que o americano ou o europeu estão decidindo se compram ingressos e passagem para o Brasil."

O analista disse, porém, que se não ocorrerem outros grandes tropeços até a data do evento (especialmente no Rio de Janeiro, cidade brasileira mais conhecida no exterior), os episódios negativos de agora devem ser rapidamente esquecidos.

Segundo ele, a notícia do acidente não teve maior repercussão nos Estados Unidos A por causa do feriado de Ação de Graças, mas o mesmo não ocorreu na Europa.


Projetos

 

Segundo o jornalista e colaborador da BBC baseado na América do Sul Tim Vickery, outro evento negativo também contribuiu para prejudicar a imagem do país nesta semana: o anúncio de que 14 projetos de mobilidade, orçados em R$ 1,2 bilhão, foram retirados da matriz de responsabilidade da Copa.
Entre eles estavam projetos para melhorias em portos, aeroportos e rodovias que perdurariam, beneficiando a população mesmo após o fim do torneio. "Isso é um escândalo porque houve muito tempo para planejar", disse.
Segundo ele, notícias como essa aumentam o descontentamento de setores da sociedade que - com alguma razão - criticam gastos que o país está tendo com a Copa do Mundo. Partidários dessa opinião têm manifestado esse descontentamento por meio de diversos protestos.
Contudo, segundo Vickery, a Copa ocorrerá de qualquer maneira. "Passou o momento de pular fora. A Copa pode ser bem sucedida e torço para que ela seja", disse.
"A Copa do Mundo vai ser um sucesso com morte ou com manifestações, mas elas deixam uma mancha", disse o consultor independente de marketing esportivo Amir Somoggi.
Segundo ele, o Estado brasileiro, como anfitrião do evento, não pode ser responsabilizado pelas mortes em Itaquera. "Também houve mortes na Copa da África do Sul."
Porém, diferente de Tarlow, Somoggi disse não acreditar que o acidente em São Paulo crie uma imagem de insegurança nos estádios capaz de dissuadir turistas e torcedores de irem às partidas.
"Não acredito que o turista vai deixar de vir, mas terá uma preocupação a mais, como já tem com a questão do arrastão", disse.
Leia abaixo sobre outros tropeços que já preocuparam os organizadores da Copa.

Acidentes e mortes

Além do acidente no Itaquerão outras duas mortes foram registradas em obras de estádios que serão usados em jogos da Copa do Mundo de 2014. Em junho de 2012 o carpinteiro José Afonso de Oliveira Rodrigues, de 21 anos, morreu ao cair de uma laje do Estádio Nacional de Brasília. Em março de 2013 o pedreiro Raimundo Nonato Lima Costa, 49 anos, morreu na construção do estádio de Manaus

Também foram registradas uma explosão na Arena da Baixada, em Curitiba no ano de 2012, e um princípio de incêndio na Arena Pantanal, em Cuiabá, já em 2013.

Atrasos

Discussões entre a Fifa e autoridades brasileiras sobre o cronograma das obras dos estádios têm sido frequentes. Em 2012, o secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, chegou a dizer que o Brasil merecia um "chute no traseiro" – causando grande mal estar.

A Fifa trabalha com a meta de que os estádios estejam prontos até o fim deste ano. Atualmente as maiores preocupações recaem sobre a Arena Pantanal, em Cuiabá, a Arena Amazônia, em Manaus e a Arena da Baixada, em Curitiba – cujas obras ainda não teriam atingido a marca dos 90% de conclusão dos trabalhos. A Fifa cogita até fazer intervenções nas obras para garantir o mundial.

Entre as razões dos atrasos estão problemas de financiamento e greves de trabalhadores – que já paralisaram ao menos oito das 12 obras.

O acidente desta semana lança novas preocupações sobre o cronograma de obras da Arena Corinthians, que neste mês estava com 94% das obras concluídas. Promotores públicos e sindicatos discutem uma eventual paralisação da obra por questão de segurança.

Mas especialistas dizem acreditar que, mesmo com o acidente, ainda há tempo para concluí-la sem a necessidade de alterar locais de jogos no mundial.

Fonte Nova

 

Em maio, parte da cobertura que forma o telhado da Arena Fonte Nova, em Salvador, se rompeu em meio a chuvas fortes. Além disso, um viaduto de acesso ao estacionamento trincou e teve que ser escorado poucos dias antes do início da Copa das Confederações. Os incidentes não chegaram a causar problemas para o torneio.

Manifestações

 

Uma onda de manifestações contra os gastos públicos com a Copa e as imposições da Fifa marcaram a realização da Copa das Confederações neste ano. Manifestantes enfrentaram barreiras policiais, mas não conseguiram invadir nenhum dos estádios durante o torneio.

Os atos ocorreram em meio a uma onda de manifestações pelo país deflagrada por propostas de aumento nas tarifas do transporte público.

Para especialistas, o recorde de público e o próprio evento em si foram ofuscados pelos protestos. Segundo informações de inteligência da polícia, os manifestantes tentam articular novos protestos para a época da Copa do Mundo.

Troca de comando na CBF

 

Em março de 2012, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, deixou o comando da confederação alegando problemas de saúde. Teixeira estava no cargo desde 1989. Enfrentava uma série de acusações - inclusive um processo, considerado o mais sério da história da Fifa, o chamado dossiê da ISL, em referência à ex-agência de marketing da entidade, então em tramitação na Justiça suíça. Teixeira já havia enfrentado duas Comissões Parlamentares de Inquérito, mas as críticas acabaram, segundo a imprensa esportiva, abafadas pelos êxitos da Seleção sob o comando dele.

A saída de Teixeira foi vista como uma vitória pelos críticos, mas elevou as dúvidas sobre a capacidade de organização da CBF. Assumiu o comando da entidade e a direção do Comitê Organizador Local da Copa o ex-governador biônico de São Paulo José Maria Marin, 80 anos de idade.

O ex-jogador e deputado federal Romário celebrou a saída de Teixeira e disparou contra Marin, dando do tom da polêmica que envolve a CBF há anos.

"Hoje podemos comemorar. Exterminamos um câncer do futebol brasileiro. Finalmente, Ricardo Teixeira renunciou a presidência da CBF. Espero que o novo presidente, João Maria Marin, o que furtou a medalha do jogador do Corinthians na Copa São Paulo de Juniores, não faça daquele ato uma constante na Confederação. Senão, teremos que exterminar a AIDS também", escreveu o parlamentar, à época, em sua conta no Twitter.

Morumbi versus Itaquerão

 

Como uma isenção fiscal de R$ 420 milhões com a Prefeitura da capital e apoio declarado do ex-presidente Lula, o Corinthians finalmente realizou o sonho de ter uma arena própria. O plano do São Paulo de ver o Morumbi como sede da Copa foi desmantelado em 2010, quando a Fifa alegou falta de garantias financeiras por parte do clube paulista para a adequação do estádio aos padrões da entidade que comanda o futebol, um deles, a distância entre o público e o gramado.

Atraso no Maracanã, amistoso suspenso

 

Em maio de 2013, atrasos nas obras do Maracanã fizeram a Justiça suspender um amistoso entre as seleções de Brasil e Inglaterra, primeiro teste do estádio reformado para a Copa. O temor era de que os canteiros de obra representassem uma ameaça para os torcedores. Mas, logo em seguida, a Justiça liberou o jogo, após a apresentação de laudos atestando a finalização das obras.

Hidrelétricas 'impulsionam desmatamento indireto' na Amazônia



Usina de Belo Monte vista em 2012. Foto: AFP

Floresta foi desmatada no entorno das usinas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte (foto)

Ao defender a construção de hidrelétricas na Amazônia, o governo federal costuma citar o argumento de que essas usinas são menos poluentes e mais baratas que outras fontes energéticas capazes de substituí-las.

Entre ambientalistas e pesquisadores, porém, há cada vez mais vozes que contestam a comparação e afirmam que o cálculo do governo ignora custos e danos ambientais indiretos das hidrelétricas. Para alguns, esses impactos colaterais influenciaram no aumento da taxa de desmatamento da Amazônia neste ano.
Há duas semanas, o governo anunciou que, entre agosto de 2012 e julho de 2013, o índice de desflorestamento na Amazônia cresceu 28% em relação ao mesmo período do ano anterior, a primeira alta desde 2008.

Paulo Barreto, pesquisador sênior da ONG Imazon, atribui parte do aumento ao desmatamento no entorno das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, e da usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.

Segundo ele, as hidrelétricas atraem migrantes e valorizam as terras onde são implantadas. Sem fiscalização e punição eficientes, diz ele, moradores se sentem encorajados a desmatar áreas públicas para tentar vendê-las informalmente.

No caso de Belo Monte, Barreto afirma que o desmatamento em torno da usina seria menor se o governo tivesse seguido a recomendação do relatório de impacto ambiental da obra para criar 15 mil km² de Unidades de Conservação na região.

Uma pesquisa do Imazon, da qual Barreto é coautor, estima que o desmatamento indireto causado pela hidrelétrica atingirá 5.100 km² em 20 anos, dez vezes o tamanho da área a ser alagada pela barragem.
Na bacia do Tapajós (PA), onde o governo pretende erguer uma série de usinas, ele diz a área desmatada indiretamente chegará a 11 mil km².

Fórmula do desmatamento

 

O engenheiro Felipe Aguiar Marcondes de Faria desenvolve em seu projeto de PhD na Universidade Carnegie Mellon (EUA) uma fórmula complexa. Ele pretende incluir os efeitos indiretos da construção de hidrelétricas na Amazônia – como o desflorestamento gerado por imigração ou especulação fundiária – no cálculo das emissões de carbono das obras.

Usina de Belo Monte

Desmatamento indireto causado por Belo Monte pode atingir até 5.100 km² em 20 anos, diz estudo


A conta, que mede a liberação de gases causadores do efeito estufa, normalmente leva em conta somente as emissões geradas pela perda de vegetação e pela degradação da biomassa na área inundada pelas barragens.

"Se a construção de uma hidrelétrica implicar taxas de desmatamento superiores às de locais onde não existem tais investimentos, nós poderemos acrescentar esse desmatamento extra ao balanço de carbono do projeto".

O pesquisador diz ainda que, além de valorizar terras e atrair imigrantes, a construção de hidrelétricas pode estimular o desmatamento ao melhorar as condições de acesso à região, expondo florestas antes inacessíveis.

Faria também questiona os cálculos que exaltam o baixo preço das hidrelétricas em comparação com outras fontes de energia. "As diferenças não consideram adequadamente os custos socioambientais desses empreendimentos".

Ainda assim, avalia que o Brasil não pode excluir a hidroeletricidade de seus planos de expansão do sistema energético. Para ele, a modalidade oferece grandes vantagens em relação a outras fontes de energia, como flexibilidade para atender à variação da demanda e dispensa de importação de matérias-primas.
Faria defende, no entanto, que o governo mude sua postura quanto às hidrelétricas na Amazônia.
"O desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia deveria ser visto não como uma barragem no rio, mas sim como uma chance de criar um novo paradigma de desenvolvimento sustentável"
Felipe de Faria, engenheiro
"O desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia deveria ser visto não como uma barragem no rio, mas sim como uma chance de criar um novo paradigma de desenvolvimento sustentável para uma região, que crie condições para a manutenção das unidades de conservação e terras indígenas, investimentos em educação e ciência e melhora na saúde da população."

Porém, para o procurador-chefe do Ministério Público Federal no Pará, Daniel César Azeredo Avelino, a construção de hidrelétricas na Amazônia não tem sido acompanhada pela manutenção de áreas protegidas.
Nos últimos anos, o governo reduziu Unidades de Conservação para facilitar o licenciamento das hidrelétricas no rio Madeira e das futuras usinas no Tapajós. Segundo ele, simples sinalizações de que se pretende reduzir essas áreas já motivam o desmatamento.

Em 2012, diz Avelino, um mês após jornais divulgaram que o governo estudava diminuir a Floresta Nacional Jamanxim, no sudoeste do Pará, houve um surto de desmatamento na região.

"Quando se fala em reduzir Unidades de Conservação para hidrelétricas, alimenta-se a ideia de que poderá haver novas reduções, o que encoraja o desmatamento."

Governo responde

 

No entanto, segundo Francisco Oliveira, diretor do Departamento de Combate ao Desmatamento do Ministério Ambiente, a destruição dentro de áreas protegidas corresponde a menos de 10% do desflorestamento na Amazônia.

Quanto ao desmatamento recente no Pará e em Rondônia, diz que não se deveu necessariamente às hidrelétricas. Oliveira afirma que o desflorestamento em um raio de 50 quilômetros de Belo Monte passou de 380 km², em 2011, para 41 km² em 2013.

Em Rondônia, ele diz que também tem havido redução no ritmo do desmate em áreas próximas às usinas.
Segundo Oliveira, as principais causas para o maior desmatamento na Amazônia no último ano foram: no Pará, a apropriação ilegal de terras (grilagem) na região de Novo Progresso; no Mato Grosso, a expansão da agropecuária; e em Rondônia, a expansão da pecuária.

Oliveira afirma, porém, que, apesar da alta, o índice de desflorestamento em 2013 foi o segundo menor desde que começou a ser medido, há 25 anos.

Brasil pode ficar isolado com acordo entre EUA e UE


União Europeia. Foto: AFP
União Europeia está negociando tratado de livre comércio com EUA

A conclusão de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE) é mais urgente do que nunca para o Brasil, que corre o risco de ficar isolado no cenário mundial se o bloco europeu fechar o tratado de livre comércio que está negociando com os Estados Unidos, afirmam analistas ouvidos pela BBC Brasil.
"O Brasil será a única grande economia do mundo sem um acordo de livre comércio com alguma outra grande economia", observou Michael Emerson, economista do Centro para Estudos de Política Europeia (CEPS), um grupo de pressão com sede em Bruxelas.
"Isso deveria servir como um alerta para o país que, se não se mexer para fechar um acordo semelhante, ficará isolado no cenário comercial mundial."

As negociações entre o Mercosul e a UE se arrastam desde 1995 e as duas partes se comprometeram a dar um passo decisivo em dezembro, com um novo intercâmbio de propostas.

No entanto, tanto Emerson como Ulrich Schoof, analista da Fundação Bertelsmann, um grupo de pressão independente baseado na Alemanha, acreditam que a iniciativa será prejudicada pelas negociações entre as autoridades europeias e americanas.

"A UE precisa concluir rapidamente acordos comerciais com sócios suficientemente grandes e bem conectados com o resto do mundo para incentivar seu crescimento e sustentar suas políticas macroeconômica e fiscal", analisou Schoof em entrevista à BBC Brasil.

"Nesse contexto, sua energia é absorvida pelas negociações com Japão, Taiwan e Estados Unidos, que têm mais probabilidades de dar certo, e se reduz o entusiasmo com respeito ao Mercosul", afirmou, recordando as reticências de Argentina em abrir seus mercados para os europeus.

Maior área de livre comércio do mundo

 

Um acordo entre a UE e os Estados Unidos - que juntas respondem por 49 por cento do PIB global e 31% dos intercâmbios comerciais - criaria a maior área de livre comércio do mundo e teria um impacto inevitável sobre todos os demais países.

Mais que eliminar as tarifas sobre exportações, as duas maiores potências econômicas internacionais buscam a harmonização ou o reconhecimento mútuo de normas e padrões técnicos e sanitários para todos os produtos que comercializam.

Essa medida por si — que permitirá uma redução de custos e um aumento do fluxo comercial — responderia por 81% do benefício gerado pelo tratado, estimado em 275 bilhões de euros anuais. Os outros 19% viriam da eliminação das tarifas.

Tanto a UE como os Estados Unidos argumentam que a iniciativa também fortaleceria o comércio internacional como um todo, já que ambos são parceiros comerciais de praticamente todos os países do mundo.

Com a harmonização, os países terceiros passariam a ter que adaptar seus produtos a um único conjunto de normas e padrões ao exportar tanto para o bloco europeu como para os americanos, o que reduziria burocracia e custos.

Impacto negativo

 

No entanto, os analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que para o Brasil esse benefício seria mínimo comparado ao prejuízo causado pelo aumento da concorrência em dois de seus maiores mercados.

Isso porque o maior responsável pelo encarecimento das exportações nacionais para a UE e os Estados Unidos são as tarifas comerciais, em geral mais elevadas que as impostas mutuamente pelos dois gigantes, e não a adaptação a normas e padrões de cada mercado.

Um estudo da Fundação Bertelsmann calcula que as exportações brasileiras diminuiriam 29,72% para os Estados Unidos e 9,4% para a UE, resultando em uma queda de 2,1% no PIB per capta real brasileiro em um prazo de entre 15 e 20 anos.

Caso o tratado comercial entre a UE e os Estados Unidos se limite à eliminação de barreiras tarifárias entre os dois países, sem a harmonização de normas e padrões, a redução das exportações brasileiras seria de apenas 2,24% para os Estados Unidos e de 3,71% para a UE.

No entanto, sob esse cenário, o aumento do fluxo comercial entre os Estados Unidos e a UE poderia levar a uma caída de preços dos produtos nacionais no mercado brasileiro, o que resultaria em um aumento de 0,5% no PIB per capta real para o Brasil, explicou à BBC Brasil Sybille Lehwald, economista da Fundação Bertelsmann.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Companhias aéreas do Oriente dominam o céu, mas querem mais


Emirates, Etihad Airlines e Qatar Airways já possuem mais aviões de grande porte do que todas as linhas americanas juntas. Na semana passada, compraram mais 350

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Aeromoças em frente a um dos aviões da companhia aérea de Dubai, Emirates
Emirates Airlines: companhia dos Emirados Árabes é uma das três empresas do Oriente Médio que está dominando os céus

São Paulo - Ao fechar, na semana passada, o balanço de vendas do Dubai Air Show 2013, os analistas do setor de aviação levaram um susto: as companhias aéreas Emirates Airlines, Etihad Airlines e Qatar Airways compraram, ao todo, 350 aeronaves de grande porte – com dois corredores, capacidade para até 850 passageiros e para viagens transoceânicas.

O valor do negócio ultrapassou os 162 bilhões de dólares e bateu, de longe, os recordes de venda da Airbus e da Boeing, que deverão entregar os produtos ao longo dos próximos dez anos.

A ida às compras das companhias do Oriente Médio demonstram o tamanho de sua ambição. Elas, juntas, já têm uma frota maior do que todas as linhas aéreas norte-americanas, que dominaram o mercado por anos a fio, diz o New York Times. Enquanto a American Airlines comprou 600 aviões de apenas um corredor para substituir sua frota antiga de voos domésticos, as gigantes do deserto investiram em grandes aeronaves para expandir seus negócios e sua capacidade de alcance.

Só a Emirates encomendou 150 Boeings 777X, o novo grande avião da fabricante americana, e outros 50 A380, a máquina da Airbus que permite até 850 passageiros. A companhia foi a responsável por colocar Dubai entre os maiores pontos de conexão do mundo. Eles esperam alcançar 70 milhões de passageiros até 2020, ante os 39 milhões que embarcaram em 2012. Já a Qatar Airways colocou em seu carrinho de compras 50 Boeings 777X e a Etihad, 30 Boeings 787, 50 A350 e mais 53 outros. Doha e Abu Dhabi, coincidentemente, já são pontos importantes de conexão de voos.

Os negócios, é claro, têm todo o apoio das famílias reais da região, que não poupam incentivos para colocarem seus países na rota dos turistas, mesmo que por uma breve escala. O empurrão nada discreto dos reinados tem causado reclamações por parte das concorrentes ocidentais, que não têm os mesmos privilégios com seus governos.

Tribunal de Paris bloqueia 16 sites de compartilhamento


Tribunal ordenou que mecanismos de busca e provedores bloqueiem 16 sites que compartilham conteúdo protegido por direitos autorais

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Mulher com dor de cabeça usando o computador

Mulher usando computador: tribunal também decidiu que os mecanismos de busca ou fornecedores de banda larga não devem ter de pagar pelos custos

Paris - Um tribunal de Paris ordenou que mecanismos de busca e provedores de Internet bloqueiem 16 sites que compartilham conteúdo protegido por direitos autorais, em uma vitória dos sindicatos de produtores de TV e cinema depois de uma batalha legal de dois anos.

Os sindicatos entraram com a ação em 2011 depois que seus pedidos para bloquear os sites allostreaming.com, allomovies.com e outros foram ignorados por operadoras como Orange e SFR, da Vivendi, e por mecanismos de busca como Google e Yahoo, de acordo com a decisão do tribunal emitida na quinta-feira.

O tribunal informou que os cinco sindicatos que representam os interesses dos produtores de TV e cinema "mostraram de forma suficiente que a rede de sites Allostreaming é totalmente ou quase totalmente dedicada à representação de trabalhos de audiovisual sem a permissão de seus criadores" e violam as leis de propriedade intelectual da França.

O tribunal, que também decidiu que os mecanismos de busca ou fornecedores de banda larga não devem ter de pagar pelos custos do bloqueio, não explicou como as empresas terão de executá-lo, deixando a função a critério das companhias.
Os sites ainda poderão recorrer da decisão.