O Brasil ainda pretende direcionar esforços para um impulso decisivo para concluir o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), mesmo após o “não” expressado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, no último sábado (02/12). Em entrevista exclusiva à DW em Berlim, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que não considera que a oposição de Macron tenha sido um balde de água fria num momento em que as negociações pareciam caminhar para um desfecho decisivo.
Macron voltou a expressar oposição ao tratado, classificando o texto como “antiquado” e “incoerente” e afirmando que ele não “é bom para ninguém”, depois de uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, às margens da COP28. Após as falas do líder francês, Lula disse que, se não houver acordo, não terá sido por falta de vontade do bloco sul-americano.
“Ainda estamos trabalhando com uma perspectiva [de fechar o acordo]. Vamos ver se é possível superar os últimos pontos ainda pendentes”, disse Vieira, que acompanha Lula em visita oficial. Na capital alemã, a viagem de Lula inclui a segunda edição das Consultas Intergovenamentais de Alto Nível, mecanismo de diálogo com o governo alemão que foi retomado após um hiato de oito anos.
Além de abordar o acordo entre Mercosul e UE, Vieira defendeu uma ampliação do Conselho de Segurança da ONU – também uma demanda da Alemanha – e afirmou que o Brasil espera uma solução pacífica na crise entre a Venezuela e a Guiana. Segundo o ministro, Brasília avalia que a questão está nas mãos da Corte Internacional de Justiça, em Haia, que na semana passada deu uma vitória à Guiana, determinado que a Venezuela não interfira no status territorial do país vizinho.
DW: No sábado, durante a COP28, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que é contra os atuais termos do acordo comercial entre o Mercosul e União Europeia, isso num momento em que as negociações finais pareciam avançar. É um balde de água fria de Macron no acordo?
Mauro Vieira: Não. Não foi. Inclusive porque já conhecíamos as posições francesas. Nós temos negociado com a Comissão Europeia, diretamente com a estrutura da presidente da Comissão, Ursula von der Leyen. Nossos negociadores têm feito muito progresso ultimamente. Nós esperamos que se possa concluir ainda um acordo a nível técnico, e fechar essas negociações agora um pouco antes da cúpula do Mercosul, nesta semana, no Rio de Janeiro.
As posições dos países do lado europeu são levadas pela Comissão e no nível político está o chefe de gabinete da presidente da Comissão, que é o interlocutor de nível político. Com ele nós temos falado, inclusive nesses dias em Dubai, durante a COP28, e ainda estamos trabalhando com uma perspectiva. Vamos ver se é possível superar os últimos pontos ainda pendentes. Eu acho que é um acordo de interesse, que será estratégico para não só para o Mercosul, mas também para a União Europeia, como já foi declarado mais de uma vez por vários comissários e pela própria presidente Ursula von der Leyen.
Se o “não” francês não é determinante, qual seria o impulso decisivo que ainda falta?
O governo francês expressou sua posição. O presidente Macron tem evidentemente dificuldades internas, tem oposição ao acordo, mas nós estamos negociando, estamos ainda conversando com a direção mais alta da União Europeia. Havia questões complexas que já foram superadas, como as compras governamentais e agora faltam alguns detalhes, algo que é parte da negociação e que esperamos concluir até o dia da cúpula.
Em 2023, com a volta de Lula ao poder, a Alemanha e o Brasil fizeram diversos esforços de reaproximação após a turbulência dos anos Temer e Bolsonaro. Quais seriam os resultados concretos dessa reaproximação?
É mais do que reaproximação. A relação entre a Alemanha com o Brasil, e do Brasil com a Alemanha, ela é tradicional, é antiga. Em 2024, nós vamos celebrar os 200 anos do início da imigração alemã ao Brasil. Nós temos relações antigas, estáveis, férteis e profundas.
A Alemanha tem enormes investimentos na área industrial do Brasil. Houve uma retomada do diálogo a nível político, que infelizmente tinha sido paralisado pelo governo anterior, mas, como o presidente Lula declarou, ‘o Brasil voltou’. Imediatamente retomamos os contatos. O presidente Lula já se encontrou com o chanceler Scholz pelo menos três vezes, em Brasília, em Nova York, e às margens do G7, em Hiroshima. O diálogo é muito fluído, muito próximo. E o nível do diálogo inclusive é mais aberto, mais próximo e mais natural que se poderia ter.
Tanto a Alemanha quanto o Brasil pleiteiam uma reforma e vagas no Conselho de Segurança da ONU. Nos anos 2000, os dois países chegaram a propor uma resolução conjunta com Índia e Japão para pedir uma ampliação do organismo. Neste momento, como a Alemanha e o Brasil podem se apoiar para avançar essa demanda?
Nós criamos 20 anos atrás o G4, que une o Japão, a Índia, o Brasil e a Alemanha justamente para discutir e promover a reforma do Conselho de Segurança. São quatro países que têm a mesma posição: a reforma do Conselho nas duas categorias de membros, dos membros permanentes e dos membros não permanentes, e também uma reforma dos métodos de trabalho do Conselho. Não é uma tarefa simples.
O Conselho de Segurança é um órgão desigual. Há cinco membros permanentes com direito a veto e dez membros eleitos. O G4 está por enquanto neste grupo dos dez membros eleitos. O Brasil está neste momento terminando um mandato como membro eleito. Começou no ano passado e terminará esse mandato no dia 31 de dezembro.
Os países do G4 têm uma visão muito clara de que é preciso reformar o Conselho, fazê-lo mais representativo, inclusive com uma representação africana. Existe o projeto de que ele tenha pelo menos dois países africanos como membros permanentes, além de ampliar o número de membros eleitos. Junto com a África, a América Latina é outra região que não tem nenhuma representação. São dois continentes que estão ausentes da representação permanente.
E tanto a Alemanha quanto o Japão se unem nessa discussão apoiando esses princípios enunciados como comuns para a reforma. E continuamos lutando. Não é fácil. Qualquer reforma que mexa em privilégios estabelecidos – ainda mais desde 1945 – não é fácil. Mas nós temos esperança de que vamos avançar os quatro em conjunto bastante, e em breve. Basta ver a situação em que estamos com guerras em que há uma ausência de ação do Conselho de Segurança, que reflete esse desequilíbrio de representatividade.
A paralisia do Conselho de Segurança reforça então a necessidade de reforma?
Não tenho dúvida. Se o Conselho fosse mais democrático e representativo, outras vozes se uniriam ao debate e seria mais fácil encontrar uma solução.
Qual pode ser o papel do Brasil na atual crise entre Venezuela e Guiana? Como o Brasil enxerga os planos do regime venezuelano de reclamar uma fatia considerável do país vizinho e organizar um referendo popular sobre o tema?
O papel do Brasil é dar o exemplo de que nós sempre valorizamos e sempre adotamos um princípio que, inclusive, é constitucional, de solução pacífica de controvérsias. O Brasil teve nove questões de limites com nove dos seus dez vizinhos imediatos na América do Sul e todas foram resolvidas por negociação pacífica e pela arbitragem internacional. Portanto, esse é o melhor exemplo.
E já expressamos para ambos os lados essa nossa posição, o apoio e o estímulo que a questão seja resolvida pela negociação, pela solução pacífica. E, no momento, a questão está nas mãos da Corte Internacional de Justiça em Haia, que, inclusive se manifestou nos últimos dias, já preliminarmente e é o que nós esperamos que aconteça e que possa solucionar essa questão de fronteiras entre os dois países, ambos vizinhos imediatos do Brasil, com os quais mantemos excelentes e importantes relações.O Brasil assumiu a presidência do G20. Nesse papel de liderança, o que o Brasil pretende realizar? O que seria uma vitória do Brasil na presidência do G20?
Uma vitória no G20 é conseguir promover uma discussão profunda e de qualidade que mostre alguns resultados sobre os temas básicos que orientam a nossa presidência do G20, como o combate à desigualdade, combate à fome, a promoção do desenvolvimento sustentável e a questão climática.