O cineasta carioca José Padilha, de 48 anos, tem se dedicado a
expor a violência e o crime que permeiam a sociedade brasileira. Foi o
que fez no documentário Ônibus 174 e nos dois Tropa de Elite, fenômenos
de bilheteria que consagraram um anti-herói nacional, o Capitão
Nascimento. Também responsável pela série Narcos, do Netflix, Padilha
vive nos Estados Unidos com a mulher e o filho de 12 anos. E anda atento
a outra modalidade de crime bem conhecida dos brasileiros: a corrupção.
Ele anuncia que um de seus próximos trabalhos para a TV internacional
será sobre a Operação Lava-Jato. Por telefone, falou do projeto e dos
escândalos que o inspiraram.
Como será sua série de TV sobre a Operação Lava-Jato?
O objetivo é narrar a operação policial em si e mostrar inúmeros
detalhes esclarecedores que a própria imprensa desconhece. Como se trata
de um projeto bancado por dinheiro internacional, o título será em
inglês. Estamos chamando a série provisoriamente de Jet Wash. Mas o
escândalo oferece tantas possibilidades de título que é até difícil
escolher. Poderia ser Solaris, não?
O senhor tem estudado escândalos como o mensalão e o petrolão?
Conheço os dois a fundo. Li grande parte das sentenças do STF no
julgamento do mensalão. E também conheço bem o petrolão, pois comprei os
direitos de um livro ainda inédito que traz entrevistas até com
envolvidos que estão na cadeia – a obra será uma das bases da série.
Após uma leitura atenta dos fatos, não dá para ignorar que o PT e as
empreiteiras montaram uma quadrilha para lesar os cofres públicos, sim.
Também não dá para fingir que a campanha eleitoral da presidente Dilma
Rousseff não foi irrigada com dinheiro da corrupção. Sejamos francos: é
bem provável que outras campanhas tenham sido irrigadas também.
O que a futura série dirá sobre a tese tão alardeada pelo PT de que a Lava-Jato tem viés político?
Não tem viés político nenhum. É uma operação policial, ponto. Para
entender o que está ocorrendo hoje no Brasil, é preciso tirar a cortina
de fumaça que nubla os fatos. Existem três processos históricos
distintos andando em paralelo e se retroalimentando. A combinação de
mal-estar com a economia, revelações da Lava-Jato e a atuação de uma
imprensa livre e combativa. Tudo isso produziu algo inédito no país: o
andar de cima ficou vulnerável à aplicação da lei. É o que está
acontecendo de concreto. Em torno disso, tem muita espuma: a tentativa
de transformar um fenômeno de natureza policial e legal num embate
político. Toda vez que alguém fala dos indícios avassaladores contra
Lula, um petista diz que o PSDB também rouba. Tenta-se transformar tudo
numa questão ideológica. Mas tudo é caso de polícia.
No que a corrupção do governo petista se diferencia da que se via antes?
A política no Brasil – nas esferas municipal, estadual e federal –
sempre funcionou assim: os partidos elegem seus representantes e indicam
pessoas para cargos-chave com poder de contratar serviços públicos.
Depois, superfaturam as obras e embolsam um pedaço do dinheiro, que vai
para pessoas físicas e o financiamento de campanhas. O PT fez isso em
volumes muito maiores – vide a compra da Refinaria de Pasadena. E o caso
do PT também é pior porque o roubo sistêmico se soma a um enorme
cinismo. Lula, antes, fazia o discurso da ética e da moralidade. Mas,
quando chegou ao poder, não só montou seu esquema como levou ao limite
da sustentabilidade o assalto a empresas estatais e órgãos públicos. Um
político assim só poderia chamar para si mais ódio do que os outros,
obviamente.
Qual seria a melhor saída para a crise política desencadeada pelo petrolão?
Minha preferência, como brasileiro, seria a cassação da chapa
Dilma-Temer no TSE. Se o TSE tivesse a coragem de olhar para as
campanhas e impugnar as chapas que receberam recursos ilícitos, tenho a
impressão de que não sobraria nenhuma chapa relevante. Uma nova eleição
seria o melhor caminho para o Brasil. Mas não me parece que vá
acontecer. Há muita ingerência política no TSE.
Num artigo recente, o senhor encontra uma explicação
psicanalítica para tantos artistas e intelectuais não aceitarem as
evidências contra Lula e o PT. Por que essas pessoas vivem, como o
senhor diz, em negação?
É um fenômeno psicológico que foi primeiro estudado pela psicanálise,
por Freud e sua filha Anna. Quando você constrói uma imagem pública em
torno de uma ideologia e assume publicamente posturas a favor de
determinado grupo político – vai ao programa eleitoral do PT, abraça o
Lula, faz campanha para a Dilma – e depois descobre que estava errado,
há duas opções: aceitar seu erro ou fingir que nada aconteceu. A maioria
dos artistas e intelectuais preferiu fingir que nada de errado está
ocorrendo com o partido e seus dirigentes. É um mecanismo de defesa
psicológica. Meus amigos são cineastas, atores e escritores, muita gente
da esquerda, enfim. E decidi alertá-los: camaradas, acordem. Se vocês
valorizam suas crenças, afastem-se do Lula. No momento, curiosamente, já
detecto que a negação passou para outro patamar.
Qual seria?
Cada vez há menos negação total. Agora, quando confrontados com o
erro que foi acreditar que o PT é um partido e não uma quadrilha, os
artistas e intelectuais apelam para dois subterfúgios. O primeiro é
afirmar que a presidente Dilma não roubou “como pessoa física”, embora
seja evidente que a campanha eleitoral da Dilma foi beneficiada por um
propinoduto – disso a Lava-Jato não deixa a menor dúvida. Embora seja
grave roubar para si próprio, é ainda pior roubar para fraudar o
processo democrático.
http://www.institutomillenium.org.br/divulgacao/entrevistas/jos-padilha-lava-jato-tem-vis-poltico-nenhum/
http://www.institutomillenium.org.br/divulgacao/entrevistas/jos-padilha-lava-jato-tem-vis-poltico-nenhum/