São Paulo — Nenhuma rede de varejo de roupas aproveitou tão rapidamente e com tanta intensidade o boom do
consumo da classe média brasileira quanto a catarinense Hering.
De 2007 a 2012, as vendas quadruplicaram, a Hering exibia a melhor
margem de lucro no setor e via os concorrentes tentando replicar seu
modelo, único na integração da indústria com o varejo — em 2010, em
plena fase de ouro, a Hering foi eleita a Empresa do Ano de MELHORES E
MAIORES, de EXAME.
A companhia reformou lojas, deu uma chacoalhada nas vitrines, colocando
vestidos estampados de viscose para dividir espaço com as tradicionais
camisetas brancas de malha. Suas ações subiram 480% no período. Tudo
parecia bem, até que a Hering começou a notar um efeito estranho no
balanço.
As vendas nas lojas abertas há mais de um ano começaram a cair em 2012 —
ou seja, a empresa crescia só porque abria novas lojas — e, a partir
dali, despencaram. Já foram mais de dez trimestres de queda desse
indicador. De lá para cá, as ações caíram 70%; e o lucro, 10%. Só no
primeiro trimestre deste ano o lucro diminuiu 30% e as vendas em lojas
abertas há mais de um ano caíram 6%.
A empresa, que já valeu 8 bilhões de reais na bolsa, vale pouco mais de 2
bilhões. Hoje luta para reconquistar o brilho de outrora. A Hering é um
caso clássico de empresa que cresceu demais e perdeu, no caminho, a
fórmula que a fez um caso de sucesso. Fundada em 1880, passou mais de
100 anos fazendo mais ou menos a mesma coisa.
Vendia quase exclusivamente roupas básicas, como camisetas e moletons. O
diferencial era unir qualidade e preços acessíveis. Para aproveitar a
expansão sem precedentes do mercado consumidor, resolveu diversificar
para tentar atrair a nova classe média, acostumada a comprar em lojas de
departamentos mais baratas. Começou a fabricar e a vender vestidos,
echarpes, calças jeans e jaquetas.
Criou uma grande rede de lojas próprias, no que foi imitada, com graus
limitados de sucesso, por toda a concorrência. Também lançou uma marca
nova, a Hering for You, de roupas femininas, e abriu lojas da Dzarm, de
preços mais altos.
Mas, após anos e anos de crescimento acelerado, a fórmula se esgotou, e a
Hering
ficou numa espécie de meio do caminho: não é nem popular (como a
Renner), nem de alta renda, nem básica, nem sofisticada. “A empresa não
conseguiu concorrer com a velocidade de redes como a Forever 21, que tem
produtos novos a cada semana”, diz Ana Paula Tozzi, presidente da
consultoria de varejo GS&AGR.
As vendas empacadas criaram outro tipo de problema: um distanciamento do
dia a dia dos franqueados, que haviam sido fundamentais na expansão da
empresa. Hoje respondem por 40% das receitas. Das 648 lojas da marca
Hering espalhadas pelo país, 591 são franquias.
Segundo funcionários da companhia, consultores de varejo e franqueados
ouvidos por EXAME, a empresa estava tão preocupada com a definição das
coleções e com a expansão da rede que deixou de acompanhar a situação
das lojas. Um problema frequente era o encalhe de roupas.
Algumas unidades chegavam a ter produtos estocados de seis meses atrás
e, por isso, deixavam de comprar coleções novas, o que gerava uma
mistura de peças nas araras. “Em algumas lojas, roupas de estações
diferentes eram vendidas juntas, por preços parecidos”, diz um
acionista, que pediu para não ser identificado.
“Se você vai a um McDonald’s ou a uma loja da Arezzo, é quase impossível
saber se a loja é franqueada ou própria. Na Hering, dá para saber.” No
ano passado, a receita com as franquias da Hering diminuiu 3%. A
situação é parecida nas lojas multimarcas que vendem roupas da Hering:
nesses locais, as vendas também caem.
Foi um péssimo momento para patinar. Enquanto a Hering tentava lidar com
problemas internos, os concorrentes se esbaldaram. Até o começo de
2015, quando já fazia dois anos que os resultados da Hering pioravam,
essas redes continuavam crescendo. O baque, para elas, começou há pouco —
e de forma mais branda.
Em 2015, as varejistas Marisa, Riachuelo e do grupo Restoque (dono da Le
Lis Blanc) tiveram queda média de 1% nas vendas em lojas abertas há
mais de um ano (enquanto as da Hering diminuíram 3,5%). As vendas da
Renner seguem aumentando, embora em ritmo menor. Uma explicação para o
melhor
desempenho dos competidores é que não têm franquias.
Contar com terceiros é uma maneira rápida de crescer em períodos de
expansão econômica poupando caixa. Numa crise, porém, depender de
pequenos empresários, que têm menos acesso a financiamento, é uma
fragilidade. Mas há outras explicações. Uma delas são os preços mais
baixos do que os da Hering. Além disso, redes como Renner e Riachuelo
reformularam suas lojas, o que atraiu clientes.
Por último, os concorrentes gerenciam melhor os estoques após
investimentos em logística milionários. Se as roupas não são vendidas
nem mesmo com descontos, precisam sair das prateleiras — isso ajuda a
dar destaque à coleção nova, cuja margem é maior. A Hering tem se
esforçado, nos últimos três anos, para elevar as vendas e reduzir os
custos.
Diminuiu o número de funcionários, e seus executivos passaram a repetir,
em toda conversa e apresentação a investidores, analistas e
franqueados, a sigla P&L — produto e loja. A definição dos problemas
fundamentais a atacar foi feita em consenso com os dois novos
acionistas da empresa, os gestores de fundos Gávea, do ex-presidente do
Banco Central Armínio Fraga, e Cambuhy, da família Moreira Salles.
As gestoras têm, respectivamente, 10% e 6% do capital da Hering desde o
ano passado, participação adquirida depois de mais de um ano de reuniões
com os executivos da Hering e de pesquisas sobre a marca e o varejo. No
dia 27 de abril, Marcos Pinto, sócio do Gávea, e Marcelo Medeiros,
sócio do Cambuhy, assumiram assentos no conselho de administração da
Hering.
Mas estavam participando de decisões da companhia bem antes disso. EXAME
apurou que partiu dos fundos a proposta de matar o projeto de lojas
Hering for You, que havia sido incluído entre as grandes apostas da
empresa um ano antes. Em abril, a companhia anunciou que vai fechar ou
transformar as lojas da marca em unidades da rede infantil Hering for
Kids.
A conclusão é que não dá para investir na expansão de uma nova rede e em mais um projeto de
franquias
enquanto a companhia estiver com problemas. “Por enquanto, faz mais
sentido ter a marca dentro das lojas Hering tradicionais do que como uma
unidade separada”, diz Frederico Oldani, diretor de finanças da Hering.
Gávea e Cambuhy não deram entrevista.
A empresa também está reorganizando processos. Criou um departamento de
pesquisa e desenvolvimento cujo objetivo é aumentar a capacidade de
inovação — em vez de mudar estampas, pode criar e melhorar tecidos, como
uma malha apropriada à prática de esportes. Foram feitos ainda ajustes
na logística para concentrar a produção em Goiás, onde existe incentivo
fiscal.
“Somos uma empresa melhor do que éramos em 2007 porque investimos em
melhorias”, diz Oldani. Além disso, a Hering decidiu se aproximar dos
franqueados. Começou a sugerir modelos de compra de coleções para evitar
o excesso de estoque e a indicar como fazer promoções para desovar
produtos encalhados.
Em meados de 2015, recomendou aos lojistas que vendessem roupas a preço
de custo — para isso, bancou parte da remarcação de preços, o que lhe
custou 7,5 milhões de reais. Por último, está reformando as lojas
próprias e mandou os franqueados seguir o mesmo caminho.
Para ajudá-los, a companhia negociou descontos com fornecedores e vai
subsidiar 10 milhões de reais e oferecer financiamento de 30 milhões de
reais, sem juros, para 100 franquias. “Houve erros da Hering e erros dos
franqueados, que agora estão trabalhando a quatro mãos.
Vimos uma melhora na concepção da coleção de inverno e estamos
conversando com a empresa para melhorar as margens”, diz Marco Chadad,
presidente do conselho de franqueados da Hering.
Para enfrentar as dificuldades, a Hering tem alguns fatores a favor.
Primeiro, não tem dívida e tem 209 milhões de reais em caixa. Isso
permite que faça investimentos, como o necessário ao desenvolvimento de
tecidos e à expansão de fábricas. Outra vantagem é o fato de ter fábrica
no Brasil — assim, depende menos de importações, que ficaram mais caras
com a alta do dólar.
Apesar da patinada recente, a marca continua forte: a Hering está há
seis anos entre as 20 marcas mais valiosas do país, segundo a
consultoria Interbrands. Os analistas, porém, andam descrentes — nenhum
dos 16 que acompanham a empresa recomenda comprar suas ações. “A Hering
está tentando”, diz Guilherme Assis, analista da Brasil Plural. “Mas
está tentando há três anos.”