A iminente liberação da compra de terras por estrangeiros no
Brasil deverá provocar um grande fluxo de investimentos no país,
principalmente por parte de fundos em busca de rentabilidade segura e de
longo prazo, reaquecendo uma fatia do mercado imobiliário que tem
sofrido com a estagnação econômica e a crise política.
Desde 2010
esse tipo de investimento está congelado no país, após um parecer da
Advocacia Geral da União (AGU), chancelado pelo então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Agora, sob a gestão do presidente interino Michel
Temer, a compra de terras por estrangeiros é vista como um dos motores
que podem ajudar a economia do país a andar novamente.
"A gente sabe,
tem consultas aqui na empresa, de muitos investidores com o dedo no
gatilho...
Alguns meses depois (da mudança nas regras) devem começar a
se concretizar esses investimentos", disse o diretor da Informa
Economics FNP, empresa que realiza pesquisa periódica sobre mercado de
terras agrícolas no país, José Vicente Ferraz.
Nos últimos anos,
investidores internacionais com planos de investir em propriedades
rurais no país chegaram a encontrar alternativas, como associar-se a
empreendimentos de capital brasileiro, mas em posição minoritária.
Contudo, a modalidade de investimento direto deve atrair novos recursos.
"Existem
fundos e investidores, famílias, etc, que estão interessados e não
querem estar amarrados a um sócio brasileiro. Portanto, aguardam a
flexibilização dessa legislação para fazer esses investimentos",
destacou Ferraz.
Segundo ele, os novos investidores, que teriam
nacionalidades diversas, buscariam comprar terras brutas para
desenvolvê-las, vendendo-as posteriormente, "já com um negócio
estruturado". "A valorização disso é muito maior que a valorização
natural do mercado de terras."
O Brasil já é um dos maiores
produtores de grãos e proteínas animais do mundo e precisará ampliar sua
produção nas próximas décadas para manter a posição de liderança nas
exportações de alimentos.
Com a certeza da expansão e da solidez do
setor agrícola no país, investidores estrangeiros tendem a ver
oportunidade de lucros sem grandes volatilidades ou riscos.
"Você tem
fundos de pensão, por exemplo, que estão preocupados em garantir valor
futuro e procuram investimentos de longo prazo, como terra", disse o
diretor-presidente da BrasilAgro, empresa especializada em aquisição e
desenvolvimento de terras agrícolas, Julio Piza.
A liberação de
aquisição de terras por estrangeiros tem sido motivo de polêmica e
controvérsia. A limitação imposta pela AGU em 2010 decorreu de uma nova
interpretação para uma lei de 1971.
O argumento do governo na época
do parecer da AGU era de que a aquisição direta feria a soberania
nacional, em um contexto de temores de que empresas asiáticas poderiam
tomar posse de grandes áreas no Brasil para assegurar abastecimento de
alimentos.
Com a mudança no Palácio do Planalto, a tendência é de uma
reversão da interpretação. Uma fonte do alto escalão disse à Reuters
nesta quinta-feira que a liberação para os estrangeiros é uma das
medidas do pacote que o governo deve apresentar nos próximos dias para
tentar acelerar a retomada do crescimento econômico. Haverá apenas a
criação de alguns critérios para evitar especulação imobiliária.
"Compra
de terras para segurança alimentar é o tipo de coisa que se ouve falar
muito, mas que se vê pouco acontecendo. Os investimentos em tradings (de
grãos) faz mais sentido", destacou Piza. "Não consigo entender onde a
soberania brasileira vai ser ferida. Ninguém vai comprar uma fazenda,
fechar ela e declarar independência."
De fato, companhias asiáticas
têm se voltado para aquisição de fatias em empresas de originação,
muitas delas com operações no Brasil. Um bom exemplo foi a gigante
estatal chinesa Cofco, que recentemente investiu 3 bilhões de dólares
para comprar a unidade de agronegócio da Noble, além de uma grande fatia
da trading holandesa Nidera.
"A estratégia (dos asiáticos) nunca foi
de produzir aqui no Brasil ou em outro país para exportar para lá. O
que eles querem é que se aumente a produção, porque daí cai o preço no
mercado internacional", analisou Ferraz.
Um dos setores que deve ter
fortes investimentos, da ordem de bilhões de dólares e de muitos
milhares de hectares, é o plantio de florestas.
Segundo a Indústria
Brasileira de Árvores (Ibá), associação que representa as empresas de
papel e celulose, grandes grupos estrangeiros --japoneses,
norte-americanos e escandinavos, por exemplo-- desistiram de volumosos
investimentos no Brasil desde o parecer da AGU em 2010.
"É uma
indústria de escala elevada. Você precisa de um mercado livre entre
nacionais e internacionais. Temos multinacionais represadas e as
nacionais com avaliação distorcida de mercado", disse a
presidente-executiva da Ibá, Elizabeth Carvalhaes.
MERCADO REAQUECIDO
Investidores estrangeiros deverão encontrar um ambiente favorável para aquisições.
"Já
precisávamos em 2010, e hoje em dia, com esse cenário (de crise
econômica), a entrada de capital estrangeiro vai ser fundamental", disse
o diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag),
Luiz Cornacchioni.
O real desvalorizado ante o dólar, na comparação
com o início da década, torna as terras mais baratas para estrangeiros.
Investimentos em logística de portos, estradas e ferrovias nos últimos
anos também tornam a produção das áreas agrícolas do Brasil um pouco
mais competitiva e atrativa.
Além disso, em um cenário de recessão e
de crédito apertado, algumas empresas agrícolas encontram-se em situação
financeira precária, vendo-se obrigadas a ofertar ativos essenciais,
como fazendas, para quitar dívidas, lembraram os analistas.
Segundo a
Informa Economics FNP, os negócios envolvendo grandes áreas estão
praticamente parados no país, com preços ameaçando um declínio. O maior
volume de aquisições é verificado entre pequenos e médios produtores,
que compram terras de vizinhos em negócios de ocasião.
"Pode haver bastante transações, aumentando a liquidez do mercado de terras", projetou Piza.
MATOPIBA
As
áreas mais propensas a receber interesse de investidores estrangeiros,
caso a liberação se confirme, deverão ser o leste de Mato Grosso e a
região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da
Bahia), onde ainda há amplas áreas de vegetação nativa ou de pastagens
que podem ser convertidas em terra para plantio de grãos.
"Do ponto
de vista estratégico, está desenhado o mapa da mina", disse o
sócio-diretor da consultoria MacroSector, Fábio Silveira. "Este é o polo
de atração de investimento mais importante do Brasil hoje. Em boa
medida esse investimento poderia ser de origem externa."
Ele destacou
que nos últimos anos foram inauguradas obras como novos trechos da
ferrovia Norte-Sul e novos terminais em São Luís (MA) que viabilizam o
escoamento da produção do Matopiba e estimulam o investimento (Reuters,
21/7/16)
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