Desde a divulgação de detalhes sobre as relações entre os principais
políticos brasileiros e os irmãos Joesley (Foto) e Wesley Batista, donos
do grupo de empresas que inclui a JBS, muita gente especula que a
delação premiada dos empresários seria uma estratégia para "limpar a
barra" da companhia nos Estados Unidos.
Isso porque os donos da maior
produtora de carne do planeta estão preparando um IPO (sigla em inglês
para Oferta Pública Inicial de ações) bilionário na bolsa de valores de
Nova York.
Com 65 frigoríficos espalhados pelos Estados Unidos, a JBS
já é líder nas vendas de carne bovina, ovina e de frango no país e
pretende expandir ainda mais sua atuação, com a subsidiária JBS Foods
International.
Para alguns, a delação que culminou na autorização de
uma investigação contra o presidente Michel Temer pelo Supremo Tribunal
Federal seria uma forma de transmitir "transparência" e mostrar ao
Departamento de Justiça americano que a empresa estaria disposta a
deixar gestos de corrupção no passado. Nos Estados Unidos, entretanto, a
leitura pode ser diferente.
Para Shannon O'Neil, pesquisadora sênior
do think-tank Council of Foreign Relations (CFR), que edita a revista
Foreign Affairs, a oferta de ações da empresa em Nova York pode ficar
comprometida - mesmo com a delação em Brasília.
"Mesmo que a delação
mostre que os líderes da JBS estão cooperando com a Justiça, o fato de
eles estarem envolvidos (em um escândalo de corrupção) torna tudo mais
dificil", disse O'Neil à BBC Brasil em Nova York. "Especialmente no caso
dos investidores americanos, que podem não conhecer os meandros da
política brasileira. Eles devem manter distância."
Corrupção
Procurada
insistentemente pela reportagem ao longo da semana, a sede da JBS nos
Estados Unidos disse que não comentaria o caso, nem respondeu sobre o
IPO na bolsa de Nova York.
A preocupação da empresa com a repercussão
internacional do caso pode ser percebida em um trecho de uma carta
pública de desculpas, divulgada pelos irmãos na última quinta-feira,
após a eclosão do escândalo.
"Em outros países fora do Brasil, fomos
capazes de expandir nossos negócios sem transgredir valores éticos",
ressalta Joesley Batista no texto, mirando o mercado estrangeiro.
Para
O'Neil, o problema começa em terras brasileiras. "Ter seu nome ou o
nome da sua empresa associados a potenciais vereditos de corrupção nunca
é algo bom para quem está querendo entrar em um novo mercado", afirmou.
"O
Departamento de Justiça vai acompanhar o caso de perto. Se eles
porventura tiverem violado algo na Lei Americana Anti-Corrupção no
Exterior (FCPA, na sigla em inglês), eles podem ser investigados e
processados por aqui", afirmou a analista.
Autoridades brasileiras
apuram supostas irregularidades no financiamento das compras pela JBS
das empresas Swift, National Beef e Pilgrim's Pride, todas nos Estados
Unidos.
Antes da eclosão das denúncias do acordo de delação premiada,
na última quarta-feira, a JBS havia sido alvo de quatro operações da
Polícia Federal entre julho de 2016 e março de 2017.
A oferta pública
inicial de ações (IPO) nos Estados Unidos, inicalmente prevista para o
primeiro semestre deste ano, foi adiada para o segundo semestre.
'Ano difícil'
A
especialista também avaliou os impactos da delação para o futuro de
Michel Temer e do sistema político brasileiro. Segundo O'Neil, a imagem
do país vinha se recuperando no exterior, mas "agora muito disso mudou".
"A
comunidade internacional estava torcendo ou começando a acreditar que o
Brasil tinha mudado de caminho. Inflação caindo, crescimento econômico
sendo retomado, reformas como o teto do gastos, trabalhista e da
Previdência caminhando. A comunidade internacional apoia fortemente o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente do Banco
Central, Ilan Goldfajn", disse.
"Mas agora muito disso mudou. As
reformas pararão e podem retroceder. Sua equipe economica continuará? Eu
acredito que sim, independente do que acontecer com Temer, mas não
aquela ideia de que o Brasil estava finalmente superando seus desafios e
seguindo em frente e superando os escandalos da Lava Jato. Agora é
pior, porque elas envolvem diretamente o presidente", diz.
A
especialista completa: "Os problemas de Dilma durante o impeachment não
estavam exatamente no âmbito da Lava Jato, eles tinham a ver com
procedimentos orçamentários."
A reportagem pergunta se, frente à
instabilidade política, seria melhor para o país que Temer continue ou
deixe a presidência. "Neste momento, a habilidade dele para mudar as
coisas é bastante limitada, mas é dificil saber o que está por vir",
ponderou.
"Pode-se imaginar outro presidente interino para completar o
mandato, mas esta pessoa será apenas alguém 'ocupando o cargo' até que
um novo presidente seja realmente eleito. Então, acho que ele
continuando ou saindo, o Brasil terá um ano difícil pela frente".
(BBC
Brasil, 21/5/17)
- EUA: Em comunicado a funcionários,JBS diz que só cometeu erros no Brasil
Wesley Batista, CEO da JBS e um dos delatores da nova fase da Lava
Jato, afirmou num e-mail a funcionários nos Estados Unidos que os
negócios da empresa no exterior foram construídos sem "lapsos éticos".
Mas,
ponderou Wesley, no Brasil "erros foram cometidos quando se envolveram
com o setor público". "Não nos orgulhamos disso", afirmou no comunicado
interno, escrito em inglês.
O texto foi enviado na tarde de
sexta-feira aos "membros do time" nos EUA e tem como assunto "uma
importante mensagem de Wesley Batista". Depois de pedir desculpas
sinceras aos funcionários e às famílias, a mensagem informa que o acordo
de delação premiada assinado com a Procuradoria Geral da República do
Brasil foi validado.
Apesar de assinada por Wesley Batista, a
mensagem foi distribuída pelo departamento de comunicação da JBS depois
que as delações dos donos e de cinco executivos da empresa colocaram sob
suspeita o presidente Michel Temer, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), o
ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e outras dezenas de políticos
brasileiros.
Diferentemente do irmão Joesley, Wesley falou à
Procuradoria Geral da República apenas sobre um nome: o ex-governador do
Mato Grosso Silval Barbosa.
Criado pelo patriarca da família há mais
de 60 anos, o grupo comandado pelos Batista se tornou a maior empresa
processadora de carne do mundo durante as gestões do PT no Planalto. Nos
últimos anos, se viu alvo de cinco operações da Polícia Federal, que
investigam pagamento milionário de propinas a agentes públicos.
Os
donos do grupo decidiram assinar um acordo de delação premiada no qual
afirmaram à Procuradoria Geral da República terem gravado o presidente
Michel Temer dando aval para comprar o silêncio do deputado cassado e
ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), depois
que ele foi preso na operação Lava Jato.
Temer, que virou investigado
da operação, nega ter dado qualquer tipo de aval, afirma que jamais
tentou evitar uma possível delação de Cunha e diz que a gravação foi
clandestina.
Em pronunciamento neste sábado, o presidente disse que
entrará com uma petição no Supremo para suspender o inquérito do qual é
alvo "até que seja verificada a autenticidade da gravação".
Boa vontade
Na
delação, Joesley Batista afirmou aos procuradores que como "controlador
do maior grupo empresarial privado não-bancário do país", procurava
obter "boa vontade do conjunto da classe política" com a empresa.
Por
isso, disse, esforçava-se para atender a maioria de pedidos de dinheiro
de políticos e partidos, para obter "facilidade em caso de necessidade
ou conveniência" e "evitar antipatia".
"Reconhecemos esses erros e,
mais do que isso, estamos fazendo um compromisso para nunca mais
comprometer nossos valores e crenças. Como CEO desta empresa, eu,
pessoalmente, me comprometo com cada um de vocês que farei tudo o que
estiver ao meu alcance para corrigir e evitar que os erros do passado
ocorram novamente", afirmou Wesley na mensagem enviada aos funcionários.
No
e-mail, o empresário anuncia que entre as ações a serem tomadas
imediatamente estão fortalecer os protocolos de compliance e governança
da JBS por meio de profissionais independentes, para assegurar que as
melhores práticas sejam implementadas.
O empresário pediu ainda para
que os funcionários fiquem "absolutamente focados" nas responsabilidades
do dia a dia. "Para deixar claro, a JBS é uma empresa de alimentos
forte e global com 235 mil funcionários em 23 países. Estou confiante de
que esses esforços vão resultar numa JBS ainda melhor e mais forte no
futuro".
De acordo com o jornal O Globo, o grupo teria contratado um
escritório de advocacia nos EUA para negociar um possível acordo de
leniência com o Departamento de Justiça norte-americano.
(BBC Brasil,
20/5/17)