De acordo com
economistas, essa é a fase "eletrocardiograma", com alternância de
números positivos e negativos, e crise política pode colocar tudo a
perder
Pessoas com guarda-chuva em fila de emprego no Rio de Janeiro (Dado Galdieri/Bloomberg)
São Paulo – “Hoje é um dia histórico. Depois de dois anos, o Brasil saiu da pior
recessão do século”.
A
economia brasileira cresceu 1% no 1º tri em relação ao 4º tri de 2016, encerrando uma série de dois anos com resultados negativos.
O número veio na linha do esperado pelo mercado e foi puxado pelo
desempenho excepcional da agropecuária, que cresceu 13,4% em relação ao
tri anterior e 15,2% em relação ao mesmo período de 2016.
“Sem agropecuária, o
PIB
ficaria estagnado. Todo o crescimento de fato veio daí. Essa recessão é
diferente das outras porque houve muita expansão do crédito e não tem
nada que puxe a demanda”, diz Silvia Matos, coordenadora de boletim
macroeconômico do IBRE/FGV.
A taxa de investimento como proporção da economia caiu mais de um
ponto percentual em um ano: foi de 16,8% no primeiro trimestre de 2016
para 15,6% no primeiro trimestre de 2017.
Já entre os setores, o mais importante (Serviços) ficou estagnado enquanto a Indústria subiu 0,9%.
“Estamos sim em uma trajetória de recuperação, com algumas
dificuldades, mas saímos do fundo do poço. A questão do ciclo é
importante, ele tem uma dinâmica própria e está em uma fase ascendente.
O
ajuste de estoques está encerrado”, diz Chico Pessoa, economista da LCA
Consultores.
Uma recessão “técnica” se configura quando o PIB cai por dois
trimestres seguidos, mas não há critério similar para cravar o fim de
uma recessão. No nosso caso, é difícil dar a crise econômica por
encerrada.
Silvia compara a recuperação com um “eletrocardiograma” e diz que o
país saiu de uma recessão severa para uma estagnação: “é que nem regime,
perder é mais fácil do que manter”.
O segundo trimestre terá vários ventos contra e pode ter resultado
negativo. A agropecuária não vai escapar de um ajuste e a expectativa é
que os números da indústria em abril, que serão divulgados amanhã (2),
tenham sido fracos.
“Estamos naquela fase de alternar números positivos e negativos e
esse já é, infelizmente, velho e atrasado e não diz muito por causa da
bomba política de maio. Pode ficar forte a discussão de talvez voltarmos
a uma recessão, ainda que não na intensidade que tivemos”, diz Sérgio
Vale, economista-chefe da MB Associados.
A crise política disparada pela delação de executivos da JBS
envolvendo o presidente Michel Temer traz turbulência aos mercados e
afeta a confiança de investidores e consumidores.
Além disso, o enfraquecimento da base do governo reduziu muito a
chance de aprovação de reformas estruturais, com foco na Previdência,
considerada essencial para a sustentabilidade das contas públicas.
“O consumo privado caiu 9,7% desde o final de 2014 enquanto o consumo
público caiu meros 2,4% no mesmo período de 2 anos. Isso mostra que o
fardo do ajuste macroeconômico em curso continua caindo
desproporcionalmente sobre o setor privado”, diz a nota de Alberto
Ramos, chefe de pesquisa econômica de América Latina no Goldman Sachs.
A queda da inflação e o afrouxamento da política monetária, terão agora menos força do que antes para acelerar a recuperação.
No Twitter,
o presidente Michel Temer disse que os números são “resultado das medidas que estamos tomando” e que “com as reformas, vai crescer mais ainda”.
Segundo Vale, “o governo até agora conseguiu fazer muita coisa que
nem se imaginava, um conjunto que vai ter seu impacto positivo nos
próximos anos.”
No entanto, um caminho de crescimento mais sustentável e vigoroso
depende da solução da crise política e a continuidade de um cenário
reformista após as eleições de 2018: “infelizmente, está de novo nas
mãos de Brasilia”.