Segundo o sociólogo, crescimento do nacionalismo surgiu com o medo daqueles que ficaram de fora dos benefícios da globalização
Por
Felipe Machado, da Veja
Demétrio Magnoli, professor da USP, durante
palestra no Fórum A Revolução do Novo: A Transformação do Mundo (Antonio
Milena/VEJA.com)
As consultas populares que culminaram na eleição de
Donald Trump e na saída da Inglaterra da União Europeia (o
Brexit),
que surpreenderam muitos analistas, não são decorrentes de desinteresse
pela política, baixo nível de educação ou fenômenos isolados.
Segundo o sociólogo Demetrio Magnoli, o que une os dois eventos é a
expressão do descontentamento de setores que ficaram de fora dos
benefícios da globalização, e viram no nacionalismo e na extrema direita
uma forma de expressar sua insegurança.
O professor da USP abordou o tema durante a palestra A fadiga na
política, a onda nacionalista, a antipolítica e o futuro da
globalização. A exposição foi parte do fórum
A Revolução do Novo – A Transformação do Mundo,
promovido por VEJA e EXAME, em parceria com a Coca-Cola, que aconteceu
na manhã desta segunda-feira, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.
Para Magnoli, o momento é de renascimento do nacionalismo, motivado
por fatores como uma crise econômica de grandes proporções e pela
sensação de falta de representatividade dos partidos políticos. “Não
existe uma fadiga da política, existe fadiga dos partidos políticos
tradicionais. É um fenômeno mundial”, diz o sociólogo.
Essas instituições, diz o Magnoli, foram apoderadas por suas próprias
militâncias, fazendo-as tomar posições políticas mais próximas dos
extremos e mais distantes dos centros. Assim, os eleitores as veem como
representantes dos próprios interesses, em vez do interesse público.
Um fator de semelhança entre o crescimento do nacionalismo em 1930, e
no seu ressurgimento na atualidade é uma crise econômica de grandes
proporções e que afetou vários países. No caso do século passado, a
grande depressão; mais recentemente, a crise econômica de 2008.
A dificuldade no campo econômico, somada ao baixo crescimento do PIB
em países centrais nos últimos anos, produziu uma camada significativa
de pessoas que ficaram de fora dos benefícios da globalização, o que se
traduziu nas urnas. “Os ‘órfãos’ da globalização, indignados com a perda
de emprego e de renda, escolhem o nacionalismo para enfrentar seus
medos”, diz Magnoli.
Ele aponta que tanto na eleição de Trump como no Brexit, as parcelas
que mudaram sua orientação política e foram decisivas para esses
resultados foram de trabalhadores de classe média empregados em
indústrias tradicionais. Com a revolução tecnológica, muitas delas
ficaram para trás.
Nos EUA, os trabalhadores do meio-oeste americano, tradicionalmente
ligados a sindicatos e aos democratas, migraram para Trump. Na
Inglaterra, redutos tradicionais do partido trabalhista apoiaram a saída
da União Europeia.
Segundo o sociólogo, uma expressão desse movimento nacionalista é o
sucesso eleitoral de partidos de extrema direita. Eles conseguiram
associar, incorretamente, o desemprego e o terrorismo aos imigrantes e
se beneficiaram eleitoralmente nos Estados Unidos e na Europa.
Assim como o nacionalismo da década de 1930, o de agora também emerge
da soma dos medos. E vence quem consegue criar uma narrativa sobre esse
medo, mesmo que incorreta, como no caso dos imigrantes.
“Não importa que se constate, depois, que o terrorista mora há décadas na mesma cidade em que cometeu o atentado”, disse.
Para o sociólogo, esse movimento de radicalização tem recebido uma
resposta das cidades grandes e médias, que tem registrado maior
participação política.
Esse maior engajamento fez com que não houvesse uma onda de extrema
direita em eleições como na Áustria, Holanda e França, como seria
esperado. “Já disseram que o Trump seria o coveiro da União Europeia.
Ele pode ter sido o salvador dela”, avaliou Magnoli.