A cultura machista e sexista em nosso país só será mitigada com grandes esforços do movimento das mulheres e da sociedade civil.
Brasil, país do futebol: será que sua gente
continua feliz ao desnudar a violência contra as mulheres? (Crédito:
Pexels)
O que ajuda na manutenção das desigualdades no Brasil? Os
estudos de gênero reconhecem a existência não só de uma, mas de
múltiplas masculinidades que variam de acordo com o modelo de sociedade
na qual os homens estão inseridos.
A perspectiva dos homens sobre si
próprios, sobre outros homens e sobre as mulheres definem os tipos de
masculinidades, sendo que esses padrões tratam basicamente de relações
de poder entre os gêneros e outros marcadores sociais como classe e
raça/etnia, geralmente assimétricas – compondo um tecido que mantém as
desigualdades no Brasil.
O gênero é uma prática social que se
refere constantemente aos corpos e ao que estes fazem, não é uma prática
social que se reduza unicamente ao corpo. Com isso, entendemos que o
gênero não se reduz ao sexo, que é biológico, mas aos corpos que
interagem nas práticas com outros corpos e com as estruturas sociais –
uma vez que o agir desses corpos se estrutura dentro de três dimensões:
relações de poder, relações de produção e vínculos emocionais.
Assim, desde a infância meninos e
meninas são condicionados inconscientemente pelo machismo a adotarem
práticas de ditos papéis de gênero, o que determinaria o “tornar-se
homem” e o “tornar-se mulher”, atualmente debatidos nas teorias das
masculinidades e feminilidades.
No mundo do trabalho, por exemplo,
enquanto a mulher brasileira geralmente é direcionada para
atividades/profissões que não produzem riqueza, o homem, pelo contrário,
é instigado a atividades altamente rentáveis e que denotam prestígio e
poder – uma história que vem se alterando um pouco nas últimas décadas,
mas é de fato muito antiga.
O mundo patriarcal desenvolveu-se, em
nosso país, a partir do período colonial. As grandes extensões de terra
eram administradas por um chefe de família, a quem se subordinavam todos
que estivessem nos limites territoriais do seu domínio, escravos e
livres. Os patriarcas, grandes proprietários de terras, lideravam uma
família estendida, composta desde parentes consanguíneos até
apadrinhados, e cada clã funcionava de forma autossuficiente e
independente dos outros.
Nesse contexto a historiadora Nísia
Floresta aponta que as mulheres eram privadas do acesso à educação e à
cidadania política. Além disso eram extremamente reprimidas em sua
sexualidade, consideradas irracionais e incapazes, controladas em tudo.
O processo de urbanização transformou e ressignificou a dominação doméstica:
- até 1827, mulheres não podiam frequentar escolas básicas;
- até 1879, mulheres não podiam ingressar no Ensino Superior;
- até 1932, mulheres não podiam votar;
- até 1962,
mulheres casadas precisavam de autorização do marido para viajar, abrir
conta bancária, ter estabelecimento comercial, trabalhar e receber
herança;
- até 1983, mulheres eram impedidas de praticar esportes considerados masculinos, como o futebol.
A ampliação mais abrangente de direitos das mulheres no Brasil ocorreu somente com a Constituição de 1988. A
questão da violência doméstica passou a ser considerada de maneira mais
consistente na esfera pública brasileira por meio da criação de
conselhos, secretarias de governo, centros de defesa e políticas
públicas específicas, já na década de 1980.
A primeira Delegacia de Atendimento
Especializado à Mulher (DEAM) foi criada em 1985, em São Paulo, e a
principal lei para prevenção e punição da violência doméstica é ainda
mais recente, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006.”
Para demonstrar como o problema da
violência doméstica contra as mulheres permanece nocivo e preocupante,
pesquisa do Atlas da Violência 2020, do Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA), nos relata que em 2018 uma mulher foi
assassinada a cada duas horas no Brasil, totalizando 4.519 vítimas no
referido ano, sendo 30,4% (1.355 mulheres) desse número foram relativos a
casos de feminicídio (IPEA, 2020) – que ocorre “quando o crime envolve
violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher”.
A estrutura opressora do machismo no
Brasil constrói o homem para dominar a mulher, devendo esta se submeter
ao poder do macho, o qual se consolida com a violência legitimada por um
suposto direito patriarcal.
A cultura machista e sexista em nosso
país só será mitigada, portanto, com grandes esforços do movimento das
mulheres e da sociedade civil que, por meio de práticas contra
hegemônicas, possam contribuir para o processo de equalização dos
direitos entre os gêneros, bem como constituir grupos de pressão perante
as diversas instâncias de poder, com o objetivo de promover a mudança
social, política e econômica.
https://istoe.com.br/mulher/noticia/brasil-pais-do-futebol-sera-que-sua-gente-continua-feliz-ao-desnudar-a-violencia-contra-as-mulheres/