Depois
de trabalhar por alguns anos no mercado financeiro, o engenheiro João
Paulo Pacifico, 45 anos, enxergou problemas no setor de capitais que
contribuíam para a injustiça social e decidiu abrir a sua própria
empresa de investimentos: o Grupo Gaia. O objetivo era criar uma
companhia que atrelava seus aportes à melhorias de índices sociais e ao
impacto social como um todo.
“Trabalhando
nessa área, observei que a forma como o mercado financeiro atua não
considera o bem comum como um fator positivo para todos. Esse mercado
foi para um caminho materialista, menos humano, com claro e único
objetivo pelo lucro, explorando o trabalho enquanto muitas pessoas
empobrecem”, conta João.
Após a
criação do Grupo Gaia, o empresário se dedicou a fazer com que sua
companhia tivesse a premissa de tornar o mercado financeiro mais humano,
ao mesmo tempo que seus colaboradores contassem com um ambiente de
trabalho mais saudável.
João sempre pertenceu a classe média, não é
herdeiro, mas conquistou uma estabilidade financeira com os retornos
obtidos por meio da Gaia. Em 2014, decidiu criar a Gaia+, formando uma
Organização Não Governamental (ONG) inteiramente dedicada a
investimentos de impacto social, o que tornou a Gaia em uma empresa
certificada B. A certificação, criada em 2006 nos Estados Unidos, define
companhias que visam em seus modelos de negócio o desenvolvimento
social e ambiental.
Em 2017, por exemplo, a Gaia+, ONG criada a
partir da separação da empresa, desenvolveu um projeto que levava
reformas residenciais a pessoas que moravam em favelas. “Fizemos uma
debênture do bem. Ganhamos prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU)
e vi que o impacto que causamos na vida das pessoas atingidas era muito
bacana”, explica Pacifico.
Enquanto
isso, o Grupo Gaia, de forma paralela, atuava também no setor de
agronegócio, o que trouxe ainda mais dúvidas a João sobre como o
capitalismo estava contribuindo para o aumento dos índices de
desigualdade social.
“Financiávamos
muito o agronegócio. Mas eu pude conhecer os seus impactos. Parte desse
mercado é voltado a alimentar as pessoas em outro países, ao mesmo
tempo que a pobreza e a fome no país aumentava, além de contribuir para o
maior desmatamento. Até que conheci a agricultura familiar”, relata.
Após
ver de perto o trabalho das famílias produtoras, Pacifico também
enxergou que o movimento trazia mais vantagens para a sociedade como um
todo. Então, decidiu tornar o Grupo Gaia numa empresa voltada
inteiramente aos investimentos de impacto social.
Em 2022,
Pacifico vendeu um dos braços do Grupo Gaia, a Planeta, e destinou todos
os recursos oriundos da transação a novos investimentos de impacto e à
continuação do trabalho desenvolvido pela companhia.
“Após
essa decisão, o Grupo Gaia se tornou inteiramente em um fundo de
impacto. O lucro é todo revertido em novos projetos. Não via mais
sentido em continuar lucrando como estava”, diz Pacifico.
Já
com uma vida financeira estabilizada e se vendo em uma posição de
privilegiado, o empresário também passou a se dedicar a estudar ainda
mais o capitalismo e suas injustiças. Desde então, passou a liderar
projetos que envolvem maior taxação de impostos sobre milionários, a
cultura de proteção ambiental e a diminuição das desigualdades.
“Visito
lugares em que vejo as condições reais de pessoas em situação de alta
vulnerabilidade. Qual a chance daquela pessoa chegar à classe média ou
sequer ter uma vida financeira equilibrada? Nenhuma. Se não mudarmos a
forma como o capitalismo se estabeleceu, os pobres vão ser ainda mais
pobres e os ricos, mais ricos. O que não é bom para ninguém”, comenta.
Por
isso, Pacifico é defensor ferrenho da maior taxação de impostos para a
classe mais abastada do País. Ele publica vídeos recorrentes em seu
Instagram explicando a necessidade de se ajustar essa tributação para
que haja um maior equilíbrio social. Confira:
“A
gente tem que ressignificar isso. Acho assustador, pois o que eu falo
parece bem óbvio. O capitalismo e o neoliberalismo fomentam a exploração
do trabalho, contam a história de que tem dinheiro para todo o mundo,
mas sabemos que não é assim. Para enriquecer alguém nesses moldes, você
empobrece outra pessoa que precisaria daquele recurso”, afirma.
João
conta, ainda, que sua condição financeira é bastante favorável, mas que
está longe de ser um bilionário. Inclusive, nesse sentido, não é seu
objetivo se tornar ainda mais rico.
“Pessoas
bilionárias representam uma anomalia do capitalismo. Deveriam existir
sistemas capazes de evitar que existam pessoas nessa condição. Ao meu
ver, há na sociedade um ‘vício em dinheiro’ que leva esses atores do
capitalismo a uma glamourização da riqueza, o que por sua vez atrai
outros ao mesmo caminho”, diz Pacifico.
Proud to Pay More
O
empresário sugere uma maior taxação na renda dos mais ricos como forma
de combater a desigualdade, deixando para o estado o papel de distribuir
essa renda da melhor forma. A tributação sobre patrimônio e heranças,
hoje também pouco explorada no Brasil, são outras ferramentas defendidas
por Pacifico.
Recentemente,
o CEO do Grupo Gaia assinou uma carta junto com 250 outros milionários e
bilionários do mundo. O documento, batizado de Proud To Pay More
(orgulho em pagar mais, na tradução), foi apresentado durante a última
edição do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, em
meados do início de janeiro. A lista também leva a assinatura de Abigail
Disney, herdeira da Disney, e do ator escocês Brian Cox.
Questionado se a maior taxação de ricos seria um risco à fuga de capitais do País, Pacifico é direto:
“Em alguns países já há essa cobrança. Quem diz que se for tributado
mais sairá do Brasil é um chantagista. Não concordo com essa leitura e
acho muito difícil alguém já identificado e estruturado a abrir mão de
tudo, fechar seus negócios e ir embora porque está sendo mais taxado. Fomos para um caminho mais individualista. Precisamos ter menos competição e mais colaboração”, encerra.
Além
de empresário, Pacifico atua como escritor, ativista e conselheiro do
Greenpeace. Ele também é autor dos livros “Onda Azul” e “Seja Líder Como
o Mundo Precisa”, já foi apresentador de programas na Rádio Globo, além
de ter escrito artigos sobre bem-estar corporativo.
https://istoedinheiro.com.br/empresario-impacto-social-taxacao-de-ricos/