Para
o empresário que construiu um ecossistema de marcas cultuadas no
segmento de vestuário no Brasil, os negócios que prosperam mesmo sem
grande investimento em marketing são focados no bem-estar do consumidor,
da sociedade e do planeta — e não apenas no interesse do acionista
Rony Meisler: negócio com filosofia e paixão (Crédito:Divulgação)
Bem antes de empreender no mundo da moda com a criação da grife Reserva, em 2010, o carioca Rony Meisler
já havia colocado em prática seu peculiar tino comercial. Nascido em
Botafogo e torcedor do Vasco, ele tinha 12 anos quando abriu uma
banquinha na calçada do prédio onde morava para vender livros e
quadrinhos usados. A ideia de economia circular já
estava presente também em sua segunda aposta no varejo: uma plataforma
de troca de produtos, que não prosperou. Os aprendizados e os percalços
dessas experiências ajudaram a formar a visão de negócio que tem
norteado a construção de um ecossistema de marcas de roupa sólido e que
não para de crescer — especialmente nos últimos três anos, desde que a Reserva passou a fazer parte da Arezzo, com Meisler na posição de CEO da divisão AR&Co.
Além de buscar inspiração em referências que vão muito além do setor de
vestuário, como afirmou nesta entrevista à DINHEIRO, o empresário que
na terça-feira (19) inaugura em São Paulo a Casa Reserva segue à risca uma filosofia corporativa: “Eu
acredito no capitalismo consciente. As empresas que estarão vivas daqui
a 200, 300 ou 400 anos são as que pregam o capitalismo de stakeholder e
não de shareholder”, disse, usando as expressões em inglês que
definem, respectivamente, as partes afetadas pela atuação da empresa e o
acionista. “Essa é a paixão da minha vida.”
DINHEIRO — Qual o conceito da Casa Reserva?
Rony Meisler —
Ela segue uma lógica de estratégia de marca muito adotada no mercado
europeu e nos Estados Unidos que é a expansão através da extensão de
linhas. Nós começamos como Reserva, depois veio a
Reserva Mini, Reversa, Reserva Go, Reserva Lifestyle, Oficina Reserva…
Cada uma dessas linhas de produto foi se expandindo com canais próprios
ao longo do tempo. Dentro da linha principal, a masculina, que foi onde a
gente começou, ela era categorizada basicamente em três tipos de
produtos: praia, jeans e workware. Sempre
tivemos o sonho de em algum momento juntar essas linhas em flagships,
com uma ou no máximo duas lojas em corredores comerciais importantes de
cada cidade e que pudessem representar não apenas o posicionamento
dessas linhas como oferecer todos os serviços do ecossistema que hoje ou
estão na internet ou n uma extensão de marca.
Se o sonho era antigo, por que só agora?
Porque faltava encontrar o ponto de venda com a visibilidade necessária
para a importância desse modelo de flagship que é a Casa Reserva. Por
maior que fosse a nossa certeza de que ele iria aparecer, isso depende
de fatores externos e não apenas da nossa vontade. Ao longo de três anos
buscamos o lugar perfeito, até que surgiu essa oportunidade no Shopping
Morumbi, em São Paulo. Assim que o espaço apareceu, a gente montou o
projeto criativo, pensando em como seriam os serviços. Foram mais ou menos uns dois meses de trabalho intelectual e mais quatro meses e pouco de reforma.
Já havia uma loja Reserva no mesmo shopping, exatamente embaixo dessa
nova. Até cogitamos a hipótese de manter as duas e fazer dois andares,
mas decidimos que ela será uma Oficina Reserva.
“Na
Casa Reserva é possível criar experiências que o cliente jamais teria
on-line ou numa loja convencional. Há desde um bar de drinques e
cafeteria até área para customização de roupas”
Qual a importância de oferecer serviços dentro de uma loja de roupa?
A
gente entende que dessa forma é possível criar experiências que o
cliente jamais teria em uma compra on-line ou mesmo em uma loja
convencional. Dentro dessa a loja há um bar de drinques
com uma carta bem extensa, cervejas especiais, uma cafeteria e uma área
central para customização de roupas. O cliente consegue customizar todos
os itens básicos da marca, como tags, ilhoses, aviamentos, botões,
estamparia. Criamos um book de aviamentos gigante, em couro,
supersofisticado, que permite escolher tudo que pode ser feito de
alteração nas roupas. Além disso, há um provador exclusivo para personal
stylists que são parceiros da marca. E também uma consultoria gratuita
de estilo com agendamento prévio.
Será também um local de criação de conteúdo, certo?
A gente pensou emum conjunto de eventos dentro da loja. No meio do ano
vamos lançar nosso canal do YouTube que vai se chamar Vem em Casa. Eu
vou convidar uma pessoa por mês para ir até a Casa Reserva e bater um
papo comigo ali no sofá, tomando um drinque, e vai ter público presente
na gravação, em uma espécie de anfiteatro. Também
uma vez por mês vamos receber um artista brasileiro convidado para
fazer a customização, dando a cara dele para as roupas da marca.
Você entende que esse tipo de ação é que faz da Reserva uma marca forte?
Nosso investimento em marketing e comunicação gira em torno de 1,5% a
2% do faturamento. A gente sabe que normalmente uma marca investe entre
5% e 6% da receita em marketing. Como investimos menos da metade, só me
resta uma explicação para termos consolidado uma marca forte: serviço. É
claro que isso se reflete também no tripé formado pela qualidade,
sustentabilidade e funcionalidade do produto. Mas isso é obrigação.
Ninguém volta para comprar uma marca que não tenha esses atributos. Nosso cliente volta numa frequência estupidamente maior do que a média de mercado porque nós o conhecemos muito bem.
Ao longo do tempo, o que fizemos de diferente foi oferecer um serviço
capaz de encantar. E eu não estou falando apenas da customização ou de
servir cerveja na loja. Cada canal de venda tem a sua devida conjectura.
Na internet é tempo de entrega. De cinco anos para cá a gente reduziu
esse prazo de seis dias e meio para dois dias e meio. Isso exigiu
revisão de processos e parcerias estratégicas importantes, com
integrações de sistemas relevantíssimas. A gente foi entregando serviço
para o cliente num nível que a marca começou a se fazer presente na vida
dele.
Ter percorrido todo esse caminho no Brasil faz com que você pense em levar a marca para fora?
Quando você vê que o seu produto está melhorando e que a sua marca está
ficando mais forte, por consequência começa a ficar pronto para se
colocar no ambiente mais competitivo que é o mercado externo. A
gente ainda tem um longo crescimento para fazer no Brasil. Há cinco
anos eu diria que a marca ainda não estava pronta em termos de produto.
Agora eu acho que a gente está pronto. Temos marca,
time, infraestrutura, e podemos começar a pensar nisso para os próximos
anos. Há uma probabilidade bastante alta de a Reserva botar um pezinho
lá fora em 2025, mas não está nada desenhado ainda.
Você imagina que a Reserva possa ter uma aceitação internacional como Havaianas, por exemplo?
Uma operação internacional não depende só de um produto bom e de uma
marca forte localmente.Precisa de um propósito muito forte, causar o
menor dano possível ao meio ambiente, enfim, ser um produto herói. No
nosso ambiente de negócio existe um ícone representativo dos Estados
Unidos que é um cavalo [Polo], uma marca iconográfica da França que é um
crocodilo [Lacoste]. Temos a oportunidade de ser ícone do Brasil [a logomarca da Reserva é um pica-pau].
“A
gente decidiu ter fornecedores no Brasil quando todo o setor estava
indo para a Ásia. Foi uma decisão de vida e não apenas de negócio. Foi
idealista, mas sabendo que daria certo’’
A competição com os importados afeta?
Tomamos a decisão de prioritariamente ter fornecedores no Brasil. Isso foi uma decisão de vida e não apenas de negócio.
Queríamos crescer gerando emprego aqui e desenvolver a cadeia no Brasil
quando toda a matriz do setor estava indo para a Ásia. A gente investiu
idealisticamente, mas sabendo que daria certo. Quase 100% da produção é
feita no Brasil. A gente tem condições de competir globalmente em
malharia, jeans. E oferecemos soluções para quem quer empreender com
nossa marca. A Reserva Ink é uma plataforma de estamparia que reúne 60
mil colaboradores. Gera renda para essa turma. Tem gente que tira R$ 80
mil por mês, todo mês.
Isso não existia no Brasil. Onde vocês buscaram inspiração?
Todos os dias buscamos aprender com bons exemplos de fora e daqui. Se
ficar preguiçoso a gente morre. As referências não vêm só do mundo da
moda. O Richard Branson, com a Virgin [que vende de refrigerantes a
música e viagens espaciais], sempre foi inspiração do ponto de vista da
rebeldia da marca, que tem a ver com nossa história. Da Patagonia
extraímos lições ligadas à sustentabilidade na cadeia do vestuário. E da
Starbucks trouxemos a noção de que o cliente pode ser surpreendido se
tiver à disposição um serviço além do trivial. Ele entra na loja para
comprar roupa e faz a barba, toma uma cerveja e cria networking. A ideia
do programa 1P=5P [que faz repasse de recursos sobre a venda de
produtos para ONGs que atuam no combate à fome] veio de uma marca de
tênis que faz doações a cada par vendido.
Você ainda consegue pensar em moda ou seu tempo é todo voltado para a gestão?
O nosso negócio é moda. Enquanto estamos aqui conversando, 18h47, eu
não tenho a menor ideia de como o mercado fechou, mas sei o quanto a
gente está vendendo hoje. Como empresário, mantenho o foco no cliente,
em como antecipar os desejos dele. E gosto muito de falar sobre um
assunto que acabou virando uma filosofia de vida para mim. Eu
acredito no capitalismo consciente, que é um movimento global. Eu tive a
honra de presidir o Instituto Capitalismo Consciente Brasil. Ele prega
que o propósito de uma empresa deve ser muito mais do que simplesmente
gerar lucro e que seus líderes são responsáveis por criar valor para
todos os stakeholders [partes interessadas]. As empresas
que vão estar vivas e fortes daqui a 200, 300 ou 400 anos são as
empresas que pregam o capitalismo de stakeholder, que fazem sentido para
os seus colaboradores, consumidores, fornecedores e para a sociedade.
Se a gente tiver entregando valor para esses quatro holders, o
shareholder [acionista] também vai estar feliz, por consequência.
Não pode ser só business?
O
dia que eu estiver aqui para olhar apenas o resultado financeiro eu não
verei mais sentido no negócio, aí eu não vou estar mais aqui. Porque esse negócio, que construímos com essa filosofia, é a paixão da minha vida.
A Reforma Tributária pode ter algum impacto no setor de vestuário?
Uma das razões para a reforma é que o Brasil tenha um planejamento
tributário mais simplificado. Consequentemente, isso abre as portas do
País para a entrada de novos players. Só que adquirir o conhecimento de
mercado necessário para ter uma atuação forte no Brasil exige tempo.
Isso é uma barreira de entrada importante para grupos de fora.
https://istoedinheiro.com.br/as-empresas-que-seguirao-fortes-sao-as-que-praticam-capitalismo-consciente-diz-rony-meisler-da-reserva/