Além
de controlar a plataforma X, antigo Twitter, que vende anúncios para
propaganda, o multibilionário Elon Musk controla outras empresas, desde
fábricas de foguetes até de carros elétricos. No Brasil, o empresário,
que mantém uma cruzada contra o governo e o Judiciário brasileiro,
têm ao menos dois negócios no país – níquel e satélites – e um
interesse: o lítio.
Com
um patrimônio líquido no valor de R$ 960 bilhões, segundo a revista
Forbes, Musk é considerado a segunda pessoa mais rica do planeta. Entre
seus principais interesses está o da mineração que abastece suas
indústrias com materiais necessários para produção.
A fabricante
de veículos elétricos Tesla, controlada por Musk, fechou contrato “de
longo prazo” com a mineradora brasileira Vale, anunciado em maio de
2022, para o fornecimento de níquel a partir das operações da Vale no
Canadá. A companhia brasileira também extrai níquel no Pará.
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil
acreditam que existe interesse de Musk pelo lítio brasileiro. O insumo é
chamado de “ouro branco” ou “petróleo do século XXI” e é um dos
minerais considerados “críticos” de importância central para transição
energética e para as baterias dos carros elétricos. A estimativa é que a
procura pelo minério deve se multiplicar nos próximos anos.
O
Brasil tem importantes reservas, apesar de não ser local das principais
reservas do planeta. Estima-se que 53% do lítio na América Latina
esteja concentrado em países como Chile, Bolívia e Argentina. De acordo
com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Brasil tem a 15ª maior reserva de lítio, com 800 mil toneladas do minério estimadas.
O bilionário Elon Musk participa de testes da SpaceX – Reuters/Divulgação
Já
o Ministério de Minas e Energia sustenta que o Brasil é dono da 7ª
maior reserva de lítio do mundo, com 1,23 milhão de toneladas, sendo o
5ª maior produtor mundial. O MME justifica que a diferença se deve ao
fato de considerar “a parte economicamente lavrável dos recursos
medidos”.
“Ao contrário da maioria dos países, o lítio encontrado
em Minas Gerais é de alta pureza, facilitando seu uso na fabricação de
baterias mais potentes.”
No Brasil, as principais reservas se concentram na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Geopolítica do lítio
Com
esse potencial, as notícias de que a empresa canadense que atua no
Brasil, a Sigma Lithium, está em processo de venda para a chinesa BYD,
umas das principais concorrentes da Tesla do Musk, está preocupando o
multibilionário, segundo avalia Hugo Albuquerque, jurista e editor da
Autonomia Literária, editora que publica textos ligados aos movimentos
sociais.
“A BYD está dominando todas as cadeias da produção mais
centrais e avança na sua posição global. Antes, lembremos, Musk admitiu
ter apoiado o golpe na Bolívia justamente por causa do lítio”, comentou
o especialista.
Hugo Albuquerque, jurista e editor da Autonomia Literária. Foto: Arquivo pessoal
Em
julho 2020, em um debate no X sobre a acusação de que os Estados Unidos
estariam por trás da destituição do presidente boliviano Evo Morales,
ocorrida em 2019, Musk afirmou: “vamos dar golpe em quem quisermos! Lide
com isso”. A BYD, inclusive, anunciou que vai operar fábricas de carros elétricos na Bahia.
O
fundador do Observatório da Mineração, o jornalista Maurício Angelo,
que investiga a atuação das mineradoras no país desde 2015, avalia que a
aquisição da Sigma pelos chineses é um problema para Musk.
“A
mineração é um setor restrito, as jazidas são restritas, estão
localizadas em países e regiões específicas. Então você não pode
escolher onde vai operar, extrair e negociar”, explicou Angelo,
acrescentando que “se a BYD adquire a Sigma, para o Musk é um problema,
porque você está fortalecendo um concorrente direto no Brasil, no país
estratégico como é o Brasil”.
O professor de relações
internacionais da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni,
alerta ainda que existe a preocupação das empresas interessadas no
lítio, e dos países onde elas estão sediadas, de que as nações que detêm
essas reservas não formem um cartel como a Organização dos Países
Produtores de Petróleo (Opep).
Maringoni lembrou que o presidente
da Bolívia, Luis Arce, que governa o país que tem uma das maiores
reservas de lítio do mundo, manifestou interesse em criar uma Opep do
lítio com os demais países latino-americanos donos de grandes reservas.
“[A
ideia de Arce] é a formação de um cartel internacional dos produtores
de lítio, não só para discutir preço, mas como vai ser feita a
exploração das reservas. Porque as empresas chegam com uma proposta
extrativista, você cava o buraco e leva o material embora, uma coisa
semicolonial. E o que o Arce quer é criar uma indústria do lítio aqui”,
comentou Maringoni, que também coordena o Observatório de Política Externa do Brasil (Opeb).
Em julho de 2022, o governo de Jair Bolsonaro publicou o Decreto 11.120,
liberando a exploração de lítio no Brasil ao determinar que a
exportação e importação do mineral “não são sujeitas a critérios,
restrições, limites ou condicionantes de qualquer natureza, exceto
aqueles previstos em lei ou em atos editados pela Câmara de Comércio
Exterior – Camex”.
Satélites
Outro interesse do empresário no Brasil é em relação a sua empresa aeroespacial SpaceX. Em janeiro de 2022, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou o uso de satélites Starlinks, da SpaceX, no país.
O
professor da federal do ABC, Gilberto Maringoni, destacou que o
interesse de Musk com o Starlink é imenso, porque todo o fluxo de
informações que circula na Amazônia está sob controle do grupo
estrangeiro controlado pelo empresário.
“Todo o fluxo de
informações, seja das Forças Armadas, seja da área de saúde pública,
seja das delegacias de polícia, de escolas, enfim, toda a conexão é
feita através do Musk. Ele detém, então, o poder de apagar a Amazônia e
provocar um colapso. Além disso, ele tem contratos também com as Forças
Armadas e com algumas áreas da justiça. É muito mais do que a exploração
do lítio”, explicou.
Diante dos ataques de Musk ao Judiciário
brasileiro, o Ministério Público do Tribunal de Contas da União (MP-TCU)
pediu que o Tribunal exija informações do governo federal de quais
contratos mantém com a Starlink, incluindo as Forças Armadas.
“Caso
haja confirmação da existência desses contratos, deve o TCU determinar a
sua imediata extinção, por conta da violação à soberania nacional
defendida pelo Sr. Elon Musk”, afirmou o Subprocurador-Geral Lucas Rocha
Furtado. A petição assinada no último dia 10 de abril está sob a
relatoria do ministro do TCU, Aroldo Cedraz.
Quatro meses após a
Starlink receber autorização da Anatel, Musk visitou o Brasil e foi
recebido pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, além de ter sido
condecorado com a medalha da Ordem do Mérito da Defesa pelo Ministério
da Defesa. A premiação é dada a personalidades que prestam “relevantes serviços” às Forças Armadas.
A
Starlink tem, desde então, avançado no mercado brasileiro, em especial,
nos locais de difícil acesso da região amazônica. Em fevereiro de 2023,
a Anatel prorrogou os direitos de uso da companhia estadunidense por
entender que ela contribui “com o progresso de nossas
telecomunicações”.
Para o analista Hugo Albuquerque, há interesse
do empresário na desestabilização do governo brasileiro para facilitar
seus negócios no Brasil, já que ele tinha um canal mais direto de
negociação com o governo anterior.
“Ele quer expandir a rede de
internet possibilitada pelos satélites da Starlink para prospectar a
Amazônia ou vencer disputas no Ministério da Educação. Além disso, ele
entende que para conseguir tudo isso, ele precisa trocar o governo
aqui”, completou.
Em outubro de 2023, o Ministério da Educação
(MEC) informou que alteraria as regras para conectividade das escolas, o
que pode, em tese, prejudicar a empresa de Musk.
Os
satélites da Starlink ainda têm sido usados por garimpeiros ilegais
para se comunicar nas regiões isoladas da Amazônia, segundo informou o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama). “O Ibama relata que tem sido comum encontrar antenas da
Starlink em garimpos”, informou, em nota.
Antes da operação da
companhia, esses garimpeiros tinham dificuldade de se comunicar, de
acordo com jornalista do Observatório da Mineração, Maurício Ângelo. “Os
garimpeiros ilegais que atuam na Amazônia conseguiram a solução para o
problema de conectividade que sempre tiveram via Starlink de 2022 para
cá”, comentou.