Servidores
de seis órgãos públicos que participam da quarta edição da Operação
Resgate libertaram 593 pessoas encontradas em condições semelhantes ao
trabalho escravo ao longo do último mês. Entre as vítimas, há, ao menos,
18 crianças ou adolescentes submetidos ao trabalho infantil ilegal – 16
delas eram forçadas a realizar serviços em condições degradantes, sem
receber qualquer quantia em troca.
Os
resgates ocorreram em 11 (AM, DF, GO, MG, MS, MT, PA, PE, RJ, RS e SP)
das 27 unidades federativas brasileiras, entre os dias 29 de julho e 28
de agosto. Os maiores números de ocorrências foram registrados em Minas
Gerais (292 pessoas libertadas), São Paulo (142), Pernambuco (91) e
Distrito Federal (29). Já as atividades econômicas com maior incidência
de trabalho escravo foram a agricultura (especificamente os cultivos de
cebola, café e alho), a construção civil e serviços (restaurantes, bares
e condomínios).
Clínica de reabilitação
Um
dos casos que mais chamou a atenção dos fiscais ocorreu em Pernambuco,
onde 18 pacientes de uma clínica de reabilitação para dependentes
químicos eram submetidos a trabalho forçado. “Todos eram pacientes
internados e realizavam as atividades laborais compulsoriamente, como
parte do processo de internação”, comentou o coordenador-geral de
Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo e
Tráfico de Pessoas, André Roston, do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), ao apresentar, hoje (29), o balanço preliminar da Operação
Resgate IV.
“A
clínica tinha 63 internos e simplesmente não tinha nenhum empregado
registrado. Toda a mão de obra, todo o funcionamento do estabelecimento
era extraído do trabalho forçado de parte dos internos, a título de isso
fazer parte da reabilitação”, acrescentou Roston, explicando que os 18
resgatados na clínica realizavam, gratuitamente, de atividades
administrativas ao serviço de porteiro, vigilância e preparação de
alimentos, entre outros.
Operação Resgate IV
A Operação
Resgate IV, de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, é
resultado do esforço concentrado de seis instituições: Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT),
Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU),
Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Este ano, foram libertadas 11,6% mais pessoas do que na edição anterior, de 2023, quando 532 trabalhadores foram resgatados.
A operação também resultou no resgate da pessoa mais idosa já encontrada na condição de escravizada.
Uma
senhora de 94 anos de idade foi resgatada em Mato Grosso, na casa de
uma família para a qual ela trabalhou por 64 anos, sem salário. Impedida
de constituir família e de estudar, ela continuava cuidando da atual
patroa, de 90 anos e com Alzheimer.
Segundo o
Ministério do Trabalho e Emprego, a trabalhadora poderá permanecer
morando na casa onde passou os últimos anos, com todas as despesas pagas
pela família da empregadora, que terá de custear inclusive um cuidador
de idosos e um salário-mínimo mensal à senhora.
Outro caso de
trabalho escravo doméstico foi identificado no estado de São Paulo. Uma
mulher, hoje com 58 anos, foi encontrada na casa de uma família para a
qual trabalhava desde seus 11 anos de idade. “Ela foi levada para a casa
onde passou a trabalhar graças a uma tutela judicial provisória que
nunca se tornou definitiva, supostamente para ser integrada em um novo
lar, mas passou a trabalhar compulsoriamente, em condições análogas à
escravidão, até ser libertada no âmbito da Operação Resgate”, afirmou o
coordenador-geral de fiscalização.
Outro aspecto destacado durante
a apresentação dos resultados foi a libertação de trabalhadores
estrangeiros. Em Anta Gorda (RS), quatro trabalhadores argentinos foram
encontrados sem documentos pessoais ou visto para o trabalho, em
condições degradantes na extração, corte e carregamento de lenha de
eucalipto.
Em Mato Grosso do Sul, as equipes de fiscalização
tiveram que usar caminhonetes com tração, lanchas e até um helicóptero
para chegar aos dois estabelecimentos onde 13 paraguaios foram flagrados
em situação degradante, submetidos à servidão por dívida.
“O
isolamento geográfico, a dificuldade de acesso das equipes de
fiscalização, contribuem para a vulnerabilização dos trabalhadores”,
comentou Roston.
Até o momento, os responsáveis por
submeter os trabalhadores a condições semelhantes à escravidão já
tiveram que desembolsar mais de R$ 1,91 milhão apenas para saldar verbas
rescisórias.
Segundo o coordenador, os órgãos responsáveis seguem buscando o pagamento de outros deveres trabalhistas e custos.
“Este
valor total vai ser maior, pois ainda há muitas equipes em campo,
realizando as cobranças dos pagamentos. E se não conseguirmos os
pagamentos neste ciclo operacional, teremos, eventualmente, a
judicialização destas cobranças”, acrescentou o coordenador destacando a
importância de punir também financeiramente os responsáveis.
“O
principal motor da exploração do trabalho escravo é o fato de que há um
grande benefício econômico ao se adotar esta estratégia de violação dos
direitos humanos para exploração do trabalho. No cerne, emprega-se o
trabalho escravo contemporâneo porque esta ainda é uma conta
economicamente benéfica para os exploradores”, concluiu Roston.