Cotação dos papéis da empresa chegou a R$ 0,75
A
AgroGalaxy, grupo varejista de insumos agrícolas, protocolou na
quarta-feira, 18, um pedido de recuperação judicial. O anúncio ocorreu
pouco após ela ter comunicado a renúncia do diretor-presidente, Axel
Jorge Labourt, e de cinco membros do Conselho de Administração. O então
diretor financeiro da companhia, Eron Martins, foi nomeado para o cargo
de CEO.
A empresa disse, em comunicado, que o pedido de
recuperação judicial foi protocolado em caráter emergencial diante do
vencimento antecipado de operações financeiras, visando à proteção de
seus ativos e de suas investidas e para viabilizar a readequação de sua
estrutura de capital diante dos desafios do agronegócio brasileiro.
Nesta
quinta-feira, 19, as ações da AgroGalaxy chegaram a cair 23,47%, na
maior queda do mercado brasileiro. A cotação chegou a R$ 0,75, o menor
preço de tela desde IPO (oferta pública inicial de ações), em 2021.
Nos
últimos anos, a combinação da queda nos preços das commodities, eventos
climáticos adversos, juros elevados e aumento dos custos de produção
provocou um aumento expressivo na inadimplência dos produtores rurais,
com forte impacto na liquidez da companhia, disse a empresa, em
comunicado.
Procurada pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), a AgroGalaxy não quis se manifestar.
“O
AgroGalaxy tentou, de todas as formas, evitar recorrer à Justiça, mas a
medida é necessária para proteger o negócio e, mais importante,
permitir que a empresa siga trabalhando lado a lado com os
agricultores”, disse Eron Martins no comunicado.
A
companhia disse também que vai adotar medidas adicionais para aumentar
sua eficiência operacional, com redução de custos fixos, melhoria do mix
de produtos, além da otimização do capital de giro, com foco em
estoques e recebíveis, para assegurar a sustentabilidade da empresa no
médio e no longo prazo.
“Conduziremos todo o processo sempre com
muita transparência e respeito a todos os envolvidos, especialmente os
produtores rurais. Estamos seguros de que as relações estabelecidas com
nossos clientes e fornecedores nos darão a base necessária para
enfrentar este desafio, bem como seguirmos fortalecendo o agronegócio
brasileiro”, finalizou Eron Martins.
Para
o Citi, a empresa passa por um período desafiador e parece depender da
potencial recuperação do mercado brasileiro de insumos agrícolas, um
processo que “pode demorar”, na visão do banco.
A queda nas vendas de insumos
Apesar
de o pedido de recuperação judicial ter surpreendido o mercado, os
resultados financeiros da companhia já mostravam dificuldade de reação e
continuidade de atraso nas vendas de insumos aos produtores rurais.
A
empresa registra prejuízo ajustado, margens de rentabilidade negativas e
queda na receita líquida consecutivamente desde o primeiro trimestre de
2023, à exceção do quarto trimestre do ano passado. Fora os indicadores
de rentabilidade, a dívida líquida da companhia se mantinha em uma
constante ao longo dos últimos meses.
Os números mais recentes da
AgroGalaxy, referentes ao segundo trimestre deste ano, apontam para
prejuízo líquido ajustado de R$ 362,4 milhões, 41% maior na comparação
com igual período do ano passado.
O Ebitda (lucro antes de juros,
impostos, depreciação e amortização) ajustado foi negativo em R$ 83,4
milhões no segundo trimestre de 2024, ante R$ 72,5 milhões negativos um
ano antes.
O agravamento do prejuízo
Em um ano, a margem
Ebitda ajustado da companhia saiu de 4% negativa para 7,9% negativa. A
receita líquida diminuiu 42,4% em um ano, do segundo trimestre de 2023
para R$ 1,056 bilhão no segundo trimestre deste ano. A alavancagem do
grupo (relação entre dívida líquida e Ebitda ajustado) saltou de 3,3
vezes para 8,5 vezes, acima do covenant (cláusula restritiva para
endividamento firmada em contratos de dívida) estabelecido pela
companhia, de 3 vezes.
A dívida líquida da AgroGalaxy ao fim de
junho totalizava R$ 1,512 bilhão, considerando empréstimos e
financiamentos bancários e obrigações com títulos securitizados de
Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e sem incluir débitos
com fornecedores.
A companhia encerrou o primeiro semestre do ano com geração de caixa negativa em R$ 156,6 milhões.
Na quarta, além do pedido de recuperação judicial, a Agrogalaxy atrasou um pagamento de R$ 70 milhões de títulos de dívida.
Mesmo
com os desafios financeiros e operacionais apresentados desde o início
de 2023, o mercado apostava em outros mecanismos de reestruturação pela
AgroGalaxy.
As tentativas de evitar a recuperação judicial
Uma
operador do setor financeiro que acompanhou de perto a situação da
empresa diz que a possibilidade de recuperação judicial sempre foi
descartada publicamente pelos executivos, mas era de conhecimento que a
situação era ruim, sem capacidade de pagamento de algumas dívidas,
embora havia esperança de alguma intervenção com aportes do Aqua
(Capital, fundo de investimento de private equity controlador da
empresa).
Em dezembro, o Aqua fez uma injeção de R$ 150 milhões no
grupo para reforço de caixa e redução do endividamento, a fim de que a
empresa cumprisse os covenants (compromissos de contratos de
financiamento ou empréstimos que servem para proteger os interesses dos
credores) de alavancagem de 2023.
A AgroGalaxy sinalizava ao
mercado a retomada do mercado de insumos agrícolas e a melhor
equalização de estoques. Nas teleconferências aos investidores,
executivos citavam que “o pior já passou”, a “tempestade ficou para
trás” e que “o dever de casa foi feito” em controle de margens e redução
de despesas, mas os balanços seguiam mostrando redução na receita.
A
expectativa era de um ano mais favorável ao varejo agrícola. “Esperamos
um ano mais estável em commodities e insumos, mas ainda entendemos que
precisamos de estrutura financeira mais robusta. Não usaremos os
recursos para comprar nenhuma empresa ou para comprar à vista, mas para
enfrentar 2024 e estarmos mais preparados para passar por desafios”,
disse o atual CEO e então CFO (diretor financeiro) e diretor de Relações
com Investidores do AgroGalaxy, Eron Martins, ao Broadcast no início do
ano.
O enxugamento da estrutura
O foco da companhia neste
ano, segundo os executivos, era ampliar a sua rentabilidade com mix de
produtos e ter uma estrutura mais enxuta. As intervenções incluíram
desligamento de 80 posições corporativas e fechamento de 19 lojas, de um
total de 169.
Em agosto, na última divulgação de resultados
financeiros, Martins afirmou não estar nos planos da empresa novas ações
de reestruturação, como demissão de funcionários ou fechamento de
unidades adicionais. “Estamos avaliando o desempenho de nossas unidades e
regiões e, neste momento, mantemos a configuração estabelecida em
fevereiro. Temos obtido sucesso nas renegociações de dívidas; todas as
que venceram até agora foram prorrogadas por pelo menos 12 meses”,
afirmou na ocasião.
Segundo ele, os indicadores de saúde
financeira da empresa estavam intactos, aguardando a retomada do
mercado. “As adversidades fazem parte do negócio, assim como faz parte
termos uma estrutura capaz de se adaptar a esse contexto”, disse.
A
crise refletiu também no valor de mercado da AgroGalaxy, com
desvalorização de cerca de 90%. “A empresa, que chegou a valer R$ 1,7
bilhão no auge, hoje está avaliada em cerca de R$ 250 milhões”, disse o
sócio-fundador da L4 Investimentos, Hugo Queiroz.
O desafio do setor
Na
avaliação de consultores do mercado de distribuição de insumos, o
pedido de recuperação judicial do grupo reflete a conjuntura desafiadora
do setor, com demanda fraca pelos produtores rurais, atraso no
pagamento pelos agricultores e descasamento entre estoques.
“Há
questões específicas também ligadas à gestão, sobretudo de estoques e
preços de produtos. O grupo expandiu em momento de euforia do setor, em
2021 e 2022, e a desaceleração da abertura de lojas parece que foi
tardia, dado que o mercado dava sinais de retração”, afirmou uma fonte
do setor.
Para o sócio diretor da Blink Consultoria, Lars
Schobinger, a queda na margem operacional do mercado nacional de
distribuição de insumos agrícolas somado ao baixo fluxo de insumos
contribuíram para a situação financeira delicada da empresa. “Com as
distribuidoras com margens achatadas e um movimento de RJs relevante de
agricultores, há pouco espaço de manobra para as empresas lidarem com o
baixo fluxo de caixa. O setor está em uma crise de fluxo de caixa”,
classificou Schobinger.