Após pouco mais de um ano de negociações, a Eletrobras e União
chegaram a um acordo para encerrar a disputa no Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre o limite de poder de voto na companhia, mitigando
riscos relevantes que pesavam sobre as ações da elétrica.
Pelo acordo fechado, o governo passará a ter representatividade em conselhos da Eletrobras,
enquanto a companhia deixará de ter obrigação de aportar recursos
bilionários para a construção da usina nuclear de Angra 3 caso o projeto
siga adiante.
A negociação fechada, que ainda precisa ser
validada em assembleia de acionistas e homologada pelo STF, reduz riscos
para investidores, já que põe fim a um processo judicial que poderia se
estender indefinidamente. Além disso, delimita a exposição nos negócios
nucleares, embora a empresa ainda seja sócia minoritária via
Eletronuclear após a privatização.
As ações da Eletrobras avançavam mais de 5%, por volta das 13h20, após o anúncio do acordo.
Os
termos preveem que a União poderá indicar três dos 10 integrantes do
conselho de administração — hoje não há vaga cativa para o governo — e
um dos cinco representantes do conselho fiscal da Eletrobras.
Com
a privatização da companhia elétrica, concluída em 2022 sob o governo
Jair Bolsonaro, a União passou a deter 43% do capital da Eletrobras, mas
teve seu direito de voto restrito a 10%, como qualquer acionista ou
grupo de acionistas.
Isso gerou insatisfação no presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que quando assumiu em 2023 passou a questionar a
perda de influência sobre a companhia, classificando a privatização como
um “crime de lesa pátria”, o que levou à ação da AGU no STF.
Agora,
para conseguir as cadeiras nos conselhos, o governo vai se comprometer a
não questionar mais a cláusula do estatuto da companhia que impõe o
limite de voto.
As mudanças poderão ser efetivadas na assembleia
ordinária da Eletrobras prevista para abril. Se as aprovações prévias ao
acordo não saírem até lá, o conselho de administração da empresa poderá
incluir na chapa para eleição três candidatos indicados pela União ao
colegiado e um para o conselho fiscal.
“Há anos que recebemos
feedback de que Eletrobras é um nome difícil de investir. Isso é algo
que ouvimos de investidores estrangeiros, bem como de muitos fundos
nacionais de longo prazo. O acordo de hoje mitiga dois importantes
riscos finais para equity (governança e Angra 3)”, escreveu a equipe do
BTG Pactual, em relatório a clientes.
O ministro de Minas e
Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o acordo com a Eletrobras
contribui para a estabilidade econômica do país.
“A conciliação
aponta para a tradição brasileira de respeito a contratos e resolução de
conflitos na esfera judicial, como prevê a Constituição, demonstrando
mais uma vez o respeito que temos às leis do país”, destacou ele,
enfatizando que o ideal seria que a Eletrobras não tivesse sendo vendida
naquelas condições.
Segundo ele, a solução “impulsiona
investimentos fundamentais para impulsionar emprego e renda, além de
garantir uma maior participação da União nas decisões estratégicas da
Eletrobras”.
Negócios nucleares da Eletrobras
Para a
Eletrobras, um dos maiores ganhos foi eliminar riscos e incertezas
associados a futuros aportes bilionários na usina nuclear Angra 3 — um
projeto controverso que, segundo os últimos estudos, poderia demandar
mais de R$30 bilhões para sua conclusão.
Pelo acordo, a Eletrobras
se desobriga de investir em Angra 3, mas mantém as garantias de R$6,1
bilhões atualmente prestadas nos financiamentos já concedidos pelo BNDES
e Caixa ao projeto nuclear.
Segundo uma fonte que acompanhou as
negociações, a estrutura fechada com o governo é positiva para ambas as
partes, pois delimita a exposição da Eletrobras no novo projeto nuclear
brasileiro, ao mesmo tempo em que ajuda o governo a financiar a extensão
da vida útil de Angra 1.
Operada pela Eletronuclear, da qual a
Eletrobras é minoritária, a primeira usina nuclear brasileira ganhou
aval no fim do ano passado para operar por mais 20 anos e vem realizando
investimentos em modernização. Os recursos bilionários envolvidos no
projeto exigiria aportes do Tesouro para a estatal do setor.
A
Eletrobras se comprometeu a apoiar a extensão de vida útil de Angra 1
com a emissão de R$2,4 bilhões em debêntures conversíveis, com prazo de
10 anos e custo equivalente à NTN-B, que serão adquiridas pela
Eletrobras, de acordo com o andamento do projeto.
Dos R$2,4
bilhões, R$1,9 bilhão têm conversão obrigatória em “equity”, com algumas
condições, como a Eletronuclear enquadrar seus custos de “PMSO” nos
limites regulatórios em Angra 1 e 2, em medida para incentivar uma
melhoria de eficiência e saúde financeira da estatal que opera as usinas
do setor.
Também será solicitado que o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estruture “nova e ampla
modelagem” para o projeto da nova nuclear, que enfrenta resistências no
governo para avançar.
A avaliação, segundo a fonte, é de que os
estudos recentes do banco precisam de aprofundamento e melhor discussão,
sem serem realizados num contexto de disputa judicial entre Eletrobras e
governo e de pressão por aprovação no Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE), no qual ministros têm apresentado posições
divergentes sobre a obra.
Um novo processo de conciliação no STF
será instaurado exclusivamente para tratar de Angra 3, no qual
Eletrobras e governo discutirão o novo estudo do BNDES, que deverá
considerar “equilíbrio econômico-financeiro”, “financiamento em
condições de mercado” e “modicidade tarifária”, afirmou a Eletrobras, em
comunicado.
No futuro, a Eletrobras poderá
desinvestir de sua participação minoritária na Eletronuclear. Pelo
acordo, a União deverá envidar esforços para apoiar a Eletrobras nesse
processo, com atração de um novo acionista.