As cotações do arroz
ao produtor brasileiro acumulam queda de 20% no ano, o que indica que
os consumidores devem continuar se beneficiando de um alívio no valor do
produto básico nos supermercados, mas a pressão de alta da inflação que
deve preocupar o governo Lula vem do milho e do impacto nas carnes, segundo especialistas.
Enquanto
o arroz em casca é negociado abaixo de R$ 80 a saca de 50 kg no Rio
Grande do Sul pela primeira vez desde outubro de 2022, o milho na praça referencial de Campinas (SP) opera em torno de R$ 90 a saca de 60 kg, no maior valor nominal em cerca de três anos, com alta de mais de 23% em 2025, segundo dados do Cepea, da Esalq/USP.
A
queda nos preços do arroz ocorre por um esperado aumento de mais de 15%
na produção brasileira, com boa recuperação na colheita gaúcha, além de
uma melhora na oferta global. No caso do milho, o Brasil começou o ano
com estoques baixos, há demanda firme da indústria de etanol e de
carnes, além de preocupações com a segunda safra, a maior do país, que
ainda precisa contar com o clima nos próximos meses para confirmar as
previsões.
“No
caso dos alimentos, um grande ponto de risco (para a inflação) é o
milho, principal insumo utilizado na nutrição de aves de corte e
postura, além de suínos e bovinos tanto nas criações de corte quanto de
leite”, afirmou a consultoria Datagro, em avaliação nesta terça-feira.
A
alta do milho está entre os fatores considerados pela consultoria para
ver uma inflação acima da meta em 2025 — de 3%, com margem de 1,5 ponto
percentual para mais ou menos –, em momento em que os preços dos
alimentos têm preocupado integrantes do governo sobre o impacto disso na
popularidade do presidente Lula.
A consultoria citou que os
preços do milho em Rondonópolis, umas das referências em Mato Grosso,
operavam em meados do mês com alta de mais de 40% sobre o mesmo período
do ano passado, para cerca de R$ 85 a saca, no maior nível desde o
início da invasão russa sobre a Ucrânia, no início de 2022.
Possível impacto no IPCA
A
Datagro afirmou também, utilizando estudos econométricos, que a
“aceleração vigente” nas cotações do milho pode impactar a inflação
brasileira de alimentos em até 1,07 ponto percentual ao longo dos
próximos seis meses, enquanto no índice geral o impacto pode chegar a
até 0,47 ponto percentual em igual período.
Isso evidencia a
“possibilidade de impacto inflacionário sistêmico de médio prazo
imprimido pela alta de preços de um dos principais componentes do custo
de produção de proteínas animais”, como carnes de aves e suínos, afirmou
a Datagro.
O
economista do FGV IBRE André Braz, especialista em inflação, afirmou
que, se for confirmada a queda dos preços do arroz aos consumidores,
isso “vai ser uma boa ajuda” em termos inflacionários.
Mas ele
destacou que o arroz –o quinto item alimentício de maior peso no IPCA —
já não vem sendo um vilão dos preços, acumulando variação negativa de
3,99% em 12 meses, enquanto frango em pedaços, contrafilé e carne de
porco subiram 10,95%, 21,47% e 20,22%, respectivamente.
“Mas a
questão toda é que o aumento é generalizado, proteínas, seja carne
bovina, suína, de aves, peixe, ovo, essas proteínas pesam mais no
índice, os cereais pesam, mas é mais pelo fato de ser alimento típico…”,
disse Braz. “O efeito tem que ser generalizado, uma andorinha só não
faz verão”, afirmou ele, referindo-se ao arroz.
Pressão baixista nos preços de arroz
Carlos
Cogo, sócio-diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio,
disse que a pressão baixista nos preços de arroz “deve persistir nestes
meses de colheita no Brasil e só será interrompida se as exportações
começarem a ganhar ritmo, o que ainda não aconteceu”.
Essa
conjuntura atenua o impacto de alimentos para a inflação, disse ele,
citando também o feijão como um fator de baixa importante.
No caso
do arroz, avaliou Cogo, a queda permitirá que o governo volte a
recompor estoques, por meio dos Contratos de Opção de Venda (COV)
oferecidos pela estatal Conab. “A ideia deles (produtores) é aproveitar o
afundamento de preços para exercer opções…”, disse Cogo, estimando,
contudo, que o volume que vai para estoques públicos será relativamente
pequeno, de cerca de 90 mil toneladas.
A Conab tinha orçamento de
R$ 1 bilhão para um programa COV de 500 mil toneladas de arroz, mas
acabou usando R$ 162 milhões com menor interesse de produtores, segundo
dados da estatal, que na semana passada abriu a possibilidade de o
produtor antecipar de agosto para abril o exercício das opções.
Cogo
também comentou sobre a pressão “altista” do milho, de outro lado, com
impacto em “todas cadeias de proteínas”, puxando inflação para cima de
produtos como frango, carne suína, leite, ovos e bovinos.