Empresas
de mineração de criptomoedas estão negociando ativamente contratos com
geradoras de energia brasileiras, como a Renova Energia, para aproveitar
o excedente de energia renovável do país sem sobrecarregar a rede
elétrica nos períodos de pico.
Na
esteira do anúncio de investimento da gigante das criptomoedas Tether,
em julho, há pelo menos seis negociações em andamento para projetos de
pequeno e médio porte, além de um empreendimento maior de até 400
megawatts (MW), segundo fontes de seis diferentes empresas ouvidas pela
Reuters.
A
Tether, maior empresa de ativos digitais do mundo, afirmou que vai
aproveitar a recente aquisição da Adecoagro para utilizar fontes
renováveis, como a energia proveniente das operações de cana-de-açúcar,
em um projeto de mineração de bitcoin no Brasil.
A Renova disse à
Reuters que está desenvolvendo um dos primeiros grandes investimentos no
setor de mineração cripto, um projeto de US$200 milhões para um cliente
não revelado no Estado da Bahia. O empreendimento de cerca de 100
megawatts consiste em seis data centers que serão alimentados por um
parque eólico já operacional da empresa.
“Buscamos
expandir a companhia e entrar em novos mercados”, disse o CEO da
Renova, Sergio Brasil. “Percebemos que, ao prover toda a infraestrutura
(para mineração de cripto), estávamos um passo à frente dos nossos
concorrentes.”
Excesso de energia limpa
Embora as máquinas
de mineração, que resolvem problemas matemáticos complexos para validar
transações de criptomoedas, tenham sobrecarregado redes elétricas em
diversos países, no Brasil — onde a atividade ainda é incipiente — elas
podem ajudar a resolver um problema crônico de excesso de energia limpa,
que já custou quase US$1 bilhão às empresas de geração nos últimos dois
anos, segundo cálculos de associações setoriais.
Mineradoras de
criptomoedas podem escalar suas operações rapidamente, de acordo com a
disponibilidade de energia, oferecendo uma base de consumo flexível para
o excedente energético sem sobrecarregar a rede nos horários de pico.
O
excesso de energia no Brasil é resultado de anos de incentivos
tarifários que impulsionaram investimentos em energia solar e eólica. No
entanto, o ritmo de desenvolvimento da geração superou a expansão da
infraestrutura de transmissão, e algumas usinas chegam a desperdiçar até
70% da energia gerada.
“Há um potencial enorme”, disse John
Blount, um dos fundadores da Enegix, mineradora de criptomoedas baseada
no Cazaquistão, à Reuters. “Vamos tentar desenvolver data centers
móveis”, acrescentou, observando que as instalações seriam conectadas
diretamente às usinas.
A Enegix está avaliando acordos no
Nordeste, região com maior excedente energético, incluindo o
aproveitamento de energia solar e eólica no Piauí.
A Penguin,
sediada no Paraguai — um dos maiores polos de mineração de criptomoedas
do mundo –, também está negociando projetos no Brasil, mas preferiu não
divulgar detalhes.
A chinesa Bitmain, uma das maiores fabricantes
de equipamentos de mineração, também está explorando oportunidades no
país, segundo um executivo que pediu anonimato para discutir negociações
privadas.
Mineradoras são ‘diamantes’ para as geradoras de energia
A
instalação de fazendas de mineração de criptomoedas desperta interesse
das geradoras de energia, especialmente das que vêm sofrendo com corte
da produção de suas usinas.
A Casa dos Ventos, que tem como sócia a
francesa TotalEnergies, e a Atlas Renewable Energy, do GIP, confirmaram
suas intenções à Reuters.
A subsidiária da Engie no Brasil e a
Auren Energia, joint venture entre Votorantim e CPP Investments, também
estão avaliando projetos para monetizar energia não utilizada, segundo
três fontes. As empresas preferiram não comentar.
As geradoras
veem “consumidores como esses como se fossem diamantes”, disse Raphael
Gomes, advogado que atua em diversos projetos cripto. As empresas estão
avaliando diferentes modelos, incluindo a compra de equipamentos para
minerar por conta própria.
Na Bahia, a Eletrobras, maior geradora
de energia brasileira, está instalando máquinas de mineração ASIC, junto
com uma microrrede alimentada por turbina eólica, painéis solares e
baterias, como parte de um projeto-piloto. “Queremos entender como essa
indústria funciona”, disse Juliano Dantas, vice-presidente de inovação
da Eletrobras.
Recursos naturais dificultam avanço do setor de criptomoedas
A
iniciativa pode ajudar as empresas de energia a se posicionarem para
atuar junto a data centers, um setor que o governo brasileiro está
tentando atrair como parte da estratégia para impulsionar uma economia
baseada em energia renovável.
O avanço dessa nova indústria no
Brasil, por outro lado, gera preocupações com o uso da água — recurso
utilizado em sistemas de resfriamento das máquinas –, já que algumas das
regiões com maior excedente energético também enfrentam secas. O Brasil
também enfrenta problemas de infraestrutura e carece de regulamentações
específicas para a mineração de criptomoedas.
“Fomos atrás de 400
MW — foi como uma jornada de Sísifo, um pouco difícil”, disse Bruno
Vaccotti, executivo da Penguin. “Ainda estamos explorando o Brasil, mas
não é tão fácil.”