A disputa de gigantes pelo mercado de delivery
brasileiro segue a toda força. Seis meses após a Keeta, Rappi e 99
anunciarem investimentos bilionários no país, as empresas lançaram
inovações, ingressaram em novas disputas judiciais ou até ampliaram o
capital investido em seu crescimento.
Ainda
assim, parece difícil que alguma delas consiga sobrepor o domínio do
iFood no país. “Não se trata de um serviço em que é fácil você entrar”,
analisa o economista João Branco, professor do curso de administração da
ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). “Você precisa de
escala, precisa ser grande”, diz.
O professor considera no entanto
que as movimentações das empresas renderão impactos logo. “Eu acredito
que vá ter mudanças no curto prazo, pode ter sim uma queda de preços com
a entrada desses novos entrantes”, diz.
Quais as novidades anunciadas pelas empresas?
Ifood: Após o acirramento de sua concorrência, o líder no mercado fechou uma parceria com a líder do segmento de mobilidade, a Uber.
As empresas prometem ter uma integração dos aplicativos até o final do
ano, que tornará possível solicitar uma corrida no app de delivery e
vice-versa.
A empresa fez também uma série de anúncios de
tecnologia, como uma inteligência artificial generativa que promete
ajudar na escolha de pedidos através de comandos subjetivos como “jantar
romântico” ou “comida leve que chegue em até 30 minutos”. Em Sergipe, a
empresa expandiu uma entregas por drones para todos os dias da semana, e afirma que o serviço pode estar em outras partes do país em breve.
A
líder de mercado até está se propondo a fazer o inverso do que sempre
fez. O iFood acelerou seu plano para levar as pessoas aos restaurantes.
Nos últimos 12 meses, a empresa movimento R$ 1 bilhão por meio da sua
própria máquina de pagamentos, impactando os clientes por meio do
aplicativo e os incentivando a conhecer restaurantes próximos de sua
localização. Esse aliás, é o produto que mais cresce dentro da empresa
atualmente.
Keeta: A empresa ainda não iniciou oficialmente o serviço no país, anunciado para o dia 30 de outubro
em Santos e São Vicente, no litoral paulista. O aplicativo promete
estar disponível na capital do estado antes do final de 2025.
Nas
cidades onde iniciará seu funcionamento, a empresa afirma contar com mil
restaurantes cadastrados. Divulgou ainda que serão feitos ajustes em
sua tecnologia, que inclui um “capacete inteligente” cujo funcionamento
ainda não foi detalhado.
Rappi: Segunda
plataforma em números de pedidos de comida no país e presente em mais de
100 cidades, o Rappi não acumula anúncios como suas rivais. Apesar de
ter divulgado que zeraria taxas sobre restaurantes e exibirá em uma campanha de marketing seus preços mais baratos, a tal publicidade não ocorreu.
“O
mercado de delivery é dinâmico por natureza e correções de rota são
realizadas a todo o momento. Seguimos com a política de taxa zero para
estabelecimentos entrantes e os antigos da base de modo a garantir
preços mais equilibrados para o consumidor final”, afirmou a empresa
sobre o assunto em nota. “Optamos por concentrar investimentos em
anúncios diretamente na plataforma, onde somos muito ativos em
promoções.”
A empresa segue no entanto divulgando novidades fora
do setor de entrega de comida pronta, como novidades em seu Rappi Turbo,
serviço de entregas rápidas que passará a contar com cada vez mais
artigos, como peças de vestuário. A empresa também assinou um contrato com a Amazon para investimentos, com possibilidade de que parte de suas ações sejam compradas pela companhia de Jeff Bezos.
O aplicativo conta com 30 mil restaurantes cadastrados no país atualmente.
99Food:
O braço de entrega de comida pronta do grupo chinês Didi aproveitou-se
de já estar presente no país com o aplicativo de mobilidade 99. Nas
cidades em que inicia seus serviços, os pedidos de delivery são
realizados na mesma plataforma em que é possível solicitar carros ou até
usar como banco através do serviço 99Pay.
O 99Food já está
funcionando em três capitais e suas regiões metropolitanas: Goiânia, São
Paulo e Rio de Janeiro. A empresa afirma buscar a meta de 100 cidades
até junho de 2026. Para além da liderança do iFood, o aplicativo no
entanto deve superar desafios internos, como a ausência de vale refeição
em sua plataforma e bugs, como uma falha de mais de 24 horas na última semana.
Em
sua estratégia de ingresso no mercado, a empresa tem distribuído vários
cupons de desconto para os consumidores. Também zerou taxas de
restaurantes que garantem o mesmo preço no delivery e no salão, o que
faz com que restaurantes apareçam com valores menores do que no iFood,
por exemplo.
Brigas na justiça
Para além das melhorias em
seus respectivos negócios, as empresas tem travado também disputas
jurídicas. Em agosto, a Keeta anunciou uma ação do Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) por conta de contratos de
exclusividade e semiexclusividade fechados pela 99 com alguns
restaurantes. Em outubro, o Rappi solicitou ingresso na ação como parte
interessada.
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e
Restaurantes) tomou as dores da Keeta nesse caso. A associação solicitou
ingresso como terceira interessada em ação movida pela Keeta contra a
99Food, reforçando que “as plataformas devem competir pela preferência
de consumidores e restaurantes por meio de atributos como taxas
competitivas, melhores serviços e inovação, e não pela captura de canais
e parceiros comerciais com o objetivo de excluir concorrentes”.
Nos
contratos criticados pelas rivais, a 99Food estabelece contrapartidas
financeiras para estabelecimentos que comercializarem apenas em seu
aplicativo, ou que limitem suas vendas em plataformas rivais. Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, o CEO da empresa negou que tenha força para barrar a entrada de rivais.
“A
decisão do CADE pode ter, eventualmente, impacto direto no modelo de
negócios da 99Food, pois se entender que tal ou qual prática é
anticoncorrencial, ela terá de ser suspensa e a 99Food terá que mudá-la,
o que poderá modificar todo o seu modelo de negócio no País”, afirma o
advogado Mário Nogueira sócio de M&N e concorrencial do NHM
Advogados.
A 99Food acabou por mover outra ação judicial. A
empresa acusa a Keeta de violação de marca, já que a plataforma chegará
ao país com as mesmas cores já usadas pela 99: o amarelo e preto.
“Se
ficar evidenciado que o amarelo da Keeta de fato gera confusão no
consumidor e que este quando vê o amarelo da Keeta pode achar que está
contratando a 99, então a Keeta pode ser obrigada até a mudar sua marca,
mas isso tem que ser provado dessa forma”, analisa a advogada Patricia
Agra Araújo, sócia de Direito Concorrencial e Compliance do L.O.
Baptista.
Segundo Fernando Moreira, especialista em Direito
Empresarial e doutor em engenharia de produção com ênfase em Governança e
Compliance, a Keeta poderia ser condenada ao pagamento de indenização
por danos materiais, como pagamento dos lucros cessantes decorrentes de
eventual desvio de clientela.
A Abrasel também entrou na briga com
o iFood. A entidade protocolou no Cade uma representação formal contra a
plataforma, alegando práticas anticompetitivas. Segundo a entidade, a
plataforma teria se transformado em um “ecossistema digital fechado”,
impondo serviços próprios como a solução de pagamentos com taxas acima
da média do mercado, além de práticas de venda casada que aumentam a
dependência dos restaurantes.
Investimentos no delivery
Os
investimentos anunciados pelas empresas foram voluptuosos. No entanto, a
maior quantia ainda é do líder iFood. A empresa afirma que dispõe de R$
17 milhões em investimentos diretos entre abril deste ano e março de
2026. Seu objetivo é ter 80 milhões de clientes até 2028 – hoje, são 60
milhões.
Entre as concorrentes, a Meituan anunciou o maior valor,
de R$ 5,6 bilhões, para lançar seu aplicativo no país, o Keeta. A
empresa porém enfrenta o maior desafio, já que nunca atuou no país e não
tem uma base de clientes já cadastrados. No dia 30 de outubro, o app
será lançado oficialmente nas cidades de Santos e São Vicente, no
litoral de São Paulo.
Com o segundo maior valor, a 99Food
pretendia investir R$ 1 bilhão no seu primeiro ano. Após seu lançamento
oficial em Goiânia e São Paulo, a empresa dobrou o valor para R$ 2
bilhões.
O investimento mais modesto, de R$ 1,4 bilhão, é do
Rappi. A empresa conta com uma vantagem sobre as outras duas novas
competidoras ao já oferecer serviço de delivery de comida em diversas
partes do país.