Torrefadores de café
dos Estados Unidos estão revirando seus estoques enquanto aguardam o
resultado das negociações comerciais entre os EUA e o Brasil, que podem
determinar se terão que pagar preços muito mais altos por fontes
alternativas de café.
O
café brasileiro, que responde por um terço dos grãos consumidos pelos
EUA, maior consumidor de café do mundo, foi afastado do mercado
norte-americano desde agosto, quando o governo do presidente dos EUA,
Donald Trump, impôs uma tarifa de importação de 50% sobre os grãos do
Brasil, em um caso que misturou comércio e política.
Trump acusou o Supremo Tribunal Federal do Brasil de tratamento injusto contra seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A
tarifa comercial sobre o café, entre outros produtos brasileiros, foi
amplamente vista como uma punição ao governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, sucessor de Bolsonaro. Mais tarde, Bolsonaro foi
considerado culpado de organizar um plano de golpe de Estado.
Até o
momento, a taxa exorbitante causou estragos no setor cafeeiro dos EUA,
que movimenta US$ 340 bilhões, deixando os importadores com cargas de
café brasileiro paradas, torrefadoras pagando taxa para cancelar
entregas e consumidores gastando até 40% a mais em sua bebida matinal.
Os
estoques devem atingir níveis mínimos em dezembro, aumentando a pressão
sobre os torrefadores e as cadeias de café para que encontrem
substitutos a preços que ainda lhes permitam algum lucro.
Algumas
torrefadoras tiveram que pagar a tarifa de 50% sobre os embarques de
café brasileiro que já estavam reservados quando o novo imposto de
importação foi anunciado. Outros estão enviando café destinado aos
Estados Unidos para outros países para evitar as tarifas.
“O que
acontece com essa tarifa é que não se trata de reciprocidade ou
comércio, é punitiva, política e pessoal. É entre Trump e Lula”, disse
Steven Walter Thomas, proprietário da importadora norte-americana
Lucatelli Coffee. “O Brasil não está pagando, eu estou — eu e meus
clientes.”
Redirecionamento para o Canadá para evitar tarifas
A Lucatelli Coffee carregou US$ 720.000 em café brasileiro quando a nova tarifa já estava em vigor.
Quando
o café chegou, a empresa o armazenou em Jacksonville, na Flórida, em um
armazém alfandegado, onde a carga pode ser mantida temporariamente sem a
incidência de impostos de importação. Mas se a Lucatelli decidir
vendê-lo nos EUA, o imposto de importação de 50% será cobrado.
Thomas,
cujos clientes incluem cadeias de restaurantes de médio porte, como a
Brooklyn Water Bagel Company, da Flórida, disse que está enviando parte
desse café brasileiro para o Canadá, pagando pesados custos adicionais
de transporte, mas evitando a tarifa de 50% dos EUA.
“É
um dilema: esperar e torcer por um acordo comercial ou tomar um banho
de sangue na logística para redirecionar o café para fora dos Estados
Unidos”, disse ele.
Alternativas caras
Várias
torrefadoras norte-americanas chegaram a um acordo para cancelar os
pedidos de café brasileiro, disse um trader no Brasil que trabalha para
um comerciante de café alemão, que pediu para não ter seu nome revelado
alegando uma cláusula de privacidade no contrato comercial.
A taxa
que tiveram de pagar para cancelar esses negócios, segundo ele, foi de
cerca de US$ 20 a US$ 25 por saca de café de 60 kg, que atualmente vale
cerca de US$ 515,00, sem incluir as tarifas.
Com isso, os
torrefadores evitaram o pesado imposto de importação de 50% sobre uma
carga que custa cerca de US$250.000 por contêiner, mas acabaram ficando
sem café.
“Temos estoques, mas eles estão se esgotando
rapidamente”, disse Michael Kapos, executivo de vendas e marketing da
Downeast Coffee Roasters, em Rhode Island, que abastece pequenas e
médias cadeias de café e mercearias na Costa Leste dos EUA.
A Downeast Coffee Roasters foi uma das empresas que conseguiu cancelar alguns pedidos, mas não todos.
Os
termos do contrato dizem que o comprador é responsável por quaisquer
custos adicionais, como tarifas, que tenham sido impostos após o
fechamento do negócio. Ambos os lados precisam concordar antes que um
contrato possa ser cancelado, o que pode ser difícil se a carga já tiver
sido carregada.
A empresa está experimentando outros cafés que
poderiam substituir os grãos brasileiros em suas misturas, disse Kapos,
mas isso custaria mais caro.
Os preços de alternativas ao café
brasileiro, incluindo grãos colombianos, mexicanos ou centro-americanos,
subiram até 10% desde que os EUA anunciaram a tarifa em 9 de julho,
devido ao aumento da demanda, enquanto os preços dos grãos brasileiros
caíram cerca de 5%.
As torrefadoras norte-americanas estão
evitando os grãos brasileiros o máximo que podem, disse um negociante de
café europeu que trabalha para uma grande trading internacional, que
também pediu para não ser identificado.
“Vemos, é claro, menos
café saindo do Brasil e indo para os EUA, isso é muito claro, e os
torrefadores estão usando todas as sacas que têm”, disse o comerciante.
Café impulsiona inflação nos EUA
Os
preços do café no varejo nos EUA têm aumentado constantemente desde o
ano passado, quando os preços globais do café subiram 70%, e devem subir
ainda mais devido à escassez de oferta.
Os preços do café moído e
torrado nos supermercados dos EUA subiram 41% em setembro em relação ao
ano anterior, para uma média de US$9,14 por libra-peso, de acordo com
dados do Bureau of Labor Statistics, ajudando a alimentar a inflação
local de alimentos.
Parte desse aumento de preços tem a ver com o
aumento dos preços de referência do café devido à escassez de oferta
causada pela menor produção após problemas climáticos, e parte se deve
às tarifas.
Os futuros do café arábica na bolsa ICE foram recentemente negociados perto de um recorde histórico.
Os consumidores perceberam.
“Não
estou mais olhando muito para as marcas. Estou procurando as ofertas”,
disse Sherryl Legyin, 52 anos, caixa de North Bergen, Nova Jersey,
enquanto examinava o corredor de café de um supermercado em um dia de
outubro.
“Gosto deste”, disse a agente de viagens
Yasmin Vazquez, 40 anos, mostrando um pequeno pacote de café instantâneo
Nescafé. “Costumava custar US$ 6 ou US$ 7, mas agora está sendo vendido
por US$ 11. E parece que ficou menor”, disse ela.
Comerciantes acreditam que o nível dos estoques nos EUA se tornará crítico por volta de dezembro.
“Acho
que eles têm cerca de 4 milhões de sacas em estoque no momento. Em
dezembro, serão de 2,5 a 3 milhões, o que está próximo dos níveis
mínimos”, disse o trader europeu.
Os EUA usam cerca de 25 milhões de sacas de 60 quilos por ano, e o Brasil normalmente fornece cerca de 8 milhões dessas sacas.
O
presidente brasileiro disse esta semana que estava otimista quanto às
perspectivas de um acordo comercial com os EUA, acrescentando que isso
poderia acontecer “mais rápido do que qualquer um pensa”
Trump, no entanto, disse: “Não sei se algo vai acontecer, mas vamos ver”.
Enquanto isso, é provável que o preço de uma xícara de café nos EUA continue alto