
Com sua nova Estratégia de Segurança, apelidada de “Doutrina Donroe”, Trump volta a definir a América Latina como área de influência dos EUA – nem que seja à força. E o Brasil está sob pressão, como durante a Guerra FriaO que se tornava evidente já havia alguns meses com a postura agressiva dos EUA perante a América Latina agora é oficial: o presidente Donald Trump deu ao “Hemisfério Ocidental” a mais alta prioridade geopolítica dos Estados Unidos.
“Após anos de negligência, os Estados Unidos reafirmarão e farão cumprir a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental”, afirma a nova Estratégia de Segurança Nacional que os EUA divulgaram na semana passada.
É revelador que o termo América Latina apareça apenas duas vezes no documento de 33 páginas. Mas, para Trump, os 33 Estados da América do Sul, da América Central e do Caribe fazem parte do que ele chama de Hemisfério Ocidental – e este, fica claro, é dominado pelos EUA.
A Doutrina Monroe foi anunciada há 200 anos como estratégia de política externa e recebeu o nome do então presidente dos EUA, James Monroe. Pela doutrina, os Estados da América Latina, recém-independentes, deveriam ser protegidos de uma recolonização pela Europa. Mais tarde, essa doutrina foi repetidamente usada para justificar intervenções militares dos EUA.
Recentemente, o jornal The New York Post apelidou a estratégia de Trump de “Doutrina Donroe”, um neologismo combinando Donald e Monroe.
Pois Trump ampliou a doutrina com um acréscimo importante: “Vamos negar a concorrentes não hemisféricos a capacidade de posicionar forças ou outros recursos ameaçadores ou de possuir ou controlar ativos estrategicamente vitais em nosso hemisfério”.
Além disso, os Estados Unidos vão ampliar sua presença militar no Hemisfério Ocidental e se dar o direito de conduzir “operações direcionadas incluindo, quando necessário, o uso de força letal”, com o objetivo de controlar rotas marítimas e o acesso a locais estratégicos.
Trump está, assim, justificando suas ações contra a Venezuela. Há semanas que ele mantém a Marinha dos EUA patrulhando a costa do país, supostamente para combater o narcotráfico. O governo americano diz que mais de 80 pessoas já foram mortas.
Mas Trump também quer aproximar os países latino-americanos dos EUA por meio de estreitos laços econômicos. Empresas americanas deverão receber acesso privilegiado aos mercados internos por meio de acordos comerciais. Assim Trump quer recompensar os governos que se alinham aos valores e estratégias de Washington.
Trump já mostrou como isso funcionará com o caso da Argentina. Ele primeiramente apoiou o presidente Javier Milei com empréstimos de 40 bilhões de dólares. A isso seguiu-se um amplo acordo de cooperação em comércio e investimentos que supera em muito os acordos tradicionais dos EUA com países da América Latina e que facilitou o acesso ao mercado argentino a empresas americanas.
O acordo também visa validar normas norte-americanas, padrões de segurança e a legislação de patentes dos EUA na Argentina, bem como facilitar a transferência de grandes quantidades de dados. Os EUA terão acesso garantido a terras raras e outros minerais importantes.
Trump também anunciou acordos semelhantes com Equador, Guatemala e El Salvador. Bolívia e Chile, onde houve trocas de governo, poderão se tornar os próximos países parceiros de Trump na América do Sul.
Por trás da doutrina de segurança agressiva de Trump está a crescente influência da China na América Latina. Embora a China não seja mencionada explicitamente como um ator no documento estratégico, fica claro nas entrelinhas que ela é o principal alvo.
Por isso Washington quer impor, a novos acordos com países latino-americanos, condições para frear a influência da China – desde o controle de instalações militares e portos até a aquisição de ativos estratégicos. Empresas estrangeiras de infraestrutura serão “contidas”, e haverá pressão por meio de “influência dos EUA nas áreas de finanças e e tecnologia”.
Para o Brasil, o maior país da América Latina e a segunda maior economia do “Hemisfério Ocidental”, essa nova postura agressiva de Washington é uma realidade diária desde meados do ano.
O governo brasileiro e sua diplomacia enfrentam um desafio sem igual desde a Guerra Fria.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.






