O
ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou no
sentido de validar na íntegra o decreto presidencial que estabelece o
valor de R$ 600 como o mínimo existencial a ser preservado contra a cobrança de dívidas.
Um
pedido de vista feito nesta quarta-feira (17) pelo ministro Alexandre
de Moraes interrompeu o julgamento, que havia começado em 12 de
dezembro, no plenário virtual do STF.
A
votação seguiria até a próxima sexta-feira (19), antes de ser
interrompida. Pelo regimento interno do Supremo, o caso deverá ser
liberado para novo agendamento em até 90 dias.
Mendonça
é relator de três ações de descumprimento de preceito fundamental
(ADPF) sobre o tema, abertas pela Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público (Conamp) e a Associação Nacional das Defensoras e
Defensores Públicos (Anadep).
“No presente caso,
considero que são razoáveis e proporcionais os critérios estabelecidos
no Decreto nº 11.150, de 2022, para fins de definição do mínimo
existencial a ser aplicado aos casos de superendividamento”, escreveu o
ministro.
Aprovada
em 2021, a Lei do Superendividamento prevê que a Justiça pode
resguardar o mínimo existencial do consumidor, uma quantia a ser
protegida das cobranças dos bancos, mas deixou a definição do que seria
“mínimo existencial” inteiramente a cargo da regulamentação a ser feita
pelo Poder Executivo.
O valor de R$ 600 para
definir o que seria o mínimo existencial foi adotado em 2023 pelo
governo Lula para substituir o critério anterior, criado em 2022 pelo
então presidente Jair Bolsonaro, que estabelecia o mínimo existencial em
25% do salário mínimo, o equivalente na época a R$ 303,00.
Segundo
o Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas, elaborado pela
empresa de garantia de crédito Serasa, havia 79,1 milhões de pessoas
inadimplentes no país em setembro de 2025, 48,47% da população.
Argumentos
As
entidades argumentam que definir R$ 600 como mínimo existencial fere
direitos essenciais garantidos pela Constituição, entre os quais a
dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil, conforme o artigo 1º da Carta de 1988.
Para as
associações, a quantia estipulada no decreto assinado pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva em 2023 não é suficiente para garantir o
“mínimo vital” para uma “vida digna”.
As entidades
sustentam ainda que o artigo 7º da Constituição, ao definir o salário
mínimo, elenca como “necessidades básicas do trabalhador” as despesas
com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social”.
Ao Supremo, a
Advocacia-Geral da União (AGU) disse que o governo abordou a questão sob
o ângulo da preservação do mercado de crédito, optando por um valor
baixo para o mínimo existencial de modo a garantir o acesso do
consumidor a empréstimos.
O governo explicou que “o respectivo
montante visou a conferir grau superior de proteção ao consumidor contra
uma eventual situação de superendividamento, sem, ao mesmo tempo,
afastar os consumidores do mercado formal de crédito, buscando-se um
melhor equilíbrio entre a proteção ao consumidor superendividado e a
segurança jurídica necessária para a celebração de contratos privados”.
Voto
O
ministro André Mendonça concordou com os argumentos do governo. Ele
reconheceu o problema “sistêmico” relacionado ao superendividamento no
Brasil e a necessidade de proteção ao consumidor, mas afirmou que,
devido à complexidade do problema, o Supremo não deve definir um mínimo
existencial de forma abstrata. Argumentou, ainda, que o tema deve ser
enfrentado por órgãos técnicos especializados, sem a intervenção da
Justiça.
Ele observou que o decreto que regulamentou a
Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021) prevê a revisão periódica do
valor fixado para definir o mínimo existencial, que deve ser feita pelo
Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado composto pelo presidente
do Banco Central e os ministros da Fazenda e do Planejamento.
“Justamente
por essa característica de ser uma política pública dinâmica, em
permanente transformação, cuja atualização ficou a cargo de um órgão
técnico altamente especializado, entendo que não cabe ao Poder
Judiciário imiscuir-se no tema e definir, em sede de controle
concentrado, qual deve ser o mínimo existencial a ser observado de forma
geral e abstrata”, afirmou.
Para o ministro, a
Justiça não deve entrar no assunto. “Entendo que não cabe ao Poder
Judiciário imiscuir-se no tema e definir, em sede de controle
concentrado, qual deve ser o mínimo existencial a ser observado de forma
geral e abstrata”, sustentou.
Apesar de ter votado sobre o
mérito da questão, Mendonça entendeu que as ações sobre o tema devem
ser rejeitadas por questões processuais, sem serem analisadas pelo
Supremo. O ministro apontou que o decreto é um ato normativo secundário,
que, em seu entendimento, não deve ser alvo de questionamento via
ADPF.