Rascunho
vazado da nova estratégia de segurança dos EUA indica que Casa Branca
contempla dividir a União Europeia e persuadir Polônia, Áustria, Itália e
Hungria a seguirem exemplo do Reino Unido e deixarem o bloco.As
relações entre os EUA e a União Europeia vêm sofrendo um forte baque
desde que Donald Trump voltou ao poder. A divulgação da nova estratégia
de segurança nacional dos EUA, em 4 de dezembro, foi considerada por
muitos políticos europeus como uma afronta direta.
No documento,
que deve ser apresentado ao Congresso a cada novo governo, a gestão
Trump descreveu a Europa como um continente em “declínio”. O texto fala,
literalmente, de “censura” à liberdade de expressão na Europa, de
“opressão aos opositores políticos” e de uma eventual “extinção
civilizacional” causada pela migração.
No entanto, um vazamento de
um rascunho até então não divulgado da estratégia de segurança nacional
expôs pontos ainda mais delicado sobre como os EUA pretendem agir no
futuro em relação à Europa.
De acordo com o portal americano
Defense One, que teve acesso a essa versão, o documento prevê que uma
intensificação da parceria dos EUA com Itália, Áustria, Polônia e
Hungria “com o objetivo de separá-los [da União Europeia]”. A Casa
Branca negou a existência de tal documento ao Defense One.
No
entanto, podemos dizer que os EUA estão tentando dividir a União
Europeia? E por que justamente esses quatro países podem ser afastados
do bloco?
Hungria, Áustria, Polônia e Itália
A
Hungria é provavelmente a menos surpreendente da lista. O
primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, e Donald Trump são aliados
próximos. Orbán já apoiou Trump durante a campanha presidencial de 2016 –
na época, ele foi o único chefe de governo da UE em exercício a
endossar o republicano.
Ambos os mandatários sabem muito bem o que
podem ganhar com a presença do outro. Eterno contestador, Orbán
desestabiliza a EU e, com isso, uma instituição contra a qual Trump
nutre grande desconfiança.
Orbán, por sua vez, se contenta com o
apoio político da superpotência americana. Alegações dão conta de que os
EUA teriam oferecido à Hungria uma “proteção financeira” de 20 bilhões
de dólares, similar à que foi concedida à Argentina, já que a economia
húngara vem passando por turbulências e importantes fundos da UE
permanecem congelados.
Trump, no entanto, disse, em uma entrevista
recente ao site Politico, não se lembrar de tal promessa. Há, porém,
rumores de conversas sobre uma cooperação financeira. O americano parece
estar sempre disposto a ajudar seu “bom amigo”.
O presidente
americano também já elogiou a primeira-ministra da Itália, Giorgia
Meloni, e o partido pós-fascista Fratelli d’Italia. Porém, para Daniel
Hegedüs, diretor regional para a Europa Central do German Marshall Fund
of the United States, é um “equívoco” dos EUA acreditar que Meloni
poderia se opor à UE. Embora haja certa proximidade ideológica entre
Meloni e Orbán, a italiana não tem confrontado o bloco europeu, mas,
sim, assumido uma postura bastante pragmática. Segundo Hegedüs, quase
ninguém entendeu tão bem quanto Meloni o que uma UE estável e funcional é
capaz de proporcionar para seu país.
Embora a Polônia e a Áustria
não sejam governados atualmente por populistas de direita, até
recentemente ambos os países tinha, no poder, partidos de direita e
eurocéticos – que continuam extremamente influentes. O Partido Liberal
da Áustria (FPÖ) foi a força política mais votada nas últimas eleições e
lidera as pesquisas atuais. Na Polônia, as eleições presidenciais foram
vencidas por Karol Nawrocki, candidato do partido conservador de
direita Direito e Justiça (PiS). Por isso, é provável que o governo
Trump volte a ter maior influência em ambos os países em breve.
Por que Eslováquia e República Tcheca estão fora?
O
que mais deve ter surpreendido os observadores foi o fato de dois
países da UE não constarem na lista de países do rascunho da estratégia
de segurança americana: a República Tcheca e a Eslováquia.
Na
República Tcheca, em outubro, o partido populista de direita ANO, do
bilionário Andrej Babis, venceu as eleições parlamentares e formou uma
coalizão governamental com o partido Motoriste, também de direita, e com
o partido de extrema-direita Liberdade e Democracia Direta (SPD).
Já
a Eslováquia vem passando por uma guinada à direita desde 2023, sob o
governo de Robert Fico. O partido dele, o Smer-SD, tem
“social-democrata” no nome, mas, na prática, é em grande parte
nacionalista de direita – e, por isso, foi recentemente expulso do
Partido Socialista Europeu (PSE).
Tanto Babis quanto Fico são
declaradamente céticos em relação à EU e têm o potencial de gerar caos
nas tomadas de decisão europeias e minar a autoridade do bloco em
questões estratégicas, especialmente no que diz respeito à Rússia e à
Ucrânia. Essas são características que o governo de Trump, com sua
orientação atual, possivelmente aprecia.
Segundo Hegedüs, os
governos tchecos e polonês não foram sido incluídos no documento
estratégico por causa de suas respectivas raízes. O ANO não se encaixava
no espectro clássico da esquerda-direita, enquanto o Smer-SD se
considerava inicialmente de esquerda. “É possível ver claramente como a
abordagem americana é idealizada”, diz o cientista político à DW. “Como o
Smer e o ANO não têm uma origem populista de direita clássica, eles não
são considerados aliados ideológicos, mesmo que talvez façam uma
política útil para o governo de Trump.”
Corrosão gradual do pacto europeu
As
primeiras tentativas de interferência do novo governo dos EUA nos
processos democráticos na Europa no início do ano, como o discurso
provocativo do vice-presidente JD Vance na Conferência de Segurança de
Munique, foram em parte ignoradas pelos observadores das relações
transatlânticas, pois o novo governo de Washington ainda procurava seu
novo lugar.
Mas, desde então, o governo dos EUA voltou a se
envolver nas campanhas eleitorais de Alemanha, Romênia e Polônia. A
interferência segue sempre o mesmo padrão: apoia-se quem o governo Trump
considera ideologicamente um aliado – e quem enfraquece Bruxelas.
O
objetivo dos EUA não será um Huxit, Italexit, Ausexit ou Polexit,
afirma Hegedüs, mas, sim, uma lenta corrosão da integração europeia, o
que esses países poderiam promover por meio de apoio diplomático,
político e talvez até financeiro.
Os primeiros sinais disso já
estão visíveis, como a redução gradual da dependência da União Europeia
em relação à Rússia. Até o final de 2026, será proibida a importação de
gás natural liquefeito e, até novembro de 2027, a importação de gás por
gasodutos. Orbán, por sua vez, já havia obtido de Trump, em novembro,
uma isenção das sanções dos EUA às importações de energia russa.
Ele
declarou que não aceitará a decisão da UE e que levará o caso ao
Tribunal Europeu de Justiça. Em uma coletiva de imprensa conjunta com o
presidente turco Recep Tayyip Erdogan no último dia 8 de dezembro, Orbán
anunciou que a Turquia continuará garantindo o fornecimento de gás
russo à Hungria através do gasoduto TurkStream.
Hegedüs acredita
que, nos próximos anos, haverá cada vez mais casos em que os países
membros não cumprirão as decisões tomadas em conjunto em determinadas
áreas, questionando cada vez mais a essência da integração europeia.
Assim, a UE seria cada vez mais enfraquecida, o que pode levá-la, em
algum momento, a perder a importância.