Senador que governou o Uruguai duas vezes critica o Brasil, a quem acusa de ter ciúme do México e não ser um líder de fato
04 de agosto de 2013 | 2h 02
ASSUNÇÃO - O Estado de S.Paulo
O ex-presidente uruguaio e senador Julio María
Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000), entrevistado pelo jornal paraguaio
ABC Color, afirmou na quinta-feira que o Paraguai deve retornar ao
Mercosul, mas antes disso o órgão deve voltar às suas origens como rampa
de lançamento para o mundo e não um "espartilho que nos amarra".
O político uruguaio criticou o presidente venezuelano, Nicolás
Maduro, e a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Sobre a líder
brasileira, disse que o governo dela está "subordinado aos ímpetos da
Venezuela". Os principais trechos da entrevista:
Dentro de alguns dias deve assumir o novo governo eleito do Paraguai. Qual a sua avaliação do processo político paraguaio?
O Paraguai está no bom caminho. A crise envolvendo o presidente
Fernando Lugo foi administrada dentro das normas constitucionais e esse
foi um sintoma de amadurecimento político. Infelizmente isso não foi
compreendido dentro do Mercosul, que agiu à margem do direito, como
afirmou o próprio presidente José Mujica. Ele reconheceu expressamente
isso ao afirmar que, em Mendoza, "o político superou amplamente o
jurídico".
Agora há um retorno do Partido Colorado, que obteve um triunfo
cabal. O mais importante é o presidente (Horacio) Cartes consolidar uma
maioria e, desta maneira, preservar uma estabilidade que permitirá ao
Paraguai dar um salto qualitativo. Há uma expectativa positiva na região
e mais além. Virão investimentos e com eles a modernização do país e
mais trabalho. O essencial é que a política não prejudique a economia.
Por que o senhor acha que surgiu um Hugo Chávez na Venezuela e o bolivarianismo se propagou para alguns países da região?
Nossa região viveu a partir de 2003 uma fase de bonança única, com
preços internacionais que do ponto de vista fiscal enriqueceram os
Estados. Os períodos de prosperidades às vezes têm esse filho espúrio, o
populismo, que nasce com essa bonança. Ele se alimenta da nostalgia dos
tempos em que todos desfrutavam. Assim nasceu o peronismo e assim
nascerão todos os populismos.
O senhor vê algo positivo no Socialismo do Século 21?
Não é uma doutrina. Apenas um discurso autoritário de um
antiamericanismo anacrônico que divide as sociedades, as inflama e abre
caminho para o autoritarismo.
Quais são os aspectos mais negativos?
A restrição da liberdade de imprensa e a violação do princípio da
separação dos poderes. Essas são as bases da democracia que os
populismos atacam em primeiro lugar.
O senhor acha que o processo bolivariano está consolidado e vai
perdurar sem Hugo Chávez?
A última eleição na Venezuela mostrou uma
oposição vigorosa apoiando Henrique Capriles. Hoje nada se assemelha aos
tempos de Chávez, e assim como Chávez não foi Lula nem Dilma, Nicolás
Maduro tampouco é Chávez. O desastre econômico da Venezuela, por outro
lado, também abrirá muitos olhos.
Qual deveria ser a atitude de Horacio Cartes diante da violação do
direito e o menosprezo pela dignidade paraguaia por parte de seus
parceiros do Mercosul em Mendoza?
O presidente Cartes tem agido, até hoje, com dignidade. Não foi ao
Brasil, mesmo com seu desejo de encontrar-se com o papa Francisco.
Anunciou que não terá nenhuma atuação no Mercosul sob a presidência da
Venezuela, o que é mais lógico. Se foi arrogante e ilícito suspender o
Paraguai, não é menos (arrogante) ratificar a presidência da Venezuela,
justamente com um presidente que, como ministro do Exterior, esteve no
Paraguai incentivando um golpe militar. O que ocorreria se esse mesmo
comportamento fosse adotado por um secretário de Estado americano ou,
ainda, um ministro do Exterior argentino? Confio e desejo que o Paraguai
volte a ser um parceiro ativo no Mercosul, para defender um pacto que
não continue traindo os valores estabelecidos quando da sua fundação.
O senhor acredita que a crise do Mercosul é temporária?
O Mercosul
poderia desaparecer? O Mercosul sobrevive, como sobrevivem todas as
instituições internacionais que, depois de criadas, criam mecanismos
para se sustentar. Mas hoje o Mercosul já não é o que construímos. Não
existe uma liberdade comercial efetiva, não há uma coordenação
macroeconômica, nem as sentenças emitidas pelo Judiciário são aceitas.
Sua crise é muito profunda, mas a ideia continua válida. É incrível que
estejamos marginalizando o Paraguai e aceitando o Suriname e a Guiana
como parceiros. O mesmo ocorre com a Unasul, que abriga países alheios à
nossa cultura e, por outro lado, deixa de fora o México, uma potência
que se compara ao Brasil.
Um país como o Paraguai poderia avançar à margem do Mercosul?
Pessoalmente acho que o Paraguai, dentro das simples normas
comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC), poderia continuar
crescendo como ocorre hoje, e até buscar melhores horizontes para se
expandir. Acho que o Uruguai está nesta mesma situação. Mas na minha
opinião tem sentido continuar no Mercosul se conseguirmos condições de
flexibilidade para manter acordos comerciais fora dele, como fez o
Uruguai com o México, por exemplo. Essa seria uma orientação política
fundamental. O Mercosul deve ser uma rampa de lançamento para o mundo e
não um espartilho que nos amarra.
Se o senhor fosse presidente do Uruguai, o que faria em favor do Paraguai neste momento e nestas circunstâncias?
Não me coloco nessa posição, mas digo que os outros três países do
Mercosul, incluindo o nosso, demonstram amplamente solidariedade com o
Paraguai no seu processo de democratização, desde que iniciado pelo
general Andrés Rodriguez, em cuja palavra acreditamos na época,
felizmente, o que abriu um caminho valioso. Deveríamos hoje retomar essa
orientação e respeitar o Paraguai. Não é possível que o Brasil acabe
sempre subordinado aos ímpetos da Venezuela. Infelizmente é o que
ocorre.
O que o Uruguai fez bem na última década que seria recomendável ao Paraguai?
O Uruguai retrocedeu na educação, segurança pública e na integração
social. Mas conservou a mesma linha econômica, respeitando a economia de
mercado e os equilíbrios macroeconômicos. Meu país e mesmo alguns
setores da esquerda aprenderam essa lição: não há preço para a
estabilidade política e a continuidade econômica, que dão segurança ao
investidor, estrangeiro ou nacional. E uma economia forte é o único
caminho para lutar seriamente contra a pobreza, a partir de uma educação
popular que consiga inserir a nova geração no mundo global da sociedade
do conhecimento, para o qual a maioria hoje não está preparada.
O senhor não acha que há uma competição entre Estados Unidos e o Brasil pela liderança na América Latina e o Caribe?
Hoje, de maneira nenhuma. Os Estados Unidos não estão numa disputa
dessa natureza. O Brasil pretende assumir um papel mais universal, mas
fracassa no Mercosul, fracassa na Unasul e, não obstante sua relevância,
não tem uma liderança de fato. Seus ciúmes do México tem apequenado o
País. Digo tudo isso com pesar, porque a região necessita de um Brasil
vigoroso e compreensivo.
Socialismo do século 21, o Mercosul, Aliança do Pacífico, Brasil,
Argentina, México, Estados Unidos, Europa, China, qual a sua visão
geopolítica da região e do mundo nos próximos anos?
Hoje estamos fora do jogo. Os países do Pacífico avançam entre si e
avançam para a Ásia. Os Estados Unidos estão em recuperação e continuam a
potência de sempre, já não dominante, mas participando na frente
asiática e aproximando-se também de uma Europa em crise, que, mesmo
debilitada, continua economicamente um bloco maior. Permanecendo na
periferia não vamos nos fortalecer. Estamos aqui, fechados, olhando como
os grandes blocos se associam e nós, mergulhados em batalhas de
pequenas aldeias. O Mercosul está em crise e isso é admitido até pelos
líderes do governo uruguaio atual.
O senhor parece muito crítico do Brasil. Por quê?
Paraguaios e uruguaios, somos "brasileirólogos" ontológicos, ou seja,
o Brasil é parte da nossa razão de ser. Um Brasil grande e respeitoso,
um Brasil a la Barão de Rio Branco é importante para todos nós.
Infelizmente, hoje o País não vem agindo assim e nossos governos teriam
de encontrar um modo de superar esta situação. O Brasil é fundamental,
mas arrastado pela retórica venezuelana e isolado do México, não age à
altura do seu peso específico e da qualidade dos seus governantes.
Tomara que possamos fazer com que ele entenda isso, para toda a região
se inserir num mundo globalizado.
/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO