Ao defender a construção de
hidrelétricas na Amazônia, o governo federal costuma citar o argumento
de que essas usinas são menos poluentes e mais baratas que outras fontes
energéticas capazes de substituí-las.
Entre ambientalistas e pesquisadores, porém, há
cada vez mais vozes que contestam a comparação e afirmam que o cálculo
do governo ignora custos e danos ambientais indiretos das hidrelétricas.
Para alguns, esses impactos colaterais influenciaram no aumento da taxa
de desmatamento da Amazônia neste ano.
Há duas semanas, o governo anunciou
que, entre agosto de 2012 e julho de 2013, o índice de desflorestamento
na Amazônia cresceu 28% em relação ao mesmo período do ano anterior, a
primeira alta desde 2008.
Paulo Barreto, pesquisador sênior da ONG Imazon,
atribui parte do aumento ao desmatamento no entorno das hidrelétricas
de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, e da usina de
Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.
Segundo ele, as hidrelétricas atraem migrantes e
valorizam as terras onde são implantadas. Sem fiscalização e punição
eficientes, diz ele, moradores se sentem encorajados a desmatar áreas
públicas para tentar vendê-las informalmente.
No caso de Belo Monte, Barreto afirma que o
desmatamento em torno da usina seria menor se o governo tivesse seguido a
recomendação do relatório de impacto ambiental da obra para criar 15
mil km² de Unidades de Conservação na região.
Uma pesquisa do Imazon, da qual Barreto é
coautor, estima que o desmatamento indireto causado pela hidrelétrica
atingirá 5.100 km² em 20 anos, dez vezes o tamanho da área a ser alagada
pela barragem.
Na bacia do Tapajós (PA), onde o governo
pretende erguer uma série de usinas, ele diz a área desmatada
indiretamente chegará a 11 mil km².
Fórmula do desmatamento
O engenheiro Felipe Aguiar Marcondes de Faria
desenvolve em seu projeto de PhD na Universidade Carnegie Mellon (EUA)
uma fórmula complexa. Ele pretende incluir os efeitos indiretos da
construção de hidrelétricas na Amazônia – como o desflorestamento gerado
por imigração ou especulação fundiária – no cálculo das emissões de
carbono das obras.
A conta, que mede a liberação de gases
causadores do efeito estufa, normalmente leva em conta somente as
emissões geradas pela perda de vegetação e pela degradação da biomassa
na área inundada pelas barragens.
"Se a construção de uma hidrelétrica implicar
taxas de desmatamento superiores às de locais onde não existem tais
investimentos, nós poderemos acrescentar esse desmatamento extra ao
balanço de carbono do projeto".
O pesquisador diz ainda que, além de valorizar
terras e atrair imigrantes, a construção de hidrelétricas pode estimular
o desmatamento ao melhorar as condições de acesso à região, expondo
florestas antes inacessíveis.
Faria também questiona os cálculos que exaltam o
baixo preço das hidrelétricas em comparação com outras fontes de
energia. "As diferenças não consideram adequadamente os custos
socioambientais desses empreendimentos".
Ainda assim, avalia que o Brasil não pode
excluir a hidroeletricidade de seus planos de expansão do sistema
energético. Para ele, a modalidade oferece grandes vantagens em relação a
outras fontes de energia, como flexibilidade para atender à variação da
demanda e dispensa de importação de matérias-primas.
Faria defende, no entanto, que o governo mude sua postura quanto às hidrelétricas na Amazônia.
"O desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia deveria ser visto não como uma barragem no rio, mas sim como uma chance de criar um novo paradigma de desenvolvimento sustentável"
Felipe de Faria, engenheiro
"O desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia
deveria ser visto não como uma barragem no rio, mas sim como uma chance
de criar um novo paradigma de desenvolvimento sustentável para uma
região, que crie condições para a manutenção das unidades de conservação
e terras indígenas, investimentos em educação e ciência e melhora na
saúde da população."
Porém, para o procurador-chefe do Ministério
Público Federal no Pará, Daniel César Azeredo Avelino, a construção de
hidrelétricas na Amazônia não tem sido acompanhada pela manutenção de
áreas protegidas.
Nos últimos anos, o governo reduziu Unidades de
Conservação para facilitar o licenciamento das hidrelétricas no rio
Madeira e das futuras usinas no Tapajós. Segundo ele, simples
sinalizações de que se pretende reduzir essas áreas já motivam o
desmatamento.
Em 2012, diz Avelino, um mês após jornais
divulgaram que o governo estudava diminuir a Floresta Nacional Jamanxim,
no sudoeste do Pará, houve um surto de desmatamento na região.
"Quando se fala em reduzir Unidades de
Conservação para hidrelétricas, alimenta-se a ideia de que poderá haver
novas reduções, o que encoraja o desmatamento."
Governo responde
No entanto, segundo Francisco Oliveira, diretor
do Departamento de Combate ao Desmatamento do Ministério Ambiente, a
destruição dentro de áreas protegidas corresponde a menos de 10% do
desflorestamento na Amazônia.
Quanto ao desmatamento recente no Pará e em
Rondônia, diz que não se deveu necessariamente às hidrelétricas.
Oliveira afirma que o desflorestamento em um raio de 50 quilômetros de
Belo Monte passou de 380 km², em 2011, para 41 km² em 2013.
Em Rondônia, ele diz que também tem havido redução no ritmo do desmate em áreas próximas às usinas.
Segundo Oliveira, as principais causas para o
maior desmatamento na Amazônia no último ano foram: no Pará, a
apropriação ilegal de terras (grilagem) na região de Novo Progresso; no
Mato Grosso, a expansão da agropecuária; e em Rondônia, a expansão da
pecuária.
Oliveira afirma, porém, que, apesar da alta, o
índice de desflorestamento em 2013 foi o segundo menor desde que começou
a ser medido, há 25 anos.