Alexandre Cabral
22 março 2016 | 06:32
O Banco Central levou hoje (21/03) a leilão um produto
chamado Swap Cambial Reverso. Vamos explicar por que o BC resolveu
recorrer a esse produto, que não era utilizado desde 2013, e qual é a
mensagem que a autoridade monetária quer passar ao mercado com essa
decisão.
Filosofando sobre o Banco Central
O Banco Central de qualquer país do mundo tem várias funções. Uma
delas, que não possui manual, é mostrar ao mercado como a autoridade
monetária pensa.
– Gerar ou tirar expectativa: nem sempre o Banco Central precisa partir para a ação, para que fique clara a sua intenção.
Às vezes, uma simples declaração pública já atinge o objetivo de mexer
com as expectativas do mercado. Em 24 de setembro de 2015, no auge da
desvalorização do real (US$ 1,00 = R$ 4,25), o presidente do Banco
Central, Alexandre Tombini, veio a público dizer que “Banco Central e
Tesouro Nacional têm instrumentos adequados para conter as turbulências
do mercado”. Essa frase “tirou expectativa” do mercado, principalmente
inibindo a aposta na desvalorização do real. Muitas vezes, o simples
fato de o BC dizer que “está vivo” já segura a voracidade do
especulador. Afinal, deve ser briga ruim peitar uma instituição que tem
mais de US$ 370 bilhões em caixa e que pode vender, se achar necessário.
E hoje? Hoje, com o real se fortalecendo, nós temos o Banco Central
como “gerador de expectativa”. Antes de eu detalhar melhor o meu
pensamento, vou explicar algumas coisas.
Uma introdução, para facilitar a leitura
Valorização do real frente ao dólar: foi de 13,84% no período entre 24 de setembro de 2015 e 18 de março de 2016; 7,43% no ano de 2016; e 9,17% só no mês de março.
Vencimento do Swap Cambial Reverso do leilão do dia 21 de março: 01 de julho de 2016.
Agora, preciso falar um pouco mais sobre o produto Swap Cambial, que tem duas modalidades: Tradicional e Reverso
Muito utilizado hoje em dia, o Swap Cambial Tradicional foi lançado pelo Banco Central há mais de 10 anos. Funciona assim:
Ao adquirir o Swap Cambial, o Banco A:
1) APLICA na variação do dólar, mais uma taxa de juros ao ano – portanto, fica ATIVO na variação da moeda americana;
2) DEVE ao Banco Central pela taxa Selic – portanto, fica PASSIVO na variação da nossa taxa básica de juros.
Já o BC fica na posição contrária: ATIVO em variação da Selic e PASSIVO em variação do dólar.
Se a variação da moeda americana (1) for maior que a da Selic
(2), o banco “A” ganha dinheiro, já que foi remunerado por um montante
superior ao valor que teve que pagar.
O produto agradou aos bancos, que passaram a receber a variação do
dólar, sem precisar ficar com a moeda americana em mãos. O raciocínio
então é o seguinte: se os bancos acreditam que o real vai desvalorizar
frente ao dólar, investem em Swap Cambial Tradicional. Se a moeda
brasileira de fato perder valor, esses bancos terão ganhos. Mas, se o
real se valorizar, terão perdas e quem ganhará será o Banco Central, que
está na outra ponta da operação, em posição contrária.
O que foi leiloado no dia 21 de março
É um produto conhecido como Swap Cambial Reverso, que funciona exatamente de maneira inversa ao Swap Cambial Tradicional.
Ao adquirir o Swap Cambial Reverso, o Banco A:
1) APLICA pela taxa Selic – portanto, fica ATIVO na variação da nossa taxa básica de juros;
2) DEVE ao Banco Central a variação do dólar, mais uma taxa de juros
ao ano – portanto, fica PASSIVO na variação da moeda americana.
Já o BC fica na posição contrária: ATIVO em variação cambial e PASSIVO em taxa Selic.
Se a variação da taxa Selic (1) for maior que a variação do dólar
(2), o banco “A” ganha dinheiro, já que foi remunerado por um montante
superior ao valor que teve que pagar. Portanto, essa operação é feita
por quem acredita na queda do dólar, caso contrário, se achasse que o
dólar subiria mais que a Selic, faria o Swap Cambial Tradicional,
ficando ativo em variação cambial e passivo na taxa básica de juros.
Resumindo – ao adquirir o Swap Cambial Tradicional, os bancos
acreditam que o real irá se desvalorizar frente à moeda americana. Ao
contratar o Swap Cambial Reverso, os bancos têm expectativa que nossa
moeda se valorize em relação ao dólar.
Só que aqui está um detalhe importante: se o banco possui essas duas
operações na carteira para o mesmo vencimento, na verdade ele não tem
nada, porque o ganho de uma operação zera o resultado positivo da outra,
já que são operações exatamente inversas. Nessa situação, o banco fica,
ao mesmo tempo, aplicado em dólar e devedor em dólar! Nesse cenário, o
dólar pode ir para qualquer lado, que nada ocorre com o banco. Devido ao
modo de como ele é registrado na bolsa, na prática o estoque será de
zero no final do leilão para esse banco – para quem tinha o Tradicional e
fez o Reverso hoje.
O que me leva a concluir que, ao leiloar o Swap Cambial Reverso, o
Banco Central está fazendo com que DIMINUA a posição aplicada em dólar
dos bancos.
O saldo das aplicações em Swap Cambial em 18/03/16 era de US$ 108,113 bilhões. E o leilão do dia 21 representava US$ 1,0 bilhão.
Vamos para uma sequencia lógica:
O banco A acredita na desvalorização do real => Adquire o produto
Swap Cambial Tradicional => O real começa a se valorizar devido a
questões políticas, só que de uma forma muito rápida (9,17% só em março)
=> O Banco Central atua para tirar o Swap Cambial Tradicional do
mercado (lançando o Reverso) => O banco A, ao zerar ou diminuir a
posição via aquisição de Swap Reverso, perde o produto que dá a ele a
garantia do rendimento do dólar => Solução: o banco A se vê obrigado a
comprar dólar, se quiser apostar na desvalorização do real =>
Portanto, surgem compradores novos segurando a queda da moeda americana.
Por isso que digo que o Banco Central está trabalhando de
maneira informal com um piso para o dólar que, nesse momento, é algo
próximo de R$ 3,60.
Por que será que o Banco Central está criando esse piso?
Banco Central também lê jornal. No atual momento, deve estar lendo
com especial atenção a parte política do jornal. E deve estar pensando:
O real vem se valorizando frente ao dólar nesses últimos dias e o
motivo dessa valorização é político e não econômico => Se eu, BC,
deixar isso continuar a acontecer, podemos ver o real ganhar cada vez
mais força => Se por acaso a Dilma perder o mandato, existe uma
chance considerável do real se valorizar mais ainda (já que um dos
motivos pelos quais o investidor estrangeiro não aplica atualmente no
Brasil é a falta de confiança gerada pela instabilidade
política/econômica) => Se eu deixar que o real se valorize muito
antes do impeachment, quando de fato ocorrer o afastamento da presidente
podemos ter uma valorização grande e rápida, atrapalhando a economia
real. Parem para pensar em como deve estar a cabeça dos importadores e
exportadores com essa volatilidade (o dólar estava a R$ 4,24 em setembro
e hoje vale R$ 3,60) => Já sei o que fazer: vou começar a tirar do
mercado, aos poucos, o produto que dá rendimento em dólar => Se eu
tirar esse produto, os bancos serão obrigados a comprar o dólar =>
Posso estar criando uma base informal nesse mercado. Se a Dilma cair,
iremos partir de um dólar mais alto, fazendo com que a economia real
sinta menos.
Outro detalhe importante
Em abril, vencem US$ 3,8 bilhões de Swap Cambial Tradicional e o Banco Central anunciou na sexta (18/03) que vai diminuir a rolagem.
O que isso quer dizer? Que, se todo mundo que tem posição hoje, quiser
comprar, não vai conseguir, pois o BC só vai vender uma parte do que
está vencendo. Mais uma estratégia para segurar a valorização do real.
Olhando o calendário do Swap
O Banco Central está diminuindo a rolagem para abril e, ao mesmo
tempo, está começando a diminuir o estoque para julho (leilão de hoje).
Na hora em que fizer a rolagem para julho, será de uma quantidade menor
do que tem hoje.
Resultado do Leilão
Quando eu estava concluindo este texto, saiu o resultado do leilão. O
Banco Central vendeu apenas 27,5% do volume financeiro que tinha em
mente para vender (US$ 1 bilhão) e que representa menos de 1% do total
de posição na mão do mercado financeiro.
O que podemos ter por trás desse resultado: o mercado está com medo
que o processo de impeachment demore muito, com várias tramitações entre
Congresso e STF, gerando uma incerteza cada vez maior no mercado de
câmbio. Aí os bancos pensam: “por que eu vou zerar uma operação que está
me dando variação cambial? Vai que o processo da saída da Dilma empaca e
o real desvaloriza tudo novamente. Prefiro ficar com o meu produto aqui
quietinho na carteira”.
Conclusão
Para mim, o Banco Central deu claramente um recado: “se o dólar bater
na casa de R$ 3,60, eu vou entrar no mercado, com o objetivo de segurar
essa valorização”. Temos aqui, portanto, um piso informal do dólar –
que pode ser rompido a qualquer hora, mas que, neste momento, é o número
com o qual o BC trabalha.
O Banco Central, como fez em setembro de 2015, está falando ao
mercado: “Pessoal, se vocês ficarem apostando a favor da valorização do
real frente ao dólar e fizerem isso muito rápido, eu atuo”. Se tivermos
fluxo, não tem milagre e aí esse piso abaixa.
Então, fazer o Swap Cambial Reverso tem como objetivo zerar posição
de quem possui o Swap Cambial Tradicional, já que são pontas exatamente
opostas. Vi muita gente falando que hoje (21 de março) o dólar ia DISPARAR
devido a esse leilão. Mas o Banco Central está zerando posição velha e
não abrindo posição nova. Fora que o montante oferecido em leilão
representa apenas cerca de 1% da posição em aberto. Na verdade, o BC
pode estar testando como o mercado reage à diminuição do Swap Cambial
Tradicional. Vamos acompanhar com carinho os próximos passos do BC!
Complemento
Agora à noite, antes de eu postar este texto no site do Estadão, o
Banco Central anunciou que vai leiloar amanhã (22/03) US$ 725 milhões em
Swap Cambial Reverso com vencimento em julho de 2016, igual ao de hoje
(21/03). Só muda um detalhe: o que foi feito hoje (21/03) só vai
liquidar em 01/04, enquanto o que vai ser feito amanhã (22/03) terá
liquidação no dia 23/03. Assim, veremos uma pressão maior em cima do
dólar neste final do mês, por dois motivos:
01) Pela retirada do Swap Tradicional do mercado, como já explicado neste artigo;
02) Pelo fato novo de a liquidação ocorrer ainda no mês de março.
Vamos lembrar que a operação nova (em Swap Reverso) anula a antiga (em
Swap Tradicional). E, na antiga, os bancos estão ativos em variação
cambial – portanto, quanto maior o dólar, maior o lucro. Assim, os
bancos vão querer zerar posição no Swap Tradicional contra o Banco
Central com dólar alto, para poder ganhar dinheiro. Provavelmente o
dólar ficará pressionado nos próximos dias, não obrigatoriamente DISPARAR. Vamos acompanhar.
http://economia.estadao.com.br/blogs/economia-a-vista/r-360-esse-pode-ser-o-novo-piso-do-dolar-para-o-banco-central/