Como Salvador
se tornou um destino privilegiado da imigração chinesa.
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A China tem
sido a nação com uma das mais difundidas e contínuas séries de migração no
mundo. São aproximadamente 44 a 50 milhões de chineses distribuídos pela
América, Europa, África e outros países asiáticos.1
Os estudiosos
sobre migração chinesa dividem esse processo em duas fases distintas com
características ambientais, circunstâncias determinantes e consequências
econômicas, geográficas e sociais diferenciadas na sociedade hospedeira. A
primeira fase se estende do período da dinastia Ming até 1960 e a segunda
se inicia a partir daí e segue até os dias atuais.
E é nesse cerne
que esse texto se insere, tendo como pano de fundo dados de uma pesquisa
etnográfica realizada com os chineses que habitam e trabalham no Centro de
Salvador. Ele busca reconstruir o processo migratório chinês para essa
cidade, situando-o dentro do movimento maior da diáspora chinesa.
A diáspora
chinesa
Os
especialistas em migração internacional definem o movimento migratório
chinês como uma diáspora. A presença de uma consciência identitária
compartilhada entre os migrantes, que se percebem enquanto grupo com uma
determinada cultura e história de dispersão específica; a existência de uma
multipolaridade e de uma interpolaridade entre os diversos grupos; uma
disjunção contrária à ideologia Estado-nação; a necessidade de um longo
tempo para estabilizar o lugar do migrante entre as comunidades; a
existência de uma estratificação social interna e a consciência da sua
diáspora são características desse movimento que permitem essa denominação.2
A diáspora
chinesa começou a ser intensificada a partir da dinastia Ming (1368-1644),
uma época marcada pelo fortalecimento do comércio marítimo chinês, contato
com outros povos, desastres naturais, redução na produção de alimentos,
epidemias e alta de impostos, fatores que levaram a grandes períodos de
fome e pobreza extrema e à saída de um grande contingente de chineses para
os países vizinhos em busca de sua sobrevivência. E foi se mantendo de
forma sutil durante os séculos seguintes.
No século XIX,
as atividades exploratórias no interior do país se intensificaram. Com o
trânsito frequente de estrangeiros pelos portos chineses e com uma
população empobrecida em busca de melhores condições de vida, a China
parecia ser uma boa fonte de braços para as colônias europeias, que
necessitavam de trabalhadores para a agricultura, principalmente depois do
fim da escravidão africana. Assim, o fluxo de chineses para fora das
fronteiras do império começou a ganhar cada vez mais volume.
Como a
escravidão não era mais possível, esses trabalhadores saíam de seu país
após a assinatura de um contrato de trabalho, que deveria ser algo
voluntário, apesar de que muitos embarcavam obrigados nos barcos, e iam
abastecer as fazendas e campos de trabalho, principalmente na América.3
O termo coolie
tem sido empregado para designar o trabalhador braçal asiático,
especialmente chinês, requisitado nesse período, através de um contrato de
trabalho. Mas, apesar de o contrato garantir sua condição de livres, eles
eram submetidos a condições similares às de escravos: eram marcados,
vendidos, revendidos, alugados, traficados, emprestados, vigiados, punidos
e recebiam o nome de seus proprietários. O termo “livre” era apenas uma
estratégia de mercado que permitia o seu trânsito, mesmo com a proibição da
escravidão.4
O trabalho
coolie foi empregado no Peru, Estados Unidos, Cuba, Colômbia, Ilhas
Maurício, Austrália, Fiji, Malásia, Singapura, Inglaterra, África do Sul,
criando o alicerce para a expansão do capital.5
O caso do
Brasil
No Brasil, o
fluxo de coolies não foi expressivo. As questões raciais que permeavam o
discurso migratório no país impediram que a contratação desses
trabalhadores fosse adotada como uma alternativa de substituição dos
escravos africanos, como ocorreu em outros países da América Latina.
As primeiras
tentativas de trazer chineses para o Brasil remontam a 1807, quando o juiz
João Rodrigues de Brito, economista e membro da suprema corte de Salvador,
Bahia, seguindo o modelo inglês, sugeriu a entrada de chineses e indianos
para trabalhar nas fazendas de cana-de-açúcar. Contudo, os primeiros
imigrantes chineses só chegaram ao solo brasileiro em 1812, um grupo
formado por aproximadamente 400 pessoas, provenientes de Macau, colônia
portuguesa na época. Eles atracaram no Rio de Janeiro e foram enviados para
a fazenda imperial e o Jardim Botânico, com o intuito de implantar o
cultivo do chá no Brasil, um desejo antigo de Dom João VI que queria
transformar o chá em mercadoria para exportação, concorrendo assim com a
Inglaterra, que era o grande comerciante desse produto.6
Mas essa
experiência não saiu como esperado e marcou negativamente a relação do
Brasil com os chineses. O chá produzido tinha sabor desagradável, sendo
rejeitado pelo mercado internacional. As condições do solo e do clima não
eram apropriadas para o produto. No entanto, para os brasileiros, o
insucesso da tentativa era decorrente do fracasso dos chineses, pois muitos
fugiam e relutavam em se submeter às precárias condições de trabalho
impostas pelos patrões, acostumados que estavam a lidar com a mão de obra
escrava e tendo, assim, dificuldade em se adaptar ao trabalhador livre.7
A partir de
1843, o debate sobre a migração chinesa voltou a entrar em destaque na
sociedade brasileira. Para um grupo de brasileiros, a mão de obra chinesa
parecia ser a solução perfeita para a demanda nas fazendas de café e
cana-de-açúcar, pois a considerava uma classe servil que, embora não
escrava, se submeteria às condições de trabalho similares às da escravidão,
com baixos salários e poucas exigências, diferindo assim, dos europeus.
Mas, para outro
grupo, esse imigrante ia de encontro às ideias de modernização que
imperavam na época. No seu entendimento, a migração teria três funções
primordiais: fornecer mão de obra, colonizar o país e branquear o povo,
criando uma nova raça brasileira. Portanto, era fundamental a escolha do
imigrante a partir de aspectos raciais.
O debate acerca
da contratação ou não de chineses como substitutos dos trabalhadores negros
foi batizado de Questão Chinesa e envolveu a mídia, autoridades e
intelectuais que defendiam as duas posições, os prós e contras da migração
chinesa.
Os argumentos
apresentados tinham um forte cunho racial, político e econômico, carregados
de ideais racialistas e abolicionistas e direcionavam-se para as
possibilidades de contratação desses trabalhadores como uma opção
transitória até a chegada dos trabalhadores brancos. O cerne da discussão
não estava apenas nos aspectos econômicos da migração, mas também no modelo
civilizatório que se desejava construir.8
Apesar das
posições contrárias serem predominantes, alguns chineses chegaram ao país
durante esse período e muitos desses fugiram das fazendas, onde eram
submetidos a duras condições de trabalho. Eles se instalaram nas ruas das
cidades, onde trabalhavam como vendedores ambulantes, dando novos contornos
demográficos à população brasileira.
As diversas
tentativas sem sucesso de estabelecer um fluxo migratório, a resistência do
governo chinês em enviar seus cidadãos para o Brasil, devido a histórias de
maus tratos e à pressão interna da oposição, fizeram com que o governo
brasileiro desistisse de estabelecer a contratação de trabalhadores
chineses e se voltasse para outra opção amarela: os japoneses.9
No período da
revolução de 1911, alguns chineses vieram voluntariamente para o Brasil e
se estabeleceram como comerciantes. As poucas histórias de sucesso desses
imigrantes e de outros que fugiram das fazendas e se estabeleceram como
vendedores ambulantes nas ruas das cidades, principalmente do Rio de
Janeiro, voltavam para a China com os retornados e alimentavam o imaginário
de jovens que viviam nos pequenos povoados.
Através de uma
rede de apoio, com a participação de chineses bem sucedidos da Califórnia e
do México, alguns desses jovens migraram para o Brasil com outros chineses.
Como havia políticas restritivas nos Estados Unidos e Canadá, países como
Peru, Cuba, Brasil, México eram uma boa opção, estabelecendo assim uma nova
fase do fluxo migratório.10
Essa nova fase
apresentava uma estrutura diferente da anterior, ela era formada por
migrantes que saíam voluntariamente de seu país, com recursos próprios ou
com a ajuda de uma rede de apoio em busca de oportunidades de negócios. Eles
tinham mais autonomia na busca da sua rota e o objetivo de se estabilizar
no novo território, depois de algum tempo.
Seguindo uma
tendência como ocorreu nos Estados Unidos, Canadá, Peru, França, ao chegar
ao país, esses migrantes se estabeleceram em uma mesma região, onde
trabalhavam e residiam. Em São Paulo, isso ocorreu no bairro da Liberdade e
na Rua 25 de Março, e no Rio de Janeiro, na região do Saara, onde os
chineses abriram pequenos comércios.11
Até a primeira
metade do século XX, São Paulo e Rio de Janeiro despontavam como as
principais cidades de atração de chineses. Contudo, a partir de 1950, as
cidades do sul, principalmente da fronteira com o Paraguai, e do nordeste
começaram também a atrair novos imigrantes.12 Assim, pouco a pouco, os
chineses foram se estabelecendo e se difundindo em solo brasileiro.
Salvador na
rota da diáspora
A partir do
momento em que a migração chinesa para São Paulo e Rio de Janeiro se
intensificou, os novos imigrantes passaram a buscar novas rotas
migratórias, onde as possibilidades de negócios fossem maiores. E foi nesse
momento que Salvador começou a despontar na rota da diáspora chinesa.
Em 1960, um
pequeno grupo de chineses procedentes de Cantão e Taiwan chegou e se
instalou no Centro da cidade e em alguns bairros da Orla. Esse grupo era
formado, geralmente, por homens que chegavam sozinhos e que, após um tempo,
traziam sua família da China.
As razões que
levaram esses chineses a migrar foram as mais variadas, desde a pobreza,
como o pai de Wu; o casamento, como Ana; um convite para trabalho, como o
pai de Chen; ou a busca por melhores oportunidades de negócios, como Kite.
Ou simplesmente por desejo de mudança, como Ling. Mas a maioria saiu do seu
país de origem em busca de melhores condições de vida.
A chegada
desses imigrantes coincidiu com um período em que a região central da
cidade sofria um processo de transformação. Com muitos imóveis sendo
desocupados, grandes lojas fechando, um bom sistema de transporte e
estrutura de serviços, um comércio popular crescente, a região parecia o
local certo para início de uma nova jornada comercial para esses homens e
mulheres.
Contudo,
diferente do que ocorreu em outras cidades como São Paulo, Lima, Cidade do
México, Bogotá e Buenos Aires, em Salvador, apesar de escolherem o Centro
para morar e trabalhar, os chineses não buscaram uma segregação. Os
estabelecimentos de propriedade chinesa se voltaram para a população local
e não para a comunidade de chineses. Eles não demarcaram a região com
símbolos de uma “chinesidade”. Ao invés de se segregarem, eles se
dispersaram pelas ruas do Centro da capital baiana, em busca de uma
invisibilidade. E assim, eles foram “aprendendo a viver”, como diz um dos
entrevistados, e se espalharam pelo tecido urbano do Centro.
Os negócios
A primeira geração
de chineses que migrou para Salvador tinha baixa escolaridade, geralmente
trabalhadores de fábricas ou camponeses, que vieram para o Brasil fugindo
da pobreza, da miséria, em busca de melhores oportunidades de negócios ou
de uma melhor qualidade de vida.
Alguns vieram
ainda crianças ou adolescentes, acompanhando os pais, e tiveram que largar
a escola na China e se envolver nos negócios da família, como Wu. A vida
dura de trabalho impediu de retornar aos estudos. Outros apresentavam uma
boa qualificação profissional, no entanto, independente do nível de
escolaridade, todos eles passaram seus dias atrás dos balcões de seus
restaurantes, pastelarias ou lanchonetes, em uma vida que se restringiu a
trabalho e família.
Eles abriram
restaurantes típicos de comida chinesa, lavanderias e lojas de produtos
importados, com mão de obra quase que exclusivamente chinesa, muitos
trouxeram parentes da China para ajudar nas atividades comerciais.
Em um primeiro
momento, as lavanderias tiveram destaque, mas aos poucos os restaurantes
foram se popularizando, alguns foram abertos com recursos adquiridos com as
lavanderias, à medida que essas entravam em declínio. De acordo com os
entrevistados, a preferência por restaurante se dava devido à facilidade
nesse tipo de atividade comercial, pois exigia baixo investimento, pouco
conhecimento técnico da língua, o que se encaixava bem no perfil de
imigrantes recém-chegados. Além disso, a busca por lavanderias começou a
entrar em declínio com a popularização das máquinas de lavar domésticas,
fazendo com que os comerciantes dessa área buscassem campos mais lucrativos
de investimento.
Atualmente,
dois tipos de negócios são predominantes na comunidade chinesa, as lojas de
produtos importados, geralmente artigos femininos, e estabelecimentos na
área de alimentos, como restaurantes de comida a quilo e lanchonetes.
A história da
comida chinesa em Salvador: os primeiros restaurantes chineses
Para os
imigrantes, o alimento tem papel fundamental, pois além de ajudar na
demarcação do seu espaço na nova sociedade, ele reacende as memórias que o
ligam com o passado, com o que foi deixado para trás.
Segundo eles,
“chinês come tudo fresco”, “chinês sempre usa Ajinomoto”, “chinês cozinha
tudo no vapor, baiano refoga, frita, a gente não, só come no vapor”;
“chinês come cada coisa de uma vez, baiano é que mistura tudo, a gente come
cada comida de uma vez”. A comida sempre surgia nas falas dos entrevistados
como um elemento da identidade, que diferenciava chineses de baianos.
Não foram
encontrados dados que comprovassem qual foi o primeiro restaurante chinês
de Salvador. Alguns entrevistados, baianos e chineses, mencionaram o Tonk
Fong, de propriedade de Sheng Shong, que funcionava em um imóvel no Campo
da Pólvora, na década de 1960. Esse restaurante era famoso pelos seus
pratos agridoces e era uma referência da culinária chinesa na cidade. Os
proprietários e cozinheiros eram chineses e a comida chinesa dominava o
cardápio.
A partir daí,
com o aumento do fluxo, outros restaurantes chineses foram abrindo na Avenida
Sete, Politeama, Ladeira da Praça, Comércio.
Na final da
década de 1970 e início de 1980, o número de imigrantes aumentou, isso
refletia as mudanças políticas que ocorriam na China, que estendia as
possibilidades de emissão de passaportes e reduzia as restrições para a
migração, o que levou a um aumento do fluxo migratório para o Brasil.
Esse novo grupo
também buscou a área de alimentos para iniciar suas atividades comerciais.
Nesse período, foram abertos outros restaurantes, o Yan Ping, na Barra, em
1981 e na Pituba, 1983; o Tai San, em 1988, na Pituba; o Suan Loun, em
1988, na Barra; o Aogobom, em 1989, no Rio Vermelho.
Esses
restaurantes, assim como os primeiros, se caracterizavam como empresas
familiares, a mão de obra brasileira era apenas utilizada como complementar
à chinesa, os proprietários e sua família se dividiam entre a cozinha e o
atendimento dos salões e traziam, inclusive, parentes da China para ajudar
nas atividades. Alguns dos chineses que atualmente possuem restaurantes no
Centro vieram para ajudar algum familiar que tinha restaurante na cidade,
como o pai de Chen e o marido de Ling.
A chinesidade
estava nos elementos decorativos que identificavam sua característica
étnica, cardápio em duas línguas (português e cantonês) e os hashis sobre a
mesa. O cardápio era composto por preparações típicas da culinária chinesa,
ou uma reprodução do que era servido nos restaurantes dos Estados Unidos,
onde muitos tinham familiares, como o chop suey, chow mein, pratos
populares junto à população local, assim como a “família feliz”, o frango
agridoce, a carne acebolada, o camarão agridoce, o peixe e o frango
empanados. Os sabores predominantes eram o agridoce, obtido através de um
molho preparado com vinagre, corante vermelho, açúcar, água e amido de milho,
e o salgado, decorrente do uso de molho de soja.
Salvador não
era uma cidade com muitos restaurantes estrangeiros, assim, os restaurantes
chineses apresentavam uma cozinha “diferente”, o que atraía uma classe
média ávida por novidades.
Sem uma comunidade
chinesa forte que servisse de clientela, esses restaurantes foram pouco a
pouco perdendo suas características étnicas e seguindo outros caminhos.
Eles passaram a se voltar para uma clientela geralmente composta por
famílias, grupos de estudantes e trabalhadores, que buscavam uma refeição
farta, saborosa e com preço baixo. Assim, eles se incorporaram no cenário
culinário dos soteropolitanos, com a inserção da comida chinesa no ramo do
fast food, abertura dos restaurantes delivery (final da década de 1980) e
inauguração de uma rede de restaurantes nos shoppings centers (1992).
Diferente dos
seus precursores, os novos imigrantes se afastaram dos restaurantes étnicos
e adotaram a culinária local em seus estabelecimentos, apesar de sempre
manterem em seus balcões uma a três preparações reconhecidas pela população
local como chinesa, geralmente o yakisoba, o rolinho primavera e o frango
xadrez. As mudanças não ocorreram apenas nos cardápios, mas também na decoração
do espaço, que perdeu elementos decorativos associados à cultura chinesa, e
na mão de obra empregada, com a contratação de cozinheiros e atendentes
brasileiros.
E assim, o
Centro de Salvador foi-se constituindo uma nova forma de aglomerado chinês,
diferente das tradicionais chinatowns. Os chineses do Centro não se
posicionam como um grupo a parte, eles adotaram o vestuário e o linguajar
locais, nomes brasileiros tanto para si como para seus filhos e
estabelecimentos, e restaurantes populares como principal ramo de
atividade, eles buscaram uma invisibilidade no contexto da cidade.
Rede de apoio
O
estabelecimento de redes de apoio, guanxi, vem marcando os negócios do
chinês ultramar. Guanxi são relações privilegiadas estabelecidas entre os
membros da comunidade chinesa que compartilham um mesmo lugar de origem,
língua, história, família e são estruturadas a partir de laços de
confiança. O termo é de origem chinesa e, traduzido literalmente, significa
relacionamento, geralmente estabelecido com um objetivo e fundamentado em
ideias de confiança e lealdade.13
As relações
estabelecidas pelos imigrantes chineses no Brasil seguem os princípios de
lealdade que as caracterizam, sendo estabelecidas a partir de um círculo de
amizade ou familiar. Baseadas em um sistema de troca de favores, circulação
de bens (simbólicos e materiais) e informações, que são recebidas e
retribuídas, elas interferem na distribuição das posições e das
oportunidades entre os membros do grupo social e em possíveis modalidades
de reconhecimento, inclusão e prestígio.14
Em Salvador,
essa rede de apoio existe, principalmente envolvendo familiares. Muitos
vieram trazidos por um familiar, para ajudá-los no seu negócio e,
posteriormente, foram ajudados por este familiar a montar um novo estabelecimento.
Chang veio para
Salvador ajudar seu primo que tem um restaurante na Avenida Sete e outro no
Largo Dois de Julho. Em 2006, depois de seis anos de trabalho, seu primo o
ajudou a abrir seu restaurante, na mesma rua. Em entrevista, disse-me que
seu primo sempre o ajudou, principalmente porque ele mesmo depois de oito
anos morando no Brasil ainda não fala português. July contrata
trabalhadores brasileiros para encaminhar aos restaurantes dos chineses.
Toda sua família (irmãos, primos, pai e tio) trabalha no Centro.
O apoio
familiar é fundamental para a inserção do imigrante no novo território, e é
a família seu único ponto de contato na nova cidade. Todos os entrevistados
disseram não conhecer outros chineses, além daqueles com quem têm laços
familiares ou que são seus vizinhos. Em Salvador, a família é a unidade
básica de apoio.
Eles não
interagem com a cidade, poucos mencionaram ter amigos fora do círculo
familiar ou da comunidade chinesa. No coletivismo familiar, os chineses se
organizam para facilitar o processo de adaptação na nova cidade e se
fortalecem.
Tipos de
imigrantes
Segundo dados
do Departamento da Polícia Federal, em março de 2014, período desta
pesquisa, residiam em Salvador 392 chineses, sendo 384 provenientes da RPC
(República Popular da China), 02 de Taiwan e 06 de Hong Kong, o que
corresponde a 60,87% dos chineses que vivem na Bahia. Contudo, o chefe do
Departamento salientou que este número não retratava a realidade, pois
englobava apenas os imigrantes registrados na cidade de Salvador, e muitos
vieram de outras cidades brasileiras. Além disso, os registros não
consideravam aqueles que ainda estavam em processo de legalização.
A distância
entre o número de migrantes legalizados e a realidade do quadro migratório
pode ser facilmente visualizada quando andamos pelas ruas da cidade,
principalmente no Centro, onde a cada dia aumenta o número de chineses. Há
muito mais do que os números oficiais demonstram. Em minhas entrevistas
pude também confrontar esta realidade. Entrevistei cinco taiwaneses que
residem há mais de 20 anos em Salvador, e nos registros da Policia Federal
há apenas dois imigrantes de Taiwan. Além desses taiwaneses, entrevistei
dezessete imigrantes da RPC e dois de Hong Kong.
Segundo um dos
entrevistados, que possui restaurante no Centro, há mais de 2000 chineses
na capital baiana, mas muitos estão em situação ilegal, o que dificulta a
contagem do número de imigrantes.
Em campo,
segundo o processo de migração, pude identificar seis perfis de chineses
instalados em Salvador.
Grupo 1: veio
diretamente para esta cidade, na década de 1960. Alguns desse grupo
retornaram para a China, mas seus filhos permaneceram e outros ainda vivem
em Salvador, mas não trabalham mais, ou os estabelecimentos fecharam ou
estão sob a responsabilidade dos filhos.
Grupo 2: veio trazido pelo grupo 1, composto por chineses que
chegaram aqui para trabalhar para amigos ou parentes, ficaram ilegais,
trabalhando em condições quase escravas. Após um tempo de trabalho,
legalizaram sua condição de migrante, trouxeram a família e abriram
estabelecimentos comerciais, normalmente na área de alimentos que, segundo
eles, exige menor investimento.
Grupo 3: formado por chineses que migraram inicialmente para o Rio
de Janeiro e São Paulo, trabalharam lá, mas depois buscaram novas áreas
onde fosse mais fácil investir ou que tivesse uma melhor qualidade de vida;
vieram, então, para Salvador, alguns por terem conhecidos na cidade,
pertencentes ao primeiro grupo, outros simplesmente por causa das condições
climáticas da região.
Grupo 4: veio diretamente para Salvador trazido por parentes ou por
razão de casamento.
Grupo 5: chegaram aqui quando eram crianças ou adolescentes,
acompanhando os pais.
Grupo 6: nasceu em Salvador, seus pais são chineses do grupo 2, 3 ou
4.
Considerações
finais
Em um primeiro
momento, a migração chinesa para o Brasil não foi expressiva, do ponto de
vista demográfico. Contudo, à medida que o fluxo migratório chinês foi se
intensificando, o Brasil foi despontando como destino para muitos
imigrantes que buscavam no país novas oportunidades de negócios, o que
causou mudanças nos contornos da diáspora chinesa dentro do território
brasileiro. Nesse momento, Salvador entra na rota da diáspora.
Os chineses
chegaram à capital baiana em um período de transformação na sua região
central, e essa área se transformou no principal polo de interesse dos
novos imigrantes, que aí se estabeleceram e criaram uma nova forma de
aglomerado chinês, sem a segregação e a demarcação nítida do espaço como
vinha ocorrendo nas tradicionais chinatowns.
Para os
chineses que aí se instalaram, o espaço da “chinesidade” restringe-se ao
núcleo doméstico e não avança para o ambiente da rua. É nas mesas das suas
casas, onde compartilham as refeições em família, onde se fala a língua
materna, que as tradições são mantidas e a sua herança cultural é
transmitida para as novas gerações. Nesse contexto, as crianças e
adolescentes fazem a ligação entre o novo e o antigo. Elas vivenciam o
ambiente familiar, onde a cultura de origem tenta subsistir, mas também são
jogadas no mundo novo, como novos atores estranhos à sua comunidade,
vivenciam, assim, os elementos do novo espaço e as lembranças do velho.
São, portanto, um importante elemento de mudança para a comunidade chinesa.
E assim,
Salvador vai se inserindo na rota da diáspora chinesa, como um espaço de
acolhimento para a população imigrante que encontra na sua região central o
seu lugar. Aí, eles constituíram família, se estabilizaram economicamente,
criaram seus filhos, aprenderam a viver, se transformaram em baianos, mesmo
permanecendo chineses.
Ana Claudia Minnaert*
* Possui
graduação em Serviço Social pela Universidade Católica do Salvador (1991) e
Nutrição pela UFBA (1997). Mestrado em Saúde Coletiva (2006) e Doutorado em
Antropologia, ambos pela Universidade Federal da Bahia (2015), com pesquisa
na área da Antropologia da Alimentação e Migração.
1 Dong Sull Choi. “Myth and reality of
the chinese diaspora”. Comparative civilizations review, n. 46 (2002), p.
120-135.
2 Emmanuel Ma Mung. La diaspora chinoise, géographie d’une migration.
Paris: Ophrys, 2000, p. 176.
3 Shih-shan H. Tsai. “American Involvement in the Coolie Trade”. American
Studies, v 6 ( 1976), p. 49-66.
4 Lisa Yun. The Coolie Speaks: Chinese indentured laborers and African
slaves in Cuba. Philadelphia: Temple University Press, 2008, p. 336.
5 Idem.
6 Jeffrey Lesser. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias
e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo: UNESP, 2001, p. 344.
7 Rogério Dezem. Matizes do “Amarelo”: a gênese do discurso sobre os
orientais no Brasil (1878-1908). São
Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005, p. 306.
8 Idem.
9 Robert Conrad. “The planter class and the debate over Chinese immigration
to Brazil 1850-1893”. International Migration Review,
v.9, n.1 (1975), p.41-55.
10 Shu Chang-Sheng. “Chineses no Rio de Janeiro”. Portal Ciência e Vida.
2010 Disponível em: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/17/imprime125466.asp.
Acesso em 14/07/2014.
11 Douglas de Toledo Piza. Um pouco da mundialização contada a partir da
região da Rua 25 de Março: migrantes e chineses e comércio informal.
(Dissertação de Mestrado em Sociologia, USP, 2012).
12 Rosana Pinheiro-Machado. “(Re) pensando a diáspora chinesa: fluxos
globais e dinâmicas locais da imigração contemporânea”. In: 30º Encontro
Anual da ANPOCS, Caxambu, 2006, p. 30.
13 Carine Pina-Guerassimoff. La Chine et sa nouvelle diaspora: la mobilité
au service de la puissance. Paris: Ellipses, 2012, p.237.
14 Marcos de Araújo Silva. Guanxi nos trópicos: um estudo sobre a diáspora
chinesa em Pernambuco. (Dissertação de Mestrado em Antropologia,
Universidade Federal de Pernambuco, 2008).
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