Em entrevista para EXAME.com, Christopher Balding também disse quem perderia mais em uma disputa entre Estados Unidos e China
São Paulo – Aviso para os brasileiros: a China não investe por aqui “pela bondade do seu coração e para ganhar amigos”.
De acordo com o economista Christopher Balding, a abordagem “crua e dura” dos chineses será revelada na hora de renovar os contratos.
Balding é professor na escola de Negócios do HSBC em Shenzhen desde 2009 e escreve sobre a China na Bloomberg e no seu blog, uma das principais referências para economistas sobre o país.
Ele aposta que a China perderia mais do que os Estados Unidos em caso de guerra comercial, mas considera a abordagem de Donald Trump menos justa e efetiva do que a de Barack Obama.
Por telefone, ele conversou com EXAME.com. Veja a seguir:
EXAME.com – Algumas estimativas colocam a relação dívida/PIB da China acima de 250%. Há risco de crise financeira?
Christopher Balding – Historicamente, os economistas identificaram uma relação próxima entre esse tipo de medida e o risco de colapso bancário. É preocupante a rapidez de crescimento do crédito.
Mas há fatores para balancear. O risco diminui um pouco por causa do sistema financeiro fechado, que basicamente não permite capital estrangeiro ou dívida emitida fora do país.
A China tem sim risco elevado, o que causa estresse no setor corporativo, mas isso não significa que uma crise vá acontecer amanhã.
As reservas cambiais são um colchão de segurança, mas caíram para o menor nível em 6 anos. Isso fará o governo recuar da liberalização da economia?
Os planos para liberalizar e reformar a economia estão basicamente mortos, ninguém está argumentando que eles vão seguir com essa agenda.
Muita gente entende errado o papel das reservas. Se forem usá-las, precisam apertar a oferta de dinheiro, o que aumenta as taxas de juros e coloca muita pressão sobre as firmas.
Não é porque eles têm esses trilhões que podem simplesmente comprar o ingresso de saída de uma crise.
As reservas também permitem manipular a moeda, e Trump acusa a China de promover uma desvalorização intencional para ficar mais competitiva. Isso não está ultrapassado? Eles vêm atuando para evitar uma desvalorização menor.
É totalmente algo do passado. É ridículo dizer que a China está atuando para desvalorizar sua moeda. Hoje a China manipula para cima, para que não desvalorize demais.
Mas a China é claramente um alvo do governo americano. Você considera alto o risco de uma guerra comercial?
Eu acho que o risco não é zero, mas é significativamente mais baixo do que muita gente acredita.
Na conversa com o presidente chinês Xi Jinping, Trump reafirmou a política de “China Única”, isso após ter atendido o presidente de Taiwan há dois meses. Recuou.
Isso tem muito a ver com a realidade das modernas cadeias globais de valor. Se ele colocar uma tarifa significativa sobre todos os produtos chineses, ela vai recair na prática sobre empresas americanas, japonesas e sul-coreanas – de países que consideramos aliados.
Pense na Apple, por exemplo, que teria suas vendas no mercado americano prejudicadas apesar da China só contribuir com 5% do valor do iPhone. Trump já está sofrendo reação do setor corporativo.
Mas se houvesse um conflito desse tipo, quem perderia mais: Estados Unidos ou China?
A China. Se você olhar numericamente, o comércio com a China é uma porcentagem menor do PIB americano do que o comércio com os EUA é no PIB chinês. É bem desproporcional.
Se você olhar o superávit chinês, é todo em dólares americanos. Se caísse por qualquer critério, teria um impacto muito maior sobre eles, ainda que prejudique ambos.
É muito fácil falar a posteriori, e tem quem ache que Obama deveria ter sido mais ou menos duro, mas ele teve um histórico considerável de atacar violações comerciais e investimentos chineses nos EUA onde via preocupações válidas.
O problema com as propostas de Trump, como as tarifas de 40%, é que elas afetariam muitas empresas chinesas que não estão envolvidas em práticas comerciais como dumping.
O jeito que Obama lidou com isso foi muito melhor do que como Trump está propondo.
O discurso de Trump também já está permitindo que os chineses se posicionem como defensores da globalização, os adultos na sala. Um exemplo foi a visita de Xi ao Fórum de Davos, a primeira da história por um presidente chinês. Esse movimento é sincero ou hipócrita?
Nada além de um esforço de relações públicas. Se você olhar para seu mercado de investimento, ou de trading, eles permanecem como os mais fechados de qualquer grande economia do mundo.
A China tem uma longa lista de setores onde os estrangeiros simplesmente não podem investir – e não são áreas de segurança nacional, como armas, e sim algodão, açúcar, sal, esse tipo de coisa.
Se você é indústria pesada, provavelmente não pode investir por lá. E onde você pode, é comum a proibição de subsidiárias totalmente estrangeiras; você precisa ter um parceiro chinês e entregar sua tecnologia e propriedade intelectual. É um mercado muito fechado.
Uma das coisas quase trágicas da abordagem Trump é que haveria apoio relativamente bipartidário para uma postura mais forte com a China, inclusive de políticos como Hillary Clinton e Bernie Sanders. Reino Unido, Alemanha, Austrália e muitos outros já expressaram essas preocupações.
Há apoio se Trump quiser uma abordagem melhor, mas ele até agora não gerou confiança de que pode ser razoável.
Os BRICS ainda fazem sentido enquanto grupo? A China tem muitos investimentos no Brasil.
Há cada vez mais ceticismo em relação ao papel da China nesse tipo de relação. Entre as razões estão os investimentos financeiros chineses: veja seu papel na questão da dívida em mercados emergentes como Venezuela, Sri Lanka e países africanos.
Países do tipo BRICS se preocupam que a China esteja exportando sua capacidade ociosa, e em alguns há incômodo com a abordagem mercantilista de comprar recursos naturais, como minas, e transferir para lá seus trabalhadores para lidarem com tudo.
Não quero dizer que os BRICS ou a influência chinesa nos emergentes seja sempre ruim, e sim que ela não faz isso da bondade do seu coração e para ganhar amigos.
É uma abordagem crua e dura, e quando esses contratos tiverem que ser renovados os países vão entender isso.
O quão bem-sucedida tem sido a transição que a China pretende fazer de uma economia muito calcada em investimento pesado para outra mais voltada para serviços e consumo?
Não quero dizer que há zero rebalanceamento acontecendo, porque tecnicamente há algum, mas não no grau que eles apontam.
Há duas áreas de crescimento rápido em serviços/consumo. Uma é serviços financeiros, mas que está ligada ao tal crescimento na relação dívida/PIB. Isso vai ser revertido em algum momento, e será doloroso.
Outra área é logística, fruto do boom no varejo online – pense no Alibaba. Mas isso está canibalizando lojas físicas, pois o consumidor que deixa de ir na loja.
Se você olhar para setores como saúde e restaurantes, não vê crescimento rápido. As viagens domésticas estão caindo de forma significativa, as estadias em hotéis estão estagnadas. Esses não são sinais de uma economia em transição.
A economia chinesa em 2016 ainda é intensamente movida pelo crédito e por indústria pesada: carvão, aço, etc. O rebalanceamento acontece de forma sutil e com várias ressalvas.
Mas podemos confiar nos dados chineses?
Os números principais não são nem um pouco confiáveis, mas há muitos outros, divulgados por uma multiplicidade de fontes. Elas não são perfeitas, e somando umas com as outras você não chega ao número principal, mas elas fazem sentido.
Um dos motivos é que esses números são usados apenas por gente muito especializada, então não há tanto interesse político na manipulação.
Mas dá para dizer que a China ainda cresce a 6,5%?
Eu diria que é um pouco menos, mas está justo.