Fábrica da Braskem: enquanto os donos negociam, os resultados da empresa dão um alívio (Mirian Fichtner)
São Paulo — É impressionante a lista de empresas que tiveram a reputação arrasada pela
Operação Lava-Jato.
A maioria seguiu mais ou menos o mesmo script depois de ser pega:
assinou acordos de leniência, pagou multas, afastou os executivos
investigados e anunciou que reforçaria a equipe de controles internos. A
petroquímica Braskem fez tudo isso nos dois últimos anos, assim que
alguns de seus executivos foram citados em delações premiadas como
integrantes de um esquema de corrupção destinado a favorecer a companhia
em contratos com a Petrobras e na obtenção de benefícios fiscais.
Falta, no entanto, a resolução de um problema crucial: quem
vai comandar a empresa daqui para a frente? A Braskem é controlada por
duas das companhias mais enroladas na Lava-Jato, a Petrobras e a
Odebrecht.
A primeira já anunciou que quer vender sua participação na
petroquímica, um passo importante para ajudar a reduzir sua dívida
colossal. Mas, antes, precisa negociar as condições da venda com a
Odebrecht — um acordo complexo que tem motivado uma disputa entre os
sócios.
A Petrobras, de acordo com executivos próximos à negociação entre os
sócios, quer mudar as regras do acordo de acionistas antes de achar um
comprador para sua participação na Braskem — a estatal tem 36% do
capital da petroquímica, o equivalente a 9 bilhões de reais. O objetivo é
dar mais poderes a quem vier a comprar sua participação, tornando o
negócio mais atraente para os potenciais interessados. Hoje, a Petrobras
tem uma influência limitada na gestão da Braskem: ela pode vetar
decisões estratégicas — como a aquisição de uma nova empresa — e indica
quatro dos 11 membros do conselho de administração.
A maioria das cadeiras do conselho e seu presidente foram escolhidos
pela Odebrecht, que é também quem escolhe o presidente executivo e,
assim, toca a Braskem no dia a dia. Para a Petrobras, isso limita a
escolha de compradores a quem topar sentar no banco do passageiro. EXAME
apurou que a Odebrecht concorda em ceder mais direitos a um novo sócio —
a companhia contratou a consultoria EY para fazer uma reestruturação
interna e transformar o grupo num investidor, em vez de ser gestor das
empresas em que investe.
Mas quer discutir os novos termos ao mesmo tempo que trata da
renovação do contrato de fornecimento de nafta pela Petrobras (a nafta é
um derivado do petróleo e a principal matéria-prima da cadeia
petroquímica no Brasil). O contrato atual vence em 2018 e, na avaliação
da Odebrecht, ninguém vai se interessar em comprar uma participação
relevante na Braskem sem saber quais serão as condições de longo prazo
para o fornecimento de nafta depois que a Petrobras deixar o bloco de
controle. Além disso, a Odebrecht quer discutir os dois pontos com os
interessados em comprar a fatia da Petrobras, e não apenas com a
estatal. Já a Petrobras sinaliza que quer se concentrar em vender quanto
antes sua participação na
Braskem e deixar para discutir o novo contrato mais tarde.
Desconto na bolsa
Enquanto não chegam a um acordo, os sócios seguem buscando um
comprador para a parte da Petrobras. O que pode ajudar a atrair
interessados é o fato de a Braskem ser negociada na Bovespa com um
desconto médio de 45% em relação ao valor de mercado de suas principais
concorrentes internacionais, entre elas Dow, Basf, Sumitomo, Alpex e
Lanxess, segundo cálculos dos analistas do Bank of America. Em parte, o
desconto se deve à recessão brasileira e ao fato de concorrentes na
América do Norte terem acesso a matérias-primas mais baratas vindas da
indústria de gás de xisto. Mas, para Fernando Musa, presidente da
Braskem, o desconto pode diminuir se a empresa se tornar mais eficiente.
“Há espaço para melhorar nossa logística e nossos processos”, diz
ele, que assumiu o comando da petroquímica em maio, depois de uma
carreira de seis anos na empresa (ele era responsável pelas operações da
empresa nos Estados Unidos e na Europa). “Outra frente que pode
valorizar as ações é nosso projeto de expansão, via aquisições e
construções de fábricas aqui e no exterior.” Uma dessas fábricas é uma
unidade de produção de polipropileno, que a empresa já anunciou que
pretende construir no estado americano do Texas. “Obviamente, se houver
uma mudança no controle, o novo acionista virá com sua visão e
expectativas de negócio e nós vamos ter de incorporá-las. Mas, enquanto
isso não acontece, seguimos na mesma estratégia”, diz Musa.
Quem tem 9 bilhões de reais na manga para comprar uma participação
minoritária da Braskem? Banqueiros e executivos do setor de petróleo
apostam em
petroquímicas
e fundos soberanos do Oriente Médio. No caso dos fundos, o objetivo
seria pagar barato para fazer um investimento que pode trazer bons
retornos no longo prazo. A Braskem reduziu o risco de ter problemas em
suas operações no exterior ao fazer um acordo de leniência e outro com
autoridades no Brasil, nos Estados Unidos e na Suíça, em que se
comprometeu a pagar uma multa de 3,1 bilhões de reais. Parte desses
recursos pode, inclusive, ir para a Petrobras se o Ministério Público
assim decidir.
Outra vantagem para os possíveis interessados é o fato de a empresa distribuir dividendos generosos aos
acionistas
— em 2016, foram 2 bilhões de reais. Para as grandes petroquímicas do
Oriente Médio, que não têm presença na América Latina, uma sociedade com
a Braskem pode ser uma porta de entrada para esse mercado. No caso de
uma empresa que já atue na região, poderá haver uma sobreposição de
negócios e a necessidade de tomar medidas para adequar a operação para
não ter de concorrer com ela mesma se virar sócia da Braskem. A Braskem é
a maior petroquímica da América Latina e passou a ter 70% do mercado
brasileiro. Odebrecht e Petrobras não deram entrevista.
Na parte operacional, os resultados da Braskem foram um alívio. As
receitas cresceram e a produção de petroquímicos básicos chegou a 8,5
milhões de toneladas em 2016, um recorde. A geração de caixa aumentou
23%, para 11,5 bilhões de reais, outro recorde. A empresa teve prejuízo
de 768 milhões de reais em razão da multa de 3,1 bilhões de reais.
Metade do valor da multa foi paga em 2016 e o restante será parcelado em
seis anos, mas a quantia foi integralmente provisionada no balanço do
ano passado (sem essa provisão, a companhia teria tido lucro de 2,3
bilhões de reais).
Com o bom desempenho, as ações subiram. A alta foi de 190% desde que a
empresa foi citada nas delações da Lava-Jato no início de 2015 — no
mesmo período, o Ibovespa subiu 36%. São indícios de que, se seus donos
saírem do enrosco em que se meteram, a Braskem poderá funcionar como uma
empresa normal — e que consiga dar retorno a seus milhares de
acionistas.