Cansado de ouvir falar em esquemas, desvios e subornos? Acredite: você tem o poder de disseminar a ética no país, a começar pelo seu ambiente de trabalho
São Paulo — Assombrado quase diariamente por escândalos de corrupção envolvendo empresas
e governos, o brasileiro corre o risco (compreensível) de acreditar que
o desrespeito generalizado à lei é um problema insolúvel. Não é.
E tem mais: cada indivíduo pode contribuir para disseminar práticas éticas no país, a começar pelo seu próprio ambiente de trabalho,
diz Mercedes Stinco, diretora de auditoria da Natura e coordenadora da
Comissão de Gerenciamento de Riscos do IBGC (Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa).
É claro que, para que a semente da
corrupção não germine e dê frutos, a empresa precisa fazer a sua parte.
Daí a necessidade de políticas definidas e executadas pelo departamento
de compliance — que, não à toa, virou uma das carreiras mais quentes do momento no Brasil.
No entanto, explica Stinco, o
movimento não deve vir apenas de cima para baixo, mas também de baixo
para cima. Devidamente amparadas por medidas institucionais, as pessoas
que compõem uma organização também podem (e devem) colaborar.
“Uma andorinha só não faz verão, ou
seja, um funcionário sozinho não vai conseguir resolver os problemas
éticos de uma empresa sem ter por trás uma estrutura”, diz ela. Mesmo
assim, cada um pode sim afetar o sistema com pequenas atitudes.
Afinal, a corrupção não existe sem
pessoas, sejam elas corruptas ou corruptoras. Com um detalhe
fundamental, que proíbe falsos moralismos: não se trata de um
comportamento isolado de alguns “vilões”, mas sim de um traço da cultura
brasileira, afirma João Marques Fonseca, presidente da consultoria em
mobilidade global EMDOC.
“Vejo muitos profissionais brasileiros
destruírem suas carreiras internacionais justamente por essa questão
cultural, pelo hábito de tirar vantagem nas pequenas coisas”, diz ele.
“O que é prática comum aqui não é aceito lá fora”. Ele diz que não é
incomum encontrar executivos nascidos aqui envolvidos em problemas
jurídicos no exterior por “pura estupidez”.
Mentalidade, cultura, visão de mundo —
a única maneira de você alterar isso “sozinho” é incorporar atitudes
éticas no cotidiano, de forma reiterada e insistente, para que se
transformem em exemplo para os demais.
“O chefe, em particular, precisa ser
um modelo para seus liderados”, diz Fonseca. Isso porque a postura moral
do líder costuma ser espelhada pela equipe: se ele for correto, essa
atitude tende a se multiplicar; assim como o seu exato oposto.
Além de dar o exemplo, o gestor
precisa cobrar diretamente comportamentos éticos dos seus funcionários.
Não se trata de vigilância ou patrulha, explica o presidente da EMDOC,
mas da criação de um ciclo virtuoso de integridade.
Quando um liderado cometer um desvio
dessa natureza, a punição precisa ser imediata. A reação do chefe à
corrupção de um liderado costuma ditar se ela continuará sendo praticada
no futuro por ele próprio e também pelos demais.
Pequenas ações, grandes resultados
E se você não for chefe? Stinco garante que ações de impacto podem partir de profissionais de qualquer nível hierárquico.
Do estagiário ao CEO, todo mundo pode
abandonar uma empresa que não respeita a lei, por exemplo. É a resposta
mais radical à corrupção no meio corporativo — bem mais difícil de
implementar em tempos de crise e desemprego —mas, ainda assim, possível.
Vale pensar em empresas como a
Odebrecht, por exemplo. Elas quase não escapam à associação com os
escândalos de corrupção que marcaram sua história recente. Essa
“aura” acaba se estendendo aos funcionários que passaram por lá, diz
Fonseca, mesmo àqueles que não têm nada a ver com os crimes que levaram
seu ex-presidente para a cadeia.
“Se você consegue perceber a tempo que
existem coisas estranhas acontecendo na sua empresa, saia o quanto
antes, se for possível”, recomenda ele. “Às vezes é melhor partir para
um emprego com salário mais baixo do que correr o risco de manchar a sua
reputação profissional por ter uma empresa com nome estigmatizado no
currículo”.
O seu empregador respeita as leis? “Se
a resposta for negativa e você não pode ou não quer buscar um novo
emprego, busque evidências concretas e faça algo para mudar o que está
errado”, recomenda Stinco.
Mais uma vez, é preciso que a empresa
compareça com a parte que lhe cabe: a existência de canais de denúncia
anônima é indispensável para que um funcionário possa chamar a atenção
para ilegalidades de forma segura e eficiente.
Stinco também diz que o funcionário pode exigir mais
treinamentos e materiais sobre combate à corrupção na empresa. Se esses
recursos não existirem ou forem insuficientes, também é importante se
engajar diretamente na sua elaboração. “Os melhores manuais de conduta
sempre são aqueles formulados por várias mãos”, explica a coordenadora
do IBGC.
O crime não compensa — nem o mais “inocente” deles
Muita gente esquece que os malfeitos
não ocorrem apenas nos contratos com governos e agentes públicos, como o
brasileiro se acostumou a ver nos noticiários. A corrupção está
presente em toda forma de desrespeito à legislação, seja ela ambiental,
trabalhista, tributária ou de qualquer outra natureza.
Essa constatação abre caminho para uma conclusão importante, diz o
presidente da EMDOC: profissionais de qualquer área ou cargo estão todos
os dias diante de uma escolha moral.
Um operador da área de compras, por
exemplo, está contribuindo para a ética no país quando não aceita uma
fatura maquiada feita por um fornecedor.
Um analista de RH está agindo de forma cidadã quando não faz vistas grossas a um atestado médico falso entregue por um funcionário. Analista de Recursos Humanos:
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Um gerente está ajudando a combater a impunidade quando denuncia não apenas o assédio moral que praticam contra ele, mas também contra o estagiário.
Qualquer profissional está construindo um país mais sério quando não bate o ponto e sai para dar uma volta.
“Cada um de nós precisa se perguntar:
essa ‘vantagenzinha’ realmente vale a pena? Será que esses pequenos
crimes vão mesmo melhorar a minha vida? Se você parar para pensar, vai
perceber que não”, diz Fonseca. Ser sincero e assumir responsabilidades é
muito mais saudável para a sua carreira, para o seu empregador e para o
país.