Entre a cruz e a caldeirinha
O desestímulo para investir no Brasil não se deve à falta de mercado consumidor, de matéria-prima ou de mão de obra qualificada. Ela decorre da instabilidade de um sistema em que se somam escândalos de corrupção e insegurança jurídica.
Além da pandemia, o ano de 2020 será lembrado no Brasil por um início de refluxo da Lava Jato. Embora tenha limpado em certa medida o poder público, a maior das operações anticorrupção do País não parece evitar que novos casos ocorram. Os empresários que se mantêm alheios à corrupção – e ainda lutam para ser competitivos – são a prova de que é preciso acreditar na Justiça. Porém, há situações em que ela favorece as perversidades do sistema, em vez de saná-los. “O Legislativo faz as normas, mas o Judiciário abre precedentes. Isso estimula a insegurança jurídica e o País acaba se valendo do Judiciário para resolver seus problemas, o que coloca em xeque qualquer competitividade no País”, afirmou à DINHEIRO o superintendente jurídico da Confederação Nacional da Indústria, Cassio Borges. Segundo ele, quase 70% das principais ações da indústria na Justiça são referentes a problemas tributários ou trabalhistas. “As diferentes interpretações do direito criam insegurança e afugentam o empresário. Por isso, a segurança jurídica é tão importante para a CNI”, disse Borges.
Ele não está sozinho. Especialista em direito tributário, Tiago Conde Teixeira, sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados afirmou que, embora a segurança jurídica seja preciosa para o meio empresarial e para o investidor, hoje vivemos situações absurdas. A ponto de a Receita Federal criar uma nova Instrução Normaltiva (IN) apenas para mudar as regras no meio do jogo, sobretudo quando é o outro time que está vencendo. Segundo ele, isso já foi feito com decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) que previam formas de compensação tributária. “Não me surpreende que as empresas saiam do Brasil. O País exige um back office jurídico enorme para dar conta de tantas regras”, disse Teixeira.
PERSEGUIÇÃO Nos últimos tempos, o STF parece agir ao mesmo tempo como escritório de advocacia, promotor e desembargador – e, pior, atuando em defesa própria. Foi assim no caso do ex-presidente do tribunal Dias Toffoli, que colocou o órgão como autor de um inquérito para apurar a responsabilidade por fake news e mandar suspender conteúdo da revista digital Crusoé, com notícias que não o agradavam. Instaurou a censura e a perseguição. A decisão foi revertida, mas a ação das fake news sobre a Corte (que deverá julgar o inquérito aberto por ela própria) segue em curso.
Identificada com a causa nacional do combate à corrupção e a reinstalação de regras claras para o exercício dos negócios no País, a própria Lava Jato lançou dúvidas sobre seus métodos e propósitos. Primeiro, ao criar uma indústria de delações premiadas, e depois um fundo para receber dinheiro das indenizações de delatores e delatados que ela mesma condenou. Por fim, a conduta de seu maior patrono, o ex-juiz Sergio Moro, é no mínimo embaraçosa. Ele se tornou ministro da Justiça após uma eleição na qual havia colocado na cadeia o principal oponente ao candidato vencedor. Acabou demitido do governo que ajudou a eleger.
Bastariam os dois parágrafos anteriores para o empresário – seja nacional ou estrangeiro – se perguntar se vale a pena entrar num jogo em que é ameaçado a todo o tempo, dentro de um sistema do qual não se sabe o que esperar. Com tantas convulsões internas, acabamos ficando muito atrás do resto do mundo em tecnologia – e competitividade. Não resta dúvida de que o grande desafio de 2021 é restabelecer o emprego. Para isso, o Brasil precisa de indústria. E, para isso, é preciso segurança jurídica, estabilidade e uma política industrial consistente – algo que o ministro da Economia, Paulo Guedes, nem sequer mencionou após dois anos no cargo.