Todo
ano, a produção do programa recruta um elenco de machistas. Será que
vale a pena assistir e passar essa raiva? Não passamos raiva o
suficiente na vida real? Essa é uma boa maneira de relaxar? Acho que
não.”Por que as pessoas no Brasil gostam tanto de Big Brother? Todos os
meus amigos, pessoas progressistas, adoram. Todo mundo assiste. Nunca vi
algo assim.” A pergunta foi feita por um amigo alemão que também tem
muitos amigos no Brasil durante o BBB 21, que foi exibido no auge da
pandemia e virou uma febre nacional. E sucesso de lucro para a Globo,
claro.
A
pandemia acabou, mas meu amigo continua com razão. Sim, o reality é um
sucesso entre todas as camadas da população. No momento, quando você
entra nas redes sociais, tem a impressão de que “só se fala disso”.
O
sucesso do reality no Brasil é um “case” mundial. Mais pessoas veem o
programa no país do que em qualquer outro lugar do mundo.
Os
números mostram isso. A diferença de audiência entre o reality da Globo e
suas versões mundo afora é gigantesca. A título de comparação: a
estreia do BBB 24 foi vista por 39,1 milhões de pessoas. Nos Estados
Unidos, a estreia do BB 25, exibido ano passado, atingiu (apenas) 3,4
milhões de telespectadores.
No
Brasil, o recorde de audiência foi atingido no BBB 5, quando o programa
chegou a ter audiência de mais 50 milhões de pessoas em um só episódio.
Enquanto isso, nos EUA, o recorde, registrado no BB1, é de “apenas”
nove milhões.
Aqui,
na Alemanha, um “sucesso” de audiência foi comemorado na estreia do
Promi Big Brother (Big Brother celebridades), quando mais de 1,7 milhão
de pessoas assistiram à abertura do reality. Em geral, a média de
audiência do programa fica abaixo de 1 milhão. Ou seja, o Brasil é o
campeão do vício mesmo.
Raiva e escapismo
Acho que existem
muitas razões para que o programa ainda faça tanto sucesso no Brasil.
Uma delas é o escapismo. A vida não está fácil. Ir dormir pensando em
quem deve sair no “paredão” ou em problemas de outras pessoas que não
ganharam o “anjo”, por mais ridículo que seja, pode ser bem mais
confortável do que ir dormir encarando a própria vida.
Sei como é,
também já fui meio viciada em BBB. E, claro, como boa adicta, assistia e
usava o Twitter (atual X) ao mesmo tempo. Desde que as redes sociais
existem, elas são parte da experiência antropológica de ver o BBB.
Adoramos comentar. Adoramos ter opinião. E, em muitos casos, os fãs
viram “hooligans”. Sim, existe briga séria por causa do BBB. Difícil
imaginar o programa hoje sem as redes sociais, onde nós, brasileiros,
também colecionamos recordes de engajamento.
É
difícil não ceder à tentação. Em parte, porque a direção do programa
brasileiro costuma ser muito competente (para o bem e para o mal) e sabe
muito bem como fisgar a audiência. Desde 2020, por exemplo, o programa
reúne anônimos e famosos, o que amplia o interesse e as fofocas.
Outra
técnica usada pela produção do programa é escolher participantes que
geram raiva e com potencial para escândalos. Ano após ano, a produção
recruta homofóbicos, machistas e outros tipos que geram ódio. A nossa
revolta faz a Globo lucrar. Mas é difícil ficar quieta quando uma mulher
é agredida e/ou insultada na TV.
Machismo e etarismo na tela da TV
No
momento, as mulheres do Brasil estão revoltadas com o pagodeiro
Rodriguinho, que fez sucesso nos anos 90 com o grupo Os Travessos.
Motivo: em pouco mais de uma semana desde a estreia da nova temporada,
ele já fez comentários machistas, etaristas e misóginos. Explico: o
cantor disse que o corpo da modelo e influenciadora Yasmin Brunet “já
foi melhor” e que ela está “mais velha” (sic).
“Ela tá mais velha e largou mão”, disse, além de falar que ela estava comendo demais no programa.
A
revolta com ele é justa. E lucrativa para a Globo, que ano que vem deve
recrutar mais machistas para integrarem o elenco, já que a fórmula
funciona.
Enquanto
muitos se indignam, outros gostam e se identificam com os machistas e
homofóbicos que sempre estão lá, formando uma espécie de “elenco fixo”,
já que os personagens mudam, mas as ideias continuam sempre presentes no
programa.
Sim, vamos aceitar a realidade. Muitos gostam de ver um
homem, por exemplo, julgando o corpo de uma mulher de maneira podre, já
que eles mesmo fazem isso. O machismo exibido no programa em todas as
temporadas é o mesmo praticado por pessoas comuns, infelizmente.
Será
que vale a pena assistir e passar essa raiva? Não passamos raiva o
suficiente na vida real? Ora, já lidamos com machismo, por exemplo,
quase todos os dias. Isso é rotina. Para que assistir isso de novo na
hora de lazer? Essa é uma boa maneira de relaxar? Acho que não. Mas
entendo, é muito difícil resistir. Da Alemanha, sem acesso à Globo, eu
mesma não resisto e “assisto” a muitas cenas pelo Twitter (hoje X). E
passo raiva, claro.
Se
vale a pena? Certamente não. Existem milhares de coisas melhores para
fazer com o seu tempo, como “desligar a televisão e ir ler um livro”
(como dizia uma antiga vinheta da MTV), ir para a academia, dar uma
volta. A droga é poderosa. Vicia mesmo. Mas tentem resistir.
__________________________
Nina
Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento
desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02
Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das
criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é
loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e
as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.