O
governo brasileiro estuda a tributação de criptoativos para fechar
brecha que permite o uso desses ativos para contornar transações
tradicionais que são sujeitas ao Imposto sobre Operações Financeiras
(IOF), afirmaram à Reuters duas fontes com conhecimento direto do
assunto, que falaram em condição de anonimato.
Segundo uma
autoridade do governo, o Ministério da Fazenda se debruça sobre o tema
após regulação do Banco Central neste mês ter definido expressamente que
determinadas transferências e pagamentos transfronteiriços com ativos
virtuais, incluindo stablecoins, serão classificados formalmente como
operações cambiais.
Na regra vigente, contribuintes e corretoras
são obrigados a declarar à Receita operações com criptoativos, com
incidência de Imposto de Renda sobre ganho de capital para rendimentos
superiores a R$35 mil mensais. No entanto, não há cobrança de IOF.
Embora
as duas fontes tenham ressaltado o caráter regulatório da investida,
ela terá na prática potencial de impulsionar receitas públicas dada a
dimensão do mercado de criptoativos no Brasil, que tem crescido
vertiginosamente sobretudo pelo uso de stablecoins, que usualmente são
lastreadas em ativos seguros, como o dólar.
Dados
da Receita Federal apontam uma movimentação de R$227,4 bilhões em
criptoativos no primeiro semestre deste ano, um aumento de 20% sobre
igual período de 2024. Stablecoin mais popular no país, a USDT, da
Tether, que é lastreada em dólar, respondeu sozinha por 67% do total
movimentado no primeiro semestre, enquanto o bitcoin respondeu por 11%.
A
segunda fonte pontuou que a regulamentação do mercado de criptoativos
pelo BC abriu caminho para a tributação diante de uma visão de que no
Brasil as stablecoins são utilizadas essencialmente como uma maneira
barata de ter conta em dólar.
“É pra ter certeza de que a
utilização de stablecoins não gera uma arbitragem regulatória vis-à-vis o
mercado de câmbio tradicional,” afirmou.
Autoridades do governo
vinham há anos expressando preocupação com o uso de stablecoins
prioritariamente como meio de pagamento, e não como investimento. Em
meio ao limbo regulatório, a visão era de que esses ativos também vinham
se firmando como opção primária para lavagem de dinheiro e
financiamento de atividades ilícitas.
De acordo com a
regulamentação do mercado de criptoativos feita pelo BC, serão
consideradas operações de câmbio todas as compras, vendas ou trocas de
stablecoins a partir de fevereiro do ano que vem.
Também entrarão
nessa classificação pagamentos ou transferências internacionais com
ativos virtuais, repasses de criptoativo para cumprir obrigações de
cartões ou outros meios de pagamento eletrônicos, e transferências de
ativo virtual que envolvam carteira autocustodiada.
A primeira
fonte afirmou que o governo estuda o tema neste momento “com cuidado”,
já que a nova classificação do BC passará a valer apenas no início do
ano que vem. Ela ressaltou que a regulamentação feita pela autoridade
monetária não gera efeito tributário automático, cabendo à Receita
Federal produzir sua própria norma.
Procurado, o Ministério da Fazenda informou que não irá comentar.
Na
segunda-feira, a Receita publicou uma norma que aumenta o escopo de
informações relacionadas a operações com criptoativos, alcançando agora
prestadoras de serviços domiciliadas no exterior, mas que operam no
país. O objetivo, segundo o fisco, tem foco no combate a ações de
lavagem de dinheiro, evasão e financiamento de iniciativas criminosas,
sem efeito tributário.
Uma fonte da Polícia Federal ouvida pela
Reuters apontou que os passos que vêm sendo tomados pavimentam o caminho
para que não apenas a incidência de IOF passe a vigorar sobre essas
operações após a definição de regras pela Receita, mas que o órgão
também tenha maior visibilidade para recolhimento do Imposto de
Importação sobre operações hoje feitas com stablecoins para burlar a
tributação.
“Se você importa uma máquina, ou insumos, declara 20%
por dentro, e 80% manda via USDT sem pagar tributos aduaneiros, IOF é o
menor dos problemas,” disse, estimando que o governo perde mais de US$30
bilhões em receita anual proveniente de importações pagas por meio de
transferências com criptomoedas para evitar impostos.