Neste artigo, a conselheira de empresas Sueli Marinho conclama a um combate rigoroso aos “descaminhos” da governança, e alerta: hoje, ter conselhos e comitês nas companhias não significa transparência
Sueli Marinho*
Tema que apaixona gestores lúcidos e de conduta ilibada, a Governança Corporativa atravessa um momento delicado de banalização.
Foi no fim da década de 90 que um grupo de pessoas de boa índole resolveu disseminar este processo no Brasil, tendo como consequência a constituição do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. A boa intenção foi coroada de êxito e o mercado de capitais teve a grata satisfação de ver ampliada sua listagem de ações na BOVESPA.
No entanto, embora estejamos no século XXI, ano de 2013, com a Governança Corporativa já amadurecida, constatamos com tristeza sua utilização oportunista, com o objetivo de promover ganhos indevidos, com falsas demonstrações financeiras, manipulações contábeis e outras heresias.
Muitas empresas utilizam Governança Corporativa como propaganda enganosa e chamariz para atrair investidores incautos e IPOs com destinos escusos. Está difícil de encontrar as práticas da Governança como ela foi realmente conceituada para apoiar empresas de qualquer porte, segmento e origem. A ganância continua sendo a palavra chave, com más consequências para o mercado financeiro e para a credibilidade do país. Estamos numa rota equivocada.
Quando a Governança está implementada em empresas, os bancos consideram que o risco deve ser menor e oferecem menores taxas de juros, pois contam com gestores atuando com ética, transparência, compliance e responsabilidade social, agregando valor à companhia. Nesta situação, qualquer desvio destas ferramentas pode ser facilmente detectado, não só na Diretoria Executiva como também nos Conselhos de Administração e Fiscal. A Auditoria fica mais confiante nos números e relatórios apresentados.
IPO só é possível com a empresa praticando o processo da Governança Corporativa (GC). Aquisição de empresas que tem GC é mais fácil, e a companhia adquiria se torna mais valorizada. As companhias de capital aberto são obrigadas a estas práticas, por lei das S.A.s. Em qualquer processo de aquisição, o primeiro quesito indagado é sobre a existência da GC, pois se trata de material nobre a ser apresentado nos relatórios de Administração quando da publicação do balanço anual. E se constar nos Conselhos nomes de medalhões do mercado, a impressão é melhor ainda (polêmicas à parte).
Sabe-se que na maioria das empresas, porém, o que acontece dentro dos recintos burocráticos dos escritórios executivos contraria o bom senso: ingerência dos sócios, familiares, governo, regulação, lobby do segmento, insiders, conflito de interesses e tantos outros reveses que todos conhecem e têm pouca coragem de denunciar. É público que as indicações do Código da Governança Corporativa não são praticadas. Por este motivo vou mencionar alguns casos do imenso setor financeiro, muitos com controle difuso, sem a intenção de julgamento, pois o intuito é alertar para a falsa Governança Corporativa.
“Nos últimos dois anos sete bancos foram liquidados ou sofreram intervenção do BC. Começou com o Banco Panamericano, repassado para a Caixa Econômica e o BTG, e seguiu com o Cruzeiro do Sul, o Matone, o Prosper, o Schain, o Morada e o BVA. O caso Panamericano ainda hoje dá dor de cabeça e seus controladores, especialmente a Caixa, que entrou no negócio, como todos sabem, por uma decisão política de Brasília. E sem ter sido alertada das fraudes que por lá havia, pelo menos é isto que seus dirigentes alegam quando cobrados. Em todos esses bancos foram encontradas fraudes, algumas mais outras menos grossas, que se realizaram ao longo de um bom tempo, não nasceram na antevéspera da intervenção. As revelações que a imprensa vem trazendo a respeito dos negócios do Cruzeiro do Sul são, no mínimo, cabeludas. No mercado também se comenta assustadamente as coisas que se passavam no BVA. Coisas medidas em bilhões de reais, um bom naco com os fundos de pensão das estatais. A pergunta que não quer calar é simples : por onde andava a fiscalização do BC todo esse tempo ? “(texto de Política & Economia na REAL, no. 223 –por Francisco Petros e José Marcio Mendonça).
Os autores deste excelente texto indagam sobre o BC, mas e o que dizer das auditorias e demais entidades que propalam os bons exemplos da governança, em seminários, palestras, etc.? E os maus exemplos, cadê?
Observa-se que todos os citados no texto tem Governança Corporativa em sua gestão, incluindo uma série de comitês. O mesmo ocorre nos fundos de pensão estatais. E aí podemos concluir que não funcionou. Cadê os pilares da governança? Todos foram abalados. E abalados também ficaram quem neles acreditou e colocou suas economias.
Há também o exemplo das contas públicas do Governo Federal. No Jornal Valor de 06 de fevereiro ultimo, pagina A12, no interessante artigo do prof.José Marcos Domingues, cujo título é Orçamento da União e incerteza jurídica, há o seguinte comentário: “Como pode o setor privado planejar-se, se as contas públicas são maquiadas?”. Bem se sabe que o exemplo vem de cima: logo, a cobrança da transparência não tem moral. Que falta que faz um bom castigo como diz Renato Chaves do blogdagovernança.com .
O que houve foi a banalização da governança, de ter esta ferramenta só para constar, não para valer. E provocar interpretações não verdadeiras, aumentando o risco do negócio. Não existe o funcionamento de parte do processo da governança. Meia verdade é uma mentira inteira.
Temos que alimentar o lado bom da governança, acompanhar rigorosamente os descaminhos. De nada vale disseminar algo que não funciona. Hoje ter Conselhos e Comitês nas empresas não significa transparência; é praticamente uma obrigação e também um risco.
Os seres humanos são contraditórios e é difícil satisfazê-los, mas não podemos deixar de tentar melhorar sempre.
É a hora de serem revistas as normas das boas práticas da GC, olhando para o Brasil e sua legislação. Normas realistas, que qualquer empresa, de qualquer segmento, possa exercer com clareza, através de seus executivos e Conselhos.
Eis um novo desafio para os aficionados pela GC e também pelo IBGC, que detém infraestrutura e profissionais qualificados de longa experiência para realização desta empreitada. Vamos refletir com sinceridade e coragem. Mãos à obra.
*Conselheira Independente, certificada pelo IBGC, Diretora de
Governança Corporativa da SBM Consultoria & Associados
Governança Corporativa da SBM Consultoria & Associados