Autor: Rubens Barbosa
Fonte de crescimento e de emprego, o comércio
internacional está em meio a significativas mudanças, lideradas por EUAe
China, que procuram ajustar suas políticas externas e comerciais à nova
ordem internacional multipolar. Observa-se hoje a proliferação de
acordos regionais e bilaterais e a multiplicação de medidas restritivas e
protecionistas, em grande parte devidas ao fracasso das negociações
multilaterais da Rodada Doha e ao enfraquecimento da Organização Mundial
do Comércio (OMC).
As limitações políticas e técnicas da OMC refletem as dificuldades
para responder aos desafios surgidos com as novas formas de organização
da produção e de serviços e com a crescente integração dos países às
cadeias produtivas globais. Para voltar a ter um papel central no
sistema de comércio internacional a OMC deveria passar por uma ampla
reforma a fim de ajustá-la às mudanças globais dos novos tempos.
O
processo decisório de uma instituição de 158 membros tornou-se muito
mais complexo, embora os procedimentos tenham continuado com poucas
mudanças em relação a 1995, quando, no momento de sua criação, havia
apenas 76 membros. A questão da cláusula de nação mais favorecida, um
dos principais pilares da OMC e do antigo Gatt, o tratamento
preferencial e diferenciado e o princípio do “single undertaking” (ou
compromisso único) nas negociações multilaterais (nada está aprovado
enquanto todos os acordos não estiverem aprovados) estão sendo
contestados e provavelmente terão de sofrer ajustes para responder aos
desafios emergentes. Novos conceitos como cadeia de fornecimento global e
manipulação das taxas de câmbio terão impacto sobre as negociações
internacionais.
Em reação a essas mudanças, os EUA, a Europa e a Ásia estão avançando
entendimentos para a negociação de acordos de livre-comércio de grande
porte. A Parceria Trans-Pacífica, liderada pelos EUA, concentra 40% do
PIB global e inclui Austrália, Malásia, Vietnã, Cingapura, Nova
Zelândia, Chile, Peru, Brunei, Canadá, México e talvez Japão e Coréia do
Sul. Os EUA já haviam firmado acordos com o Canadá e o México (Nafta) e
mais recentemente com Panamá, Colômbia, Peru, Chile e Coréia do Sul.
A
União Européia, apesar da pesada burocracia de Bruxelas, finalizou
acordo de livre-comércio com a Coréia do Sul e está negociando com
Cingapura e Canadá. E iniciou conversação com o Japão e o Mercosul.
Bruxelas e Washington conversam para avançar os entendimentos de um
mega-acordo de comércio e investimento, chamado de Acordo de Livre
Comércio Transatlântico (Tafta, na sigla em inglês). A Ásia, numa
completa mudança de posição, embarcou numa série de acordos de
livre-comércio regionais, sob a liderança da China e do Japão, inclusive
com países sul- americanos.
Sendo os EUA e a Europa dois dos principais parceiros do Brasil, é
importante entender o significado do Tafta e suas implicações para os
países que ficarem de fora.
A política Sul-Sul dos últimos dez anos, no tocante à África e ao Oriente Médio, pouco resultou do ângulo comercial
A eventual formação de uma área de livre-comércio entre essas duas
regiões englobará três quartos do mercado financeiro, metade do PIB
global e quase um terço do comércio internacional. Grupo de Trabalho de
Alto Nível criado pela União Europeia e por Washington deverá apresentar
ainda neste mês as suas recomendações.
Serão sugeridas, entre outras
regras, a inclusão de serviços e investimentos, compras governamentais,
propriedade intelectual e outras regras gerais de comércio, além da
eliminação das tarifas e barreiras não tarifárias. Haverá um período de
transição durante o qual seriam excluídas as reduções tarifárias de
“produtos sensíveis”e a desregulamentação de “certos setores” em
serviços. Espera-se que as negociações possam começar em meados do
corrente ano.
Evidentemente, essa ambiciosa agenda apresentará dificuldades para
conciliar história, cultura e práticas locais, como padronização, Buy
American Act, patentes farmacêuticas (genéricos), meio ambiente e leis
trabalhistas, sem falar de problemas políticos de outra magnitude, como a
eventual saída do Reino Unido da União Européia.
Os países em desenvolvimento poderão ficar muito afetados pelos
mencionados mega-acordos de livre-comércio, pela exclusão dos
benefícios, por obrigá-los a aceitar compromissos de difícil cumprimento
e pelo fortalecimento do poder internacional dos setores financeiros,
talvez os principais beneficiários desses processos de integração
econômica e comercial.
Nesse contexto de grandes movimentos de transformação no comércio
internacional, o Brasil está sem estratégia de negociação comercial.
Caso os acordos EUA-União Européia (Tafta) e dos EUA com países
asiáticos (Trans-Pacifíc Partnership) sejam concluídos, o Brasil ficará
alijado dos dois maiores fluxos de comércio internacional. A eliminação
de tarifas entre os países- membros desses dois blocos afetará ainda
mais a competitividade dos produtos brasileiros, que praticamente
ficarão excluídos desses mercados.
A política Sul-Sul dos últimos dez anos, no tocante à África e ao
Oriente Médio, pouco resultou do ângulo comercial. A Aliança do Pacífico
(Chile, México, Peru e Colômbia) representou uma ação geoeconômica
importante pela aproximação dos EUA e da Asia.
O Mercosul, que pediu
para ser observador da Aliança, encontra-se em situação de quase total
isolamento. Nos últimos dez anos firmou três acordos de livre-comércio
com Israel, Egito e Autoridade Palestina, além de acordo de preferência
tarifária com a índia e a África do Sul. A negociação do grupo com a
União Européia torna-se crucial para podermos estar sintonizados com
essas transformações globais.
Se as negociações com a Comissão Européia não avançarem, não restará
alternativa ao Brasil, no âmbito do Mercosul, senão fazer um acordo em
separado com a União Européia, para resguardar nossos interesses.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12/02/2013
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