domingo, 24 de fevereiro de 2013

Uma nova perspectiva sobre a Lei de Falências



Por Marcelo Alves Muniz

Após sete anos de existência e de três anos de aplicabilidade fática, a Lei de Recuperações Judiciais e Falências desperta calorosos debates, provocados e defendidos sob o enfoque do devedor.

Tendo como principio basilar a chamada função social da empresa, expressão abstrata e que deve ser interpretada como a defesa de postos de trabalho, geração de riquezas e contribuição para incremento da atividade nacional, ainda que justo, não se deve ignorar o interesse dos credores, os quais, em sua maioria, também são empresas e necessitam de amparo para continuidade e viabilidade de sua própria atividade.

Por meio de uma visão imediatista, criou-se a cultura do oprimido no ambiente recuperacional, na qual as empresas em recuperação são tratadas como vítimas e seus credores tratados como opressores. Tal visão foi criada por vários fatores que transitam entre o preconceito da falência como oportunidade, da cultura profissional de salvar a todo custo a empresa em dificuldade e da visão de nossos parlamentares que visam a implementação de mudanças na Lei nº 11.101, de 2005, para proteção única das recuperandas, como se hipossuficientes fossem. Entendemos que tais fatos aliados a deficiências colaboram para o enfraquecimento da legislação recuperacional e poderá conduzir o diploma à pecha que maculava a antiga concordata.

Grande parte das empresas que entram em recuperação judicial está falida
São situações que entendemos devam ser debatidas para melhoria do ambiente, como a extensão do período de fiscalização. É sabido que a determinação de término do processo pós-aprovação do plano e concessão da recuperação judicial em dois anos se mostra na atual conjuntura como raso e responsável pelas famigeradas carências, que por vezes buscam, apenas, evitar a convolação da recuperação judicial em falência, ou seja, uma vez não cumprido o plano e ocorrido o término do processo, o credor se vê obrigado a ingressar com um novo processo de cobrança para fazer valer o plano aprovado, o que evidentemente gera insegurança e deve ser repelido.

Faz-se necessário também um maior aculturamento para utilização da recuperação judicial. É verificado que grande parcela das empresas que lançam mão do processo de recuperação judicial encontra-se falida, impondo aos credores a responsabilidade pelo insucesso, bem como para o seu soerguimento. Nesta situação, evidenciasse a imposição de descontos estratosféricos, remissão de dívidas, bem como a concessão obrigatória de insumos. Entendemos que a responsabilidade para tanto é o fardo que a sociedade impõe ao falido. Devemos enxergar soluções de mercado, em que as empresas sem condições de sobrevivência devam ser afastadas dando lugar a outras mais prósperas, fato que provocará uma otimização na realização do ativo, uma maior possibilidade de satisfação dos credores e de diminuição da possibilidade de crimes falimentares.

Em contrapartida, as empresas viáveis e que estejam em dificuldades devem deter um planejamento de sobrevivência no período recuperacional, pois é sabido que, uma vez em recuperação, as chances para realização de novos negócios se mostram reduzidas. Tal situação deve ser também inspirada na realidade americana, a exemplo da American Airlines, que programou sua recuperação judicial tendo em caixa o suficiente para as despesas nos 12 meses posteriores ao pedido e que culminou para a criação da maior companhia aérea do mundo, isto considerando a fusão com a US Airways.

Entendemos ainda que os prazos para participação do credor no processo são parcos e somados à forma de comunicação dos atos levam ao credor a uma situação de incerteza, o que provoca distorções gravíssimas entre o valor declarado e o devido. Hipoteticamente, o credor que não observa a relação de credores, e não apresenta tempestivamente sua divergência, amarga uma diminuição sensível de seu crédito, visto que a maioria esmagadora dos planos prevê deságios que oscilam entre 40% a 85% sobre o crédito. 

Assim, a publicidade dos atos deve ser realizada pelo Poder Judiciário e não pelos devedores, prosseguindo o entendimento que uma vez que o crédito embora existente seja omitido pelo devedor este não se submete à recuperação judicial, permanecendo válidas as formas originárias de contratação e direitos de cobrança.

Preocupa a forma com a qual se instituem as assembleias gerais, as quais devem contar com maior publicidade, com a exteriorização das causas subjacentes e de originação dos créditos, bem como com uma atuação imparcial dos administradores judiciais, evitando assim a possibilidade de fraude na listagem de credores e com isso a imposição de planos esdrúxulos. Tais pontos são preocupantes. Seguramente não são os únicos pontos de melhoria, vez que estamos tratando de um diploma inovador e que ainda se encontra em período de maturação. Boas iniciativas, como as decisões proferidas pelas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, devem ser exaltadas, visto que colaboram com a criação de um ambiente saudável e profícuo entre detentores de posições tão antagônicas como o são os credores e devedores.
 
Marcelo Alves Muniz é advogado em São Paulo e especialista em direito empresarial pela PUC-SP
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
 
Fonte: Valor Econômico

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