Sem tradução da declaração de Imposto de Renda para outras línguas,
estrangeiros que moram no Brasil recorrem a ajuda para vencer a
dificuldade da língua. Mesmo tendo de enfrentar uma barreira adicional
em relação aos brasileiros, muitos acham fácil declarar IR no país.
A americana Helen Susan faz a declaração de imposto de renda no país
há mais de dez anos e diz que desde a primeira vez optou por fazer
sozinha. Este ano, no entanto, irá buscar um especialista porque passou a
emitir o Recibo de Pagamento a Autônomo (RPA). “Agora sim será muito
diferente, uma língua estrangeira”, acredita.
Vindo da Inglaterra há quase 20 anos, Richard Booth diz ter tirado o
IR de letra ainda no tempo em que havia declaração em papel. “Não achei
difícil. Eu tive de usar o dicionário, mas o conceito era o mesmo da
declaração da Inglaterra, então eu conhecia o sistema. A matemática é
praticamente a mesma”, diz.
No ano passado, o Brasil concedeu 73 mil vistos a estrangeiros e boa
parte deles terá de acertar as contas com o Leão já na próxima
declaração. A declaração de IR dos estrangeiros é a mesma dos
brasileiros. Devem declarar os estrangeiros que têm visto permanente ou
os que têm visto temporário que ficaram mais de 184 dias por ano no
país. Em 2012, 8.340 estrangeiros receberam vistos permanentes, um
número que mais que dobrou (117%) em relação a 2011.
Segundo a assessoria de imprensa da Receita, o órgão não é obrigado a
ter funcionários que falem outra língua, mas as maiores unidades de
atendimento costumam ter funcionários que falam inglês ou espanhol e a
orientação é que os estrangeiros procurem um que possa atendê-lo.
Para especialistas, a falta de uma versão em inglês ou espanhol da
declaração e de um serviço específico de atendimento da Receita em outra
língua dão mais incentivo à busca de contadores ou empresas que prestam
consultoria a grandes corporações.
“Num primeiro momento, quando não têm fluência em português, eles
dependem de assessoria para entender as regras do IR. Quem não tem
assessoria pode não conseguir cumprir com as obrigações”, diz Leandro
Souza, gerente sênior de capital humano da Ernst&Young Terco, gestor
de uma carteira de cerca de 400 clientes no Rio de Janeiro.
“Eu tenho a impressão que não são os próprios estrangeiros que
preenchem. A gente mesmo tem dúvida, para um estrangeiro que não domina a
língua nem o sistema tributário brasileiro, fica ainda mais complexo”,
diz o tributarista Xavier. “A gente tem clientes do Japão que falam
português, mas normalmente nem tentam fazer o preenchimento. Acho
difícil algum estrangeiro se aventurar a preencher sozinho a
declaração”, diz Xavier.
Sem a barreira da língua, o engenheiro português Hugo Veríssimo, 35
anos, que fez a declaração de IR pela primeira vez em 2012 diz não ter
encontrado dificuldades. “Não tenho filho, dependentes nem muitas
despesas e só tenho uma fonte de renda. Em outras situações, se você tem
várias despesas extras de formação e se elas excedem o valor de
dedução, aí acho que dá mais trabalho”, diz Hugo.
O fato de o sistema tributário e mesmo o sistema de declaração ser
parecido com o português também facilitou a vida dele. “É idêntico, até
mesmo as ferramentas de informática disponilizadas são bem parecidas.
Acaba sendo mais ou menos simples”, conta. E, segundo Hugo, em Portugal o
trabalho era maior já que ele usava a declaração completa – aqui fez no
modelo simplificado.
Tanto Helen quanto Richard pediram ajuda a amigos e conseguiram
declarar o IR. Para Helen, o mais difícil foi a língua, diz: “eu falava
português, mas fazendo a declaração era difícil saber exatamente o que
eram as palavras.”
Richard aponta que o complicado foi entender que é preciso reavaliar o
valor dos bens e o que pode ser deduzido. “Em despesas médicas e
escolares muitas vezes não fica claro o que pode deduzir. Há muitas
zonas cinzas na declaração do Brasil, o que acaba dificultando, na
Inglaterra é tudo muito claro”, diz.
Segundo especialistas, o valor do imposto é um dos maiores sustos dos
estrangeiros que declaram IR no país – o que se agrava por conta das
várias despesas que têm paralelamente ao imposto. “Eles reclamam muito
do tamanho do IR, o que está descontado na fonte e o que tem de pagar a
mais.
Além disso, pagam plano de assistência médica. Eu sempre falo,
isso aqui não é Suíça, seu dinheiro não é só para pagar CDs”, diz Sérgio
Roberto da Silva, especialista em Auditoria Digital da Receita Federal.
O baixo valor e a lista restrita de deduções também é alvo de
reclamações. “Muitas vezes, o valor de uma mensalidade paga por
estrangeiros que vivem no país já equivale ao total que pode ser
descontado”, diz Souza, da Ernst &Young Terco.
A bitributação – ter de pagar imposto no Brasil e no país de origem –
também assusta e traz dúvidas aos estrangeiros que recebem renda ou têm
bens no exterior. “Muitos se assustam, não concordam em ter que
declarar e outros também não se conformam com o sistema de tributação:
acham alta”, diz Roberto Borges, da Athos Consultoria, especializada em
obtenção em vistos de trabalho para estrangeiros que também dá suporte
ao preenchimento da declaração.
Segundo o tributarista Paulo Xavier, a regra no Brasil é a
universalidade da renda, o que significa que não importa de onde vem a
renda, ela tem de ser declarada aqui. “Nesse cálculo entra o acréscimo
patrimonial e toda e qualquer renda auferida no universo”, diz.
Algumas nacionalidades, no entanto, estão dispensadas de pagar duas
vezes por haver convenções internacionais para evitar bitributação. “É
possível que eles até saibam que existe o acordo, mas é difícil
interpretar o acordo, a linguagem é hermética, difícil de entender, não é
só ler o decreto também”, lembra Xavier.
Borges, da Athos Consultoria, diz que alguns estrangeiros se
surpreendem com o recolhimento mensal de IR, por estarem costumados a
acertar a pagar todo o imposto no fim do ano, como é o caso da Holanda e
da Alemanha. “Alguns acham bom por se programar, mas outros não, por
estarem acostumados com seus países de origem”, aponta.
Em 2012, a Athos prestou assessoria ao IR para cerca de 15
estrangeiros, entre eles portugueses, holandês, alemão, norte-americano,
britânicos. O escritório em que o advogado tributarista Paulo Xavier é
sócio praticamente só atende empresas de capital estrangeiro e, às
vezes, recebe consultas relacionadas ao IR.
Simone Cunha
(G1 – 21/02/2013)
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