Fontes paralelas aos empréstimos bancários oficias proliferam no país; endividamento pode provocar a próxima crise do subprime
04 de fevereiro de 2013 | 2h 06
CLÁUDIA TREVISAN, CORRESPONDENTE /PEQUIM - O Estado de S.Paulo
A China conseguiu evitar um pouso forçado de sua economia
no ano passado, mas agravou o risco de enfrentar no futuro uma crise
financeira com ingredientes semelhantes à da que abalou o mundo em 2008,
incluindo pitadas de "subprime" e "esquemas Ponzi".
A reação do Produto Interno Bruto (PIB) foi obtida graças a uma nova
onda de expansão do crédito, alimentada principalmente por fontes
paralelas aos empréstimos bancários formais, empacotadas em inovações
financeiras sobre as quais há pouca - ou nenhuma - regulação e
supervisão. A estimativa do mercado é que os ativos movimentados por
esse sistema "informal" atingiram 30 trilhões de yuans (US$ 4,8
trilhões) no fim de 2012, o que representa cerca de 60% do PIB.
Além disso, a velocidade em que o endividamento total cresceu desde
2008 supera a registrada nos Estados Unidos antes da quebra do banco
Lehman Brothers, em setembro daquele ano, e no Japão dos anos 80,
período que antecedeu o estouro da bolha especulativa que envolveu o
país, afirmam Edward Chancellor e Mike Monnelly, do banco de
investimentos norte-americano GMO. "A economia chinesa se tornou viciada
em crédito e requer volumes cada vez maiores de dívida para gerar a
mesma unidade de crescimento", escrevem ambos em uma das mais
pessimistas análises sobre a situação atual da segunda maior economia do
mundo.
Só em 2012, o volume de novos financiamentos foi de 15,76 trilhões de
yuans (US$ 2,53 trilhões), cifra equivalente a 33% do PIB do país no
ano anterior e ao tamanho total da economia brasileira. A injeção de
crédito já havia sido o principal artifício da China para evitar o
impacto do tsunami financeiro que varreu o planeta a partir do fim de
2008: em 2009, o endividamento do país aumentou em valor igual a 45% do
PIB.
A agência de classificação de risco Fitch estima que o volume total
de crédito saltou de 124% do PIB em 2008 para 190% do PIB no ano
passado, uma alta de 66 pontos porcentuais em quatro anos.
"O pouso forçado parece ter sido evitado, mas a expansão monetária de
2012 elevou a quantidade de crédito na economia chinesa a novos
patamares e intensificou a preocupação da Fitch em relação a um problema
de dívida na China", diz a instituição em nota divulgada há duas
semanas.
Acompanhados tradicionalmente como um termômetro da economia local,
os empréstimos bancários perderam terreno como fontes de financiamento
para outros veículos, muitos dos quais vistos com desconfiança pelos
analistas. Em 2012, as linhas concedidas pelos bancos corresponderam a
52% do total de crédito, depois dos 64% registrados no ano anterior e
dos 92% de 2002.
O restante do endividamento foi contraído junto a fontes paralelas,
que o Banco do Povo da China começou a monitorar no primeiro semestre de
2011, quando cunhou a expressão "Financiamento Social Total" (TSF, na
sigla em inglês).
Além dos empréstimos bancários em yuans, a definição inclui
categorias como investimentos oferecidos por empresas de trust, emissão
de bônus corporativos e inovações chamadas de "produtos de gestão de
riqueza" (WMPs na sigla em inglês para Wealth Management Products), que
são fundos criados com recursos de várias pessoas e aplicados de maneira
diversificada.
Em tese, o surgimento de novas opções de investimentos contribui para
a desejada reforma do sistema financeiro e a consequente liberalização
dos juros - a rentabilidade dos produtos "paralelos" é superior à taxa
incidente sobre os depósitos, fixada pelo governo em 3%.
O problema é a velocidade de expansão desses créditos e a ausência de
uma moldura regulatória, observa Bo Zhuang, da consultoria britânica
Trusted Sources. "A China começa a trilhar o caminho de uma crise nos
moldes do subprime", opina, em referência aos créditos podres que
desencadearam o drama de 2008.
Terremoto. Bo Zhuang acredita que o problema poderá ser empurrado por
dois anos, mas deverá provocar um terremoto quando finalmente
transbordar. Segundo ele, a expansão paralela do crédito é resultado de
políticas contraditórias do governo de Pequim: as autoridades querem
estimular o crescimento e, ao mesmo tempo, conter a expansão dos
empréstimos bancários e a inflação e realizar reformas. Em uma situação
de grande liquidez, o resultado é o florescimento de fontes paralelas de
crédito.
Enquanto diminuiu a participação das linhas tradicionais no total de
endividamento, o porcentual dos bônus corporativos passou de 10,6% para
14,3% entre 2011 e 2012. A parcela dos trustes foi de 1,6% para 8,2%.
"Eu sou otimista em relação ao curto prazo, mas muito pessimista no
longo prazo", ressalta Bo. Para os analistas do GMO, o governo parece
estar prestes a perder o controle sobre o sistema de crédito, o que pode
atingir o próprio modelo que gerou o espetacular crescimento das
últimas três décadas.
"O 'Capitalismo Vermelho', que é a habilidade das autoridades
chinesas de direcionarem a enorme poupança do país para seus próprios
fins, enfrenta uma ameaça existencial", escreveram Chancellor e
Monnelly.
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