Infraestrutura
Plano apresentado pela
EPL em Nova York mostra que retorno continua igual - e que a maior
atratividade dos projetos é atribuída apenas ao aumento do prazo das
concessões
Naiara Infante Bertão
Para associação do setor de ferrovias, é possível que regras mudem novamente
(Edsom Leite/Ministério dos Transportes)
O Palácio do Planalto tem alardeado que as condições de investimento em
projetos de infraestrutura no Brasil estão melhorando e possibilitarão
mais ganhos aos investidores. Para divulgar essa ideia, uma comitiva de
ministros e funcionários do alto escalão do governo foi a Londres, na
Grã-Bretanha, e agora a Nova York, nos Estados Unidos, com o intuito de
convencer grandes grupos estrangeiros da rentabilidade que se esconde em
obras como estradas, ferrovias, portos e aeroportos no Brasil. O
problema é que a taxa de retorno de tais investimentos - o cerne da
questão da falta de investidores de infraestrutura no país - foi e
continua sendo muito baixa.
Recentemente, o governo anunciou
taxas mais vantajosas, como os 17%
de retorno ao ano para o dinheiro investido nas rodovias. A mudança é
brutal se comparada aos 5,5% de retorno ao ano anunciados em 2012,
quando houve o lançamento do pacote de privatização das rodovidas.Teria
ocorrido, então, uma mudança de cálculo dentro do governo para garantir
tamanho aumento nos ganhos do setor privado, ou será essa mais uma
medida "criativa" da gestão de Dilma? Como a criatividade tem sido marca
registrada do governo petista - desde os idos de Lula -, a mágica
também está presente nessa repentina melhora dos ganhos.
Em vez de mexer na matemática na hora de calcular a melhor taxa para o
setor privado, o governo decidiu mudar a comunicação dos projetos.
Inicialmente, a apresentação enviada pelo Palácio do Planalto a
investidores mostrava a Taxa Interna de Retorno (TIR), que pode ser
considerada a remuneração líquida do investimento.
Agora, o truque é
mostrar a TIR alavancada, que traz embutidos o prazo da concessão e as
condições de financiamento - ou seja, o custo do capital que será usado
no projeto. A TIR alavancada sempre é maior do que a não-alavancada.
Isso ocorre porque, ao financiar um projeto, o empreendedor não usa
apenas seu capital próprio e passa a utilizar dinheiro de terceiros, por
meio de financiamentos, beneficiando-se de juros muito inferiores à
rentabilidade do projeto, como é o caso das linhas do BNDES para os
pacotes de infraestrutura. Ao reduzir sua exposição de capital, ele
também pode fazer a dedução fiscal dos juros pagos ao financiamento. Com
isso, reduz a carga fiscal do projeto, aumentando o retorno sobre o
capital investido.
O problema é que não há garantias de que a TIR alavancada realmente
chegue aos patamares calculados antes do início dos projetos, pois
fatores macroeconômicos e regulatórios podem minar tais ganhos atrelados
ao financiamento. Inflação mais alta do que o esperado ou problemas em
obter o crédito de longo prazo junto ao BNDES são alguns exemplos de
desafios que colocam em xeque a TIR alavancada de um projeto. "Quem
garante que o BNDES aprovará toda a porcentagem de crédito?", questiona o
economista Raul Velloso, especializado em contas públicas.
No caso do pacote de rodovias, por exemplo, a TIR não-alavancada está
entre 5% e 8% ao ano, enquanto o retorno com alavancagem pode chegar a
até 17% ao ano, conforme propagandeia o governo. “A TIR alavancada de
rodovias nunca foi calculada pelo governo em seus estudos de
viabilidade, mas era calculada pelos licitantes interessados nos
projetos. E, mesmo antes, ela estava nessa faixa de 12% a 15% ao ano",
afirma Massami Uyeda Junior, sócio do escritório de advocacia Arap,
Nishi & Uyeda.
Como se a economia do Brasil fosse imune a qualquer problema, os
maestros da política econômica calculam o retorno do investimento sem
qualquer risco. O cenário idealizado pelo governo é sempre perfeito, sem
a possibilidade de um 'pibinho', inflação alta ou de uma eventual
subida dos juros. A ideia de paraíso proposta pelo Palácio do Planalto
também descarta a burocracia para a aprovação de projetos, que precisam
vencer as barreiras de Brasília em busca de carimbos de todos os tipos.
Tudo acontecerá no prazo, garante Brasília aos investidores.
Não é difícil encontrar a explicação para a mudança na comunicação do
governo e a repentina preferência pela taxa de retorno alavancada. Com o
desinteresse dos empresários brasileiros em participar dos primeiros
leilões do setor de transporte, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o
presidente da Empresa de Planejamento Logístico (EPL), Bernardo
Figueiredo, anunciaram mudanças nas regras das licitações. O prazo de
vigência dos contratos de
concessões rodoviárias subiu de 25 para 30 anos, enquanto o de
ferrovias passou de 30 para 35 anos.
O prazo de financiamento das rodovias também saltou de 20 para 25 anos,
sendo que o pagamento só terá de ser feito a partir do sexto ano de
contratação do empréstimo - a carência é de 5 anos.
Segundo o governo, o
porcentual de linhas de crédito do banco de desenvolvimento para compor
os investimentos em concessões de ferrovias e rodovias é de 65% a 80%.
Todas essas mudanças mexem no prazo e nas condições de financiamento,
dois dos fatores que impactam diretamente na taxa de retorno alavancada.
Ao ver que os números dessa taxa sempre ficam maiores, o governo não
teve dúvidas em trocar o retorno que deveria ser divulgado aos
investidores. “Essa mudança da TIR é hipotética e improvável", afirma
Raul Velloso.
"Com a TIR alavancada, no melhor cenário possível, as
concessionárias vão olhar para trás e perceber que obtiveram uma taxa de
retorno melhor do que a anteriormente proposta porque terão pago menos
juros, com prazos maiores de financiamento e maior tempo de retorno, já
que a vigência dos contratos aumentou. Mas esse cenário é pouquíssimo
provável. É irreal", argumenta Velloso.
Ferrovias - Um termômetro da falta de interesse dos
investidores com as condições atuais das privatizações está no setor
ferroviário. A reclamação principal é o retorno incompatível com a
necessidade de investimento no remodelamento da infraestrutura. O pedido
é que o governo revise novamente as regras este ano e não copie as
condições de outro setor.
“O setor ferroviário precisa ter tratamento
diferente porque o retorno de investimentos virá muito tempo depois dos
outros”, diz Rodrigo Vilaça, presidente da Associação Nacional dos
Transportadores Ferroviários (ANTF). Ninguém critica a iniciativa de
expansão da malha e a mudança no modelo de utilização das ferrovias, mas
falta esclarecimentos básicos para quem ficará ligado a um contrato por
muito tempo. É justamente essa falta de clareza que incomoda os
investidores - e que mostra que o governo vem, com alarde, anunciado
mudanças naquilo que continua igual.