Empresa mais endividada do mundo, segundo um relatório do Bank of America, a Petrobras saiu "aliviada" do leilão
Dívidas
e uma incerteza sobre geração de caixa alimentam o ceticismo do mercado
sobre os fundamentos da Petrobras para levar adiante a tarefa hercúlea
de explorar a maior bacia petrolífera do país, o campo de Libra.
Empresa mais endividada do mundo, segundo um relatório
do Bank of America, a Petrobras saiu "aliviada" do leilão, consideram
analistas. O governo tachou a concessão de um "sucesso".
Mas os desafios no médio e no longo prazo permanecem.
Com um volume recuperável (o óleo disponível) estimado em 8 a 12 bilhões
de barris, Libra deve requerer investimentos da ordem de US$ 80 bilhões
nos dez primeiros anos, segundo estimativas de mercado.
Ao longo dos 35 anos de contrato, calcula-se que Libra
necessite de cerca de US$ 200 bilhões em investimentos. A Petrobras
afirma que "as estimativas sobre volume de óleo recuperável, custos e
investimentos e cronograma dos sistemas de produção desse bloco serão
oportuna e paulatinamente divulgados".
Mas se a estatal trabalhar com estimativas semelhantes,
isso significa que lhe caberia desembolsar US$ 32 bilhões só na próxima
década (proporcionais à sua participação de 40% no consórcio vencedor). A
empresa também terá de pagar à União R$ 6 bilhões referentes ao bônus
de assinatura do contrato.
Altos investimentos, grandes dívidas
Para lidar com os desafios do pré-sal, a Petrobras divulgou um
ambicioso plano de investimentos de US$ 237 bilhões nos próximos cinco
anos, época que compreenderá a fase de exploração do campo de Libra.
Três em cada cinco dólares (mais de US$ 147 bilhões) do
plano de investimento 2013-2017 serão direcionados para a área da
produção e exploração. Mas a presidente da empresa, Graça Foster, disse
que os recursos a serem desembolsados nos dois primeiros anos serão
pequenos.
"Por estar ligada à União, é difícil a empresa não
cumprir com esses investimentos. Um dos temores do mercado é que a
empresa não sustente esse modelo e precise de mais caixa para tocar os
seus planos", disse à BBC Brasil o analista da corretora Ativa, Marcelo
Torto.
No início deste mês, a agência de avaliação de risco
Moody's rebaixou os títulos da Petrobras - e os colocou em perspectiva
"negativa" - citando fatores como alto endividamento e problemas de
caixa para balizar sua decisão.
O vice-presidente sênior da agência, Thomas Coleman,
apresentou estimativas de endividamento da empresa que incluem uma
relação dívida-lucro antes de juros, impostos, depreciações e
amortização (o resultado operacional da companhia) de 3,8 vezes.
Esse significa, em outras palavras, que as dívidas da
empresa são quase quatro vezes mais altas que a sua capacidade de gerar
caixa - o indicador mais alto entre as petroleiras, enfatizou a Moody's.
Segundo um relatório do Bank of America, a Petrobras é a
empresa mais endividada do mundo - mais do que qualquer outra
corporação não-financeira em países emergentes ou industrializados. Sua
dívida de US$ 112,7 bilhões supera as da China State Grid (US$ 104
bilhões) e Verizon (US$ 98).
Em uma observação positiva, a agência disse que a
empresa conta a seu favor com grandes reservas de petróleo, um
significativo potencial de crescimento e "apoio implícito" do governo.
Peso no balanço
Completando a
equação das dificuldades da empresa, estão as preocupações sobre como a
corporação vai gerar caixa para pagar essas dívidas e implementar o
plano de investimentos.
O fator que os analistas mais acompanham são os
prejuízos da empresa na área de abastecimento do mercado interno, já que
a estatal, com infraestrutura de refino já perto da capacidade máxima,
precisa comprar combustível no mercado externo a preços internacionais e
revender dentro do Brasil a valores mais baixos, para obedecer à
política de controle de preços.
No primeiro semestre deste ano, enquanto a área de
exploração e produção registrou um lucro de R$ 18,9 bilhões, por
exemplo, a área de abastecimento deu prejuízo de R$ 6,8 bilhões.
Por causa de reajustes de combustíveis desde meados do
ano passado, além de um maior processamento nas refinarias, o prejuízo
da área de abastecimento foi 40% menor no primeiro semestre deste ano
que no mesmo período do ano passado.
Mas essa continua sendo uma pulga na orelha, e os
analistas permanecem atentos a sinais de que o governo possa permitir
novos repasses de preços para o consumidor - um tema delicado no momento
em que a inflação já beira o teto da meta.
Graça Foster disse que o governo "não tem data" para
reajustar combustíveis. Ela frisou ainda que a empresa tem capacidade de
pagar os R$ 6 bilhões do bônus de assinatura sem necessidade de
reajuste nem aportes do Tesouro.
Escrutínio
As preocupações devem
manter a Petrobras sob escrutínio do mercado nas próximas décadas. Em
2010, a Petrobras fez uma captação recorde de US$ 70 bilhões no mercado,
e os analistas creem que, se for necessária, uma nova captação poderia
ser entendida como um sinal das dificuldades financeiras da empresa.
O leilão de Libra foi considerado um bom resultado para a
empresa porque foi, relativamente, menos oneroso do que poderia ter
sido. Mas a analista de petróleo e gás da corretora Itaú BBC, Paula
Kovarsky, ainda assim observou que a exploração de Libra
"inevitavelmente deslocará projetos mais lucrativos" para a Petrobras.
Antes do leilão, o temor do mercado era que a companhia
fosse obrigada a entrar em um consórcio com uma participação acima de
40% e possivelmente pagando mais do chamado "petróleo-lucro" que o
mínimo de 41,65% estipulado nas regras. "Foi dos males o menor para a
Petrobras, o que justifica a reação positiva do mercado", escreveu Paula
Kovarsky no seu relatório para investidores.
Há consenso no mercado que, sem mudar o atual formato, a
exploração do pré-sal será lenta - mais que o necessário, dizem os
críticos - para que a empresa tenha de tempo de pôr os projetos em
marcha. Calcula-se que toda a área do pré-sal demande investimentos da
ordem de R$ 500 bilhões para ser explorada. A ANP afirmou que não tem
planos de realizar nenhum outro leilão no ano que vem, só em 2015.