terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Transição da hegemonia mundial dos EUA para China já começou, destaca professor


Em entrevista à Rio Bravo,  professor da FGV destaca que em muitos países o gigante asiático já é a grande referência no lugar dos americanos
 
 
Transição da hegemonia mundial dos EUA para China já começou, destaca professor

SÃO PAULO - Muito se fala sobre a diminuição da influência da maior economia mundial, os Estados Unidos, sobre os países menos desenvolvidos. Porém, essa tendência, que ainda parece estar em fase de consolidação - uma vez que o gigante ainda exerce um grande papel sobre a geopolítica mundial -, já se transformou em realidade para muitas nações, que possuem uma nova referência.

E esta referência é a China, que caminha cada vez mais para se tornar cada vez mais influente no quadro político-econômico global, o que aponta para um movimento de transição da influência de Washington para Pequim, a capital chinesa. É o que destaca Oliver Stuenkel, professor adjunto de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Oliver Stuenkel é graduado pela Universidade de Valência, na Espanha, fez seu Mestrado em Políticas Públicas na Kennedy School of Government de Harvard, e Doutorado em Ciência Política na Alemanha. Em entrevista para o podcast da Rio Bravo Investimentos, Stuenkel detalha a crescente influência dos chineses na África, onde muitos líderes já enxergam o gigante asiático como modelo econômico. O professor destacou ainda a influência da internet que, ao invés de fazer o regime chinês mudar, foi "domada por ele".

O economista ainda destacou os temores com a questão Síria e os paralelos já traçados por alguns entre o ano de 2014 e 1914, quando teve início a Primeira Guerra Mundial. Confira a entrevista completa:

Rio Bravo - Muito se tem falado de paralelos que existem entre 1914, o ano em que começou a Primeira Guerra, e 2014. Que paralelos são esses, exatamente?

Oliver Stuenkel - Na verdade são muitos. Primeiro é que em 1914 a gente tinha uma potência importante que era o Reino Unido, que concentrava o poder econômico e militar da época e que tinha desenhado e controlava as regras da ordem da época. Ao mesmo tempo, tinha uma potência emergente, a Alemanha, que não estava satisfeita com a Ordem Internacional, não aceitava a Inglaterra nessa posição central, e que crescia mais rapidamente do que Reino Unido e, em termos militares, investia muito na sua capacidade, que aos poucos ameaçava a liderança britânica. Historicamente, transições de poder têm altíssimo risco de conflito, porque o sistema internacional geralmente é controlado pela potência mais forte. Então, essa potência dita as regras e normas e a nova potência geralmente tem o interesse de mudar essas regras e se impor também, e isso pode levar, como muitas vezes levou, historicamente, a um conflito.

De fato, existem evidências históricas de que os Estados Unidos quando superaram a Inglaterra como principal potência, tinham planos de acelerar essa transição de poder por meios militares, invadido, por exemplo, o Canadá, ou seja, atacando alguns outros países, enfraquecendo a Inglaterra, caso a Inglaterra não aceitasse o novo líder dos Estados Unidos. Mas, de fato, a Inglaterra aceitou essa liderança. Agora a gente está em uma situação parecida, porque a ordem ainda é controlado pelos Estados Unidos, que dita as regras e normas claramente, todos os conceitos, ideias que nós temos sobre a Ordem Internacional foram feitas, criadas e sustentada pelos Estados Unidos. De fato, há uma ordem americana na qual vivemos que foi criada depois da Segunda Guerra Mundial.

Só que a China aos poucos está crescendo tanto e não está plenamente satisfeita com essas regras, quer atuar de maneira mais independente e, pela primeira vez agora em 100 anos, a gente vai ter de novo uma transição de poder, porque a China superará a economia americana e ninguém sabe em que medida a China continua aceitando essa regras dos Estados Unidos, que já não ocupam esse lugar importante. Isso é um grande dilema, porque por um lado a China tem muitos benefícios da ordem atual, livre comércio, proteção militar dos Estados Unidos, que assegura a segurança das vias marítimas, por exemplo, e ao mesmo tempo a China não está afim de permanecer dentro de uma ordem controlado pelos Estados Unidos.

RB - Mas em relação a comparação específica do ano, 1914 e 2014, há eventos que já aconteceram esse ano que mostram algum paralelismo?

OS - Não, na verdade, é mais estrutural mesmo que a gente tem essa paralela da potência emergente e da hegemônica que está em declínio. Claramente, a Inglaterra estava em declínio e os Estados Unidos hoje não crescem mais tão rapidamente, mas a gente tem uma série de outras paralelas. Uma, por exemplo, é a importância do nacionalismo, que quando a gente olha a história da Europa daquele ano, a gente vê que o nacionalismo levou os líderes a tomar decisões muito erradas ao se calcular e isso dificultou o processo de frear esse processo que parecia quase inevitável, todos os países entrando no conflito. Então, isso a gente também vê na China, onde o nacionalismo é utilizado como uma arma para se impor na região.

RB - Vamos falar da China. A ascensão da China e suas aspirações regionais vão gerar muita volatilidade?

OS -A gente tem que lembrar de uma coisa: a partir de agora a China representa o principal polo econômico na economia mundial. Então, qualquer instabilidade política na região da China pode, gravemente, afetar a economia global. A China estabeleceu uma chamada zona de identificação de defesa aérea e aumentou essa zona. Agora essa zona inclui uma série de ilhas que pertencem oficialmente ao Japão. 

A China também disse que essas ilhas na verdade fazem parte da China. Então, existe lá um potencial conflito e quando a China anunciou essa zona os Estados Unidos entraram com aviões nessa zona para mostrar que de fato isso é um ato ilegal, mesmo assim, em uma situação de tensão, isso pode ser visto como uma agressão militar americana contra a China. Então, mesma essa possibilidade aumenta o risco político, aumenta o risco para investidores, então o fato da gente ter um deslocamento de um centro econômico mundial de uma zona pacífica dos Estados Unidos e Europa para uma região de um possível conflito, sim aumenta claramente a volatilidade.

RB – Vamos falar dessas ilhas. Colocando na balança todo o comércio que China tem com os EUA, toda a relação de capitalismo que existe os dois países, e, colocando de outro lado essas ilhas, que podem, e tem um sentido simbólico para a China, a primeira coisa não pesa mais que a segunda?

OS -Foi exatamente isso que todo mundo pensava há 100 anos. Existe um livro que se chama " A Grande Ilusão da Época", que mostrava um pouco que a elite global pensava que um conflito entre a Inglaterra e a Alemanha era impensável, porque eram os dois países mais integrados comercialmente. Ou seja, o comércio, as elites econômicas dependiam um do outro. Os filhos da liderança política alemã estudavam em universidades britânicas, ou seja, havia uma conexão cultural muito forte. Da mesma maneira também existe um comércio muito forte entre a China e os Estados Unidos, entra a China e o Japão, mas a história nesse sentido nos ensina que o comércio não é garantia que possa assim assegurar que não aja um conflito. É justamente nisso onde o nacionalismo entra. Um conflito em uma guerra pode ser, sobretudo em um país autocrático como a China, utilizado como um pretexto para desviar a atenção pública, que está focada, por exemplo, em corrupção, em problemas ambientais, em crescimento baixo.

Então, existe uma possibilidade em um cenário real de que a China, em algum momento, para fortalecer o nacionalismo, unir o povo e reduzir a crítica ao governo, de fato, lançar um pequeno conflito, que depois pode virar algo muito maior. É inacreditável quantas vezes eu conversei com pessoas intelectuais da China, com pessoas com ótima formação e etc. que falavam que, de fato, é inaceitável para a China ceder essas ilhas ao Japão e também lembrando que o fato de ceder essas ilhas para o Japão pode causar outras rebeliões, em outras regiões da China como o Tibete, como Xingjian, que de fato pode pôr em perigo todo a grande narrativa da união territorial da China.

RB - A China está no meio de uma desaceleração do crescimento. Como é que o crescimento econômico na China se relaciona com a estabilidade do regime lá?

OS - O governo chinês, o partido comunista, concentra todo o poder político e o cidadão chinês, neste momento, não tem nenhum direito político porque o consenso é que o sistema político autocrático atual é a melhor maneira de assegurar um alto crescimento econômico. Isso quer dizer que um cidadão chinês aceita a legitimidade do partido comunista só se, de fato, esse partido consegue entregar esse autocrescimeto que tem tirado milhões e milhões de pessoas da pobreza. Ou seja, a gente viu o maior programa de redução de pobreza na história da China, com mais de 110 milhões de pessoas entrando na classe média.

RB - Não nos dão liberdade, mas nos alimentam.

OS - Exatamente! E nos alimentam muito bem, ou seja, realmente houve uma transformação inédita da sociedade chinesa ao longo das últimas décadas. Agora, se o crescimento chinês ficar mais baixo, a gente está falando mais ou menos de uns cinco ou seis por cento eu acredito que haverá muito mais protesto, muito mais vontade do povo de desafiar essa legitimidade porque acredita que o partido não consegue mais assegurar o autocrescimento. Isso claramente pode levar a instabilidade política e a China tem esse histórico, de muitos protestos e isso afetará claramente ao desempenho econômico do país.

RB - É possível para o regime, sabendo dessas tensões, fazer a engenharia de um crescimento maior, mesmo que com mais inflação?

OS -  Existem vários projetos e tentativas do governo mostrar que controla a situação. Eu acho que não, em relação a sua pergunta em relação à inflação, eu acho que a moeda chinesa é vista também como um símbolo de poder e cada vez mais a China tentará institucionalizar o yuan como moeda global.

A gente vê que agora, em alguns países africanos, a moeda chinesa já é a moeda oficial. A gente viu no Zimbábue, por exemplo, que adotou na semana passada o yuan como uma das moedas oficiais, então a China tentará aos poucos convencer outros países a adotar a moeda de câmbio. Então, eu acho que não. 

Acho que o partido tentará, por meio de reformas, manter alta a competitividade da economia chinesa e também de fortalecer o consumo interno, porque a China já não é aquela potência das últimas décadas que só consegue crescer exportando.

RB - Fale um pouco sobre a influência da China na África. A gente ouve falar aqui e ali, mas você pode dar um quadro mais consolidado?

OS - A África tem sido um continente um pouco esquecido pelas grandes potências nos anos 90. Os Estado Unidos, por exemplo, enxergavam a África não como uma oportunidade, mas como um país que precisava de ajuda. Então, toda a maneira como a Europa e os Estados Unidos enxergavam a África era para o meio desse filtro de que é uma região pobre que precisa de ajuda. Isso é, claramente, percebido pelos líderes africanos e a China percebeu isso. Enxergou que a África, hoje em dia, é a última fronteira na economia global e, de fato, na última década é o continente que mais cresceu. Alguns países crescem a taxas anuais de mais de 10%, como a Angola, por exemplo. E a China começou a investir no continente de maneira sistemática, tanto que hoje a maioria dos países africanos têm a China como principal parceiro comercial.

RB - Mas o viés principal desse investimento é busca de garantia de fornecimento de matéria prima?

OS - Principalmente sim, mas a gente deve lembrar que a Europa e os Estados Unidos também utilizavam a África assim. Em alguns países, até os investimentos chineses são mais diversificados. Na Nigéria, por exemplo, onde a Europa tem uma longa história de investir em petróleo e recursos naturais, a China hoje em dia controla setores como o de telecomunicação. Então, isso mostra que a imagem que a gente tem da China na África nem sempre é correta. Nem sempre a China apenas entra na África para roubar os recursos naturais mas, de fato, a China, cada vez mais, tenta mostrar aos cidadãos africanos de que sua influência é positiva, porque em vários países a gente viu protestos contra a China, e como a China se interessa pelo desenvolvimento, pela parceira a longo prazo entende, claramente, que uma presença sem aprovação pública é insustentável.

Agora, uma coisa muito interessante é que cada vez mais líderes africanos enxergam a China como modelo econômico e social e não mais os Estados Unidos. Então, na África, pela primeira vez, a gente vê sociedades inteiras começam a se reorientar e já não olham os Estados Unidos como uma sociedade modelo. Qualquer país em desenvolvimento queria, no fundo, ficar mais parecido com os Estados Unidos, mais parecidos com países europeus, e agora a gente tem vários presidentes que dizem claramente: "Nosso modelo é a China porque a China cresce mais rapidamente, consegue implementar projetos de infraestrutura com muito mais rapidez." Então, a gente vê lá não só uma mudança econômica, mas também uma mudança na liderança sociocultural também.

RB - Que países tem dito isso mais abertamente?

OS - Ruanda, por exemplo, é um país que se desenvolveu rapidamente nos últimos anos, que não é um país democrático, quer dizer, que não tem uma democracia muito vibrante, porque tem um presidente com tendências autocráticas. Mas é claro que olhando, por exemplo, um país como a China e comparando isso com um país como a Índia, todos os observadores enxergam que a China consegue, de fato, implementar, por exemplo, projetos de infraestrutura com muito mais facilidade do que a Índia, por exemplo, porque, como país democrático, precisa consultar representantes dos moradores, é possível entrar na justiça contra o Estado, o que atrasa o projeto. A gente vê o mesmo aqui no Brasil, não é? Então, isso é uma preocupação muito importante, porque isso tem também implicações importantes para o futuro da democracia. A gente, pela primeira vez, vai ter uma país como principal economia do mundo que não é uma democracia. Isso pode fazer com que líderes de países africanos, e também líderes em outras regiões do mundo, considerarem que o modelo chinês é algo mais desejável do que o modelo americano.

RB- Você mencionou Ruanda. Qual é a lista dos países na África, hoje, onde a China exerce maior influência?

OS - A China já tem um grupo muito grande de países onde a China é o principal ator. A gente tem como grande exemplo o Sudão, que é um dos principais fornecedores de petróleo. A China teve uma grande papel em proteger o líder, o presidente do Sudão, Al-Bashir, durante o genocídio que aconteceu no Sudão.
A China, protegendo esse líder que a comunidade internacional tentou isolar, o país sofreu sanções internacionais, mas conseguiu se manter por causa da ajuda chinesa. Isso é um exemplo. Outro exemplo: África do Sul e, como consequência, alguns anos atrás, o Dalai Lama tentou visitar a África do Sul para participar de uma conferência de paz, para encontrar com seu grande amigo Nelson Mandela, e o governo sul-africano não deu visto para o Dalai Lama por pressão chinesa. Então, esses são pequenos exemplos que a gente já vê uma...

RB - Pequenos grandes exemplos.

OS - Pequenos grandes exemplos, mas são coisas do dia a dia na qual, por exemplo, quase nenhum país africano, hoje em dia, reconhece Taiwan, porque isso também pode... Nenhum líder pode receber o Dalai Lama porque ele representa uma ameaça. Então, são muitos países. Eu diria que, a longo prazo, todos os países africanos terão uma relação política e econômica mais importante com a China do que com os Estados Unidos.

RB - Vamos falar sobre a internet e a China. Como é que a internet tem mudado a política interna na China, se é que tem?

OS - Interessante é notar que dez anos atrás, quando a internet começou a chegar nos países em desenvolvimento, e começou de fato criar uma comunidade global que deixava as pessoas de países diferentes se comunicarem e etc., havia uma crença de que a internet poderia ser utilizada como ferramenta para expandir a zona da paz, para promover a liberdade, a democracia, a liberdade de expressão, a imprensa livre e o debate livre, porque a internet não respeita fronteiras, achava-se até essa época. Não se precisa mais de um visto, por exemplo, para conversar com pessoas de outros países pela internet. Então, como consequência, a internet também foi vista como uma possibilidade de democratizar a China, de informar a sociedade chinesa sobre a situação no mundo, de realmente enfraquecer a capacidade que o Estado chinês tinha de isolar os próprios cidadãos.

O que a gente vê agora é que a China, de fato, conseguiu controlar a internet. A internet não conseguiu controlar a China, porque a China emprega mais de 100 mil pessoas que passam o dia inteiro “surfando” na Internet, olhando sites, bloqueando sites, atualizando... Mais de 100 mil pessoas sendo empregadas pelo governo chinês apenas na questão de apagar sites da internet dentro da China. Ou seja, que passam o dia inteiro checando informações que estão sendo publicadas.

RB - O seu blog sobre política externa, um chinês consegue ler?

OS - Não consegue ler. Conseguia ler até eu resenhar um livro sobre a história do partido comunista que é proibido na China. 

RB - É proibido fazer resenhas sobre o partido?

OS - O livro é proibido porque contém partes críticas. Não é um partido democrático. Fala de brigas dentro do partido, e a imagem que o partido comunista quer dar ao cidadão é que só existe uma opinião, não existe briga interna no partido, que é tudo um processo harmônico e democrático. No mesmo dia em que eu publiquei a resenha, de fato, o site saiu do ar. Isso é algo natural. Isso é interessante como a China conseguiu se manter. A gente tinha essa expectativa de que com a globalização tecnológica a China ia se democratizar e se adaptar a essa nova realidade, mas, de fato, não foi o que aconteceu.

RB - Na questão síria, há a Rússia, que impede que os EUA obtenham um consenso na comunidade internacional para uma ação mais decisiva contra o regime Assad. A minha pergunta é: o Presidente Putin representa hoje um problema para a paz e para a governança global?

OS - Por um lado, claramente, a posição russa não tem sido muito construtiva na questão de como solucionar o conflito na Síria. Ao mesmo tempo, a gente precisa tomar cuidado, porque o plano americano de intervir na Síria, fortalecer os rebeldes e de derrubar o governo Assad implica em um risco muito grande porque, de fato, os Estados Unidos invadiram o Iraque, também um país muito fraturado, pulverizado e com muitos grupos que não conseguem estabelecer um consenso nacional sem um ditador.

Então eu acho que existia naquela época, nos dias antes da intervenção, uma pergunta muito importante que os Estados Unidos nunca conseguiu responder de maneira satisfatória: o que havia depois? Os Estados Unidos intervêm, satisfazem, talvez, uma demanda internacional e depois o que vai acontecer? A gente vê agora, por exemplo, 10 anos depois da intervenção americana no Iraque, que o país não é um país democrático, não é um país pacífico e iraquianos morrem todos os dias em ataques terroristas. Então, não se sabe, claramente, se, de fato, a intervenção russa teve um impacto negativo ou positivo.

RB - Mas isso aí parece que leva um corolário, que seria o seguinte: se a comunidade internacional não sabe o que colocar no lugar, é melhor deixar o ditador de plantão lá.

OS - Bom, não temos uma boa solução, não é? A saída do ditador Assad é desejável simplesmente porque ele é o principal responsável pela morte de mais de 100 mil pessoas. Ao mesmo tempo, existe também a possibilidade de que a gente precise reconhecer que, caso o Assad saia do poder, a Síria pode virar um país muito mais radical, governado por radicais que tem como visão estabelecer um governo parecido com aquele que governou o Afeganistão na época do Talibã, que também não é desejável.

Então, realmente, e infelizmente, agora a gente não tem uma possibilidade, ou uma saída perfeita. A minha expectativa é que o Assad seguirá no poder, que ele será crucial, por incrível que pareça, no processo de paz e que isso fortalecerá muito a posição estratégica do Irã e Rússia na região que conseguiram apoiar e manter um dos principais aliados na região, apesar de que um ou dois atrás tudo indicava que ele tinha que sair do poder e tinha seus dias contados.

RB - E, com certeza, os republicanos vão estar falando disso daqui a dois anos em uma campanha eleitoral, dizendo que o Obama fracassou.
OS - Exatamente.

RB  - O novo presidente do Irã [Hassan Rohani] tem tido toda uma retórica de paz e amor. As grandes potências estão comprando essa retórica? E você, acredita?

OS - É interessante que o presidente iraniano utilizou o encontro em Davos como plataforma para apresentar a nova narrativa de que o Irã gostaria de se integrar na comunidade internacional como um ator responsável, que procura a paz, a resolução pacífica das tensões e conflitos, etc. Isso é um passo importante, mas ele é só um primeiro passo. Ao mesmo tempo, eu acredito que existe uma pressão pública no Irã. Faz um tempo que passei algumas semanas no país em 2007, mas, já naquela época, sentia também um cansaço entre a população iraniana que sofre muito com as sanções econômicas. Então, eu acho que existe uma vontade política real no governo iraniano de se reintegrar na comunidade internacional. Agora, ao mesmo tempo, é difícil prever em que medida os Estados Unidos aceitarão essa reintegração e se eles aceitarão que o Irá manterá capacidade, pelo menos, de desenvolver a tecnologia nuclear, não é?

A grande estratégia americana ao longo das últimas décadas tem sido de evitar, sempre, ascensão de uma potência hegemônica regional. O Irã tem um chance real de virar essa potência hegemônica regional se ele se reintegrar na economia global. É o principal país da região que pode exercer muita influência no oriente médio, o que é um problema para o principal aliado dos Estado Unidos, que é a Arábia Saudita. Então, não só é uma questão, vamos dizer, da atividade nuclear do Irã, mas também uma questão de se os Estados Unidos consegue se adaptar a essa nova realidade de uma Irã integrado.

RB - É possível que a tensão que havia sob o presidente anterior [Mahmoud] Ahmadinejad fosse apenas uma questão de estilo, porque ele era um populista, que ele era um boquirroto e isso exacerbou tensões que, na verdade, os aiatolás são menos extremistas do que ele?

OS -  Sim, teve um papel muito importante, sobretudo porque piorou muito a relação entre Irã e Israel, que é um principal aliado americano também, e que exerce uma grande influência sobre a atuação americana no Oriente Médio. Então, sim, o estilo é importante. Acho que não é só o estilo, o governo iraniano terá que fazer concessões reais agora. Não é só uma mudança de estilo. Precisa fazer concessões comprováveis, tangíveis e reais para convencer, não só os Estados Unidos, mas também a comunidade internacional de que o país, de novo, deveria fazer parte da comunidade internacional.
  • Observatório nos EUA; veja as imagens

Otaviano Canuto questiona: o que está "amarrando" o Brasil?

Em artigo para o Project Syndicate, o Brasil está bem posicionado para escapar da sua armadilha do crescimento, só cabe aos líderes aproveitarem a oportunidade ao máximo




SÃO PAULO - É comum ouvir que a economia brasileira está presa, desde a crise da dívida de 1980, numa situação em que não consegue reviver a sua transformação estrutural e crescimento da renda per capita, que havia caracterizado a nação nas três décadas anteriores. Contudo, é nesse cenário que o conselheiro sênior do Banco Mundial, Otaviano Canuto, avalia que o Brasil pode mudar o seu destino, caso faça a combinação certa de políticas econômicas.

Em artigo para o Project Syndicate, Canuto destaca a sua explicação para o "fracasso" do Brasil em alcançar o status de alta renda, junto com outras nações de renda média, que transferiram os trabalhadores não qualificados das ocupações de trabalho intensivo para as mais modernas indústrias de manufatura e serviços.

O economista destaca que, embora estes novos postos não exijam melhoras significativas de habilidades, empregaram níveis mais altos de tecnologia importada de países ricos e adaptadas às condições locais. Com a urbanização, aumentou-se a produtividade total dos fatores, levando a um crescimento do PIB muito além do esperado pela expansão do trabalho, capital e outros fatores físicos de produção, elevando assim a renda do trabalhador.

Porém, avalia Canuto, o próximo estágio é mais complicado, o que pode ser sinalizado pelo fato de que apenas 13 das 101 economias que alcançaram o status de renda média em 1960, alcançaram o status de alta renda até 2008. 

E os países de renda média que procuram alcançar a próxima fase de desenvolvimento já não podem simplesmente importar ou imitar tecnologias ou capacidades existentes, devem construir a própria. Isso requer uma estrutura institucional robusta, como um sistema de educação bastante forte, mercados financeiros bem desenvolvidos e uma infraestrutura avançada, incentivando a inovação e suportando cadeias de abastecimento complexas. Assim, aponta, de acordo com esta lógica, a incapacidade do Brasil para continuar a sua ascensão está enraizada na sua capacidade de mudar seu ambiente institucional. 


Estratégia para resolver problemas


Porém, avalia, enquanto essa avaliação é útil, ela negligencia aspectos críticos da história brasileira, uma vez que a ascensão de três décadas do País ao status de renda média criaram "armadilhas de crescimento". Neste cenário, uma estratégia orientada para resolver estes problemas é tão importante para continuar o desenvolvimento do Brasil.

E, segundo o economista, "a boa notícia é de que os líderes brasileiros parecem entender isso cada vez mais" e que o País já tomou medidas para resolver a primeira armadilha di crescimento: o legado de instabilidade macroeconômica nos anos de 1970 e 1980. Mesmo demorando mais de duas décadas para resolver o problema de forma eficaz, os "ganhos de estabilização" contribuíram para um surto de crescimento em meados dos anos 2000, destaca.

Canuto destaca que o potencial de crescimento do Brasil foi comprometido uma vez que boa parte da população permaneceu na pobreza, com educação inadequada e más condições de saúde, enquanto outros foram alçados à condição de integrantes de uma classe com renda mais alta. O economista destaca que o Brasil vem fazendo progressos nesta área uma vez que, apesar das taxas de crescimento mais baixas, a renda dos 20% mais pobres cresceram 6% na década de 2000, devido às políticas sociais de baixo custo. "Desde que o governo prossiga com a estratégia de redução da pobreza abrangente - incluindo a melhoria do acesso aos cuidados de saúde, serviços financeiros, e educação - a produtividade geral do Brasil deve melhorar nos próximos anos", avalia.

Mesmo assim, aponta, o Brasil possui um longo caminho a percorrer. Para começar, aumentando os investimentos em infraestrutura, além de diminuir os custos de fazer negócios no Brasil, que aumenta o desperdício de recursos humanos e materiais. 

Finalmente, aponta Canuto, o Brasil deve lançar uma revisão ampla dos gastos públicos a fim de melhorar a prestação de serviços. "Os gastos públicos além do que é necessário para financiar as funções básicas do governo compreendem uma parte importante do PIB do Brasil", avalia, ressaltando que os cortes de gastos que que não afetassem os investimentos em infraestrutura permitiriam ao governo para aumentar o investimento nas áreas que mais precisam ou reduzir a carga tributária sobre o setor privado.
"O Brasil está bem posicionado para escapar da armadilha da renda média. Cabe aos seus líderes aproveitar essa oportunidade ao máximo", aponta Canuto.


Fonte: www.portalsoma.com.br


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Camiseta vendida nos EUA usa apelo sexual vinculado à Copa no Brasil

  • Em uma das peças, um coração foi estilizado para parecer com as nádegas com um biquini fio dental
Flávia Pierry
Evandro Éboli


Uma das camisas vendidas em São Francisco com apelo sexual vinculado à Copa Foto: Flávia Pierry / O Globo


Uma das camisas vendidas em São Francisco com apelo sexual vinculado à Copa Flávia Pierry / O Globo
SÃO FRANCISCO, EUA - Camisetas alusivas à Copa do Mundo no Brasil com apelo sexual estão sendo vendidas em lojas da Adidas nos Estados Unidos. Na cidade de San Francisco, na Califórnia, uma loja de produtos da marca no Shopping Westfield, exibia a coleção de camisetas que faz referência às mulheres brasileiras.

Em uma das camisetas, um coração foi estilizado para parecer com as nádegas com um biquíni fio dental. Outra mostra uma mulher voluptuosa de biquíni com o Pão de Açúcar ao fundo. Em cima da imagem o seguinte texto: "Looking to score", um jogo de palavras sobre fazer gols e pegar garotas, com a expressão usada em inglês em referência ao sexo.

As camisetas são vendidas por US$ 25 no modelo masculino e US$ 22 no feminino. Um vendedor da loja afirmou que as camisetas da coleção têm bastante saída, em especial as que mostram a logomarca oficial da Fifa. Questionado se a mensagem nas camisetas incitava o turismo sexual, o vendedor disse que não tinha notado que a estampa tinha conteúdo desse tipo. Ele contou que as duas camisetas fazem parte da coleção que estaria sendo vendida em todas as lojas da Adidas.

A notícia causou indignação no presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), Flávio Dino, que reagiu com veemência à revelação de que a Adidas fabrica e comercializa camisetas vinculando a Copa do Mundo no Brasil a apelos sexuais.

- Não aceitaremos que a Copa seja usada para práticas ilegais, como o chamado turismo sexual. Exigimos que a Adidas ponha fim à comercialização desses produtos - disse Flávio Dino, que continuou. - Lembramos que no Brasil há leis duras para reprimir abusos sexuais e as polícias irão atuar nesses casos no território nacional. O povo brasileiro é acolhedor e temos certeza de que aqueles que nos visitarão irão respeitar o Brasil - afirmou o presidente da Embratur em nota.

O presidente da Embratur informou também que vai trabalhar para que as camisas vendidas nos Estados Unidos sejam recolhidas do comércio.

Por sua vez, a secretária de Enfrentamento à Violência da Secretaria de Políticas Para Mulheres, Aparecida Gonçalves, criticou o comércio de camisetas com apelo sexual e afirmou que não retrata o Brasil de hoje.

- Achei uma campanha (da Adidas) complicada. Para não dizer outra coisa. O legado que o Brasil tem para as mulheres não é esse. Estamos num país em que, efetivamente, as mulheres estão tendo mais acesso e lutando por igualdade. Não vamos aceitar esse tipo de propaganda da Adidas nos Estados Unidos. É inadmissível. Avançamos quando elegemos uma presidente da República mulher, temos partidos políticos que discutem paridade entre homem e mulher no Parlamento; mulheres que estão no mercado de trabalho ocupando espaço nas empresas, que são grandes empresárias, grandes executivas - disse Aparecida Gonçalves.

A secretária afirmou que o ministério discutirá que medidas deve adotar nesse episódio. - Amanhã (terça) possivelmente teremos uma conversa com a Ouvidoria da secretaria para que possamos pensar alternativas, como falar com o Itamaraty e com o Ministério do Turismo.

Dilma estranha contestação da UE a incentivos para indústria brasileira

 

 

24/2/2014 12:50
Por Redação, com agências internacionais - de Bruxelas

Dilma discursou para uma plateia de empresários europeus, nesta segunda-feira
Dilma discursou para uma plateia de empresários europeus, nesta segunda-feira

A presidente Dilma Rousseff disse, nesta segunda-feira, que o governo brasileiro estranhou a contestação da União Europeia (UE) junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a Zona Franca de Manaus e o programa Inovar-Auto.

– Nós estranhamos a contestação pela Europa na OMC, mesmo sabendo que é simplesmente consulta prévia, de programas que são essenciais para o desenvolvimento sustentável da economia brasileira. Eu me refiro a dois programas: Inovar-Auto e ao programa de desenvolvimento sustentável da zona franca de Manaus – disse Dilma durante a 7ª Cúpula Brasil-UE, em Bruxelas.

Dilma argumentou que o programa Inovar-Auto busca o desenvolvimento de inovação tecnológica e tem a participação de empresas dominantemente europeias. Sobre a Zona Franca de Manaus, Dilma assinalou sua “surpresa” pela UE contestar uma “produção ambientalmente limpa na Amazônia, que gera emprego e renda, que é instrumento fundamental para a gente conservar a floresta em pé”, dada a preocupação e comprometimento da Europa com questões ambientais.

Ela ressaltou ainda que a Zona Franca de Manaus “não é uma zona de exportação, é uma zona de produção para o Brasil”. Dilma disse, ainda, que o Brasil deseja que as relações comerciais e de investimentos com a UE sejam as mais amigáveis possíveis e reafirmou seu empenho para que se feche o acordo de associação entre o Mercosul – bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela e Bolívia, que está em processo de adesão – e a UE.

Segundo Dilma, a expectativa é de que a partir da reunião técnica a ser realizada em 21 de março possa ser fixada a data para a troca de ofertas.

– Quero dizer que o Mercosul está fazendo um grande esforço para consolidar a oferta – afirmou.
A presidenta aproveitou para voltar a defender a força dos fundamentos econômicos do Brasil, que o governo vê a disciplina fiscal como condição básica, que a inflação está sob controle e que o sistema financeiro do país é sólido. Isso, somado a grandes reservas internacionais, permitem que o país enfrente as turbulências internacionais.

– O Brasil reúne, a meu ver, condições de contribuir, ainda mais, para o fortalecimento da economia mundial nos próximos anos. Essa confiança decorre, sobretudo, do compromisso de meu governo com um tripé: a prioridade dada às políticas de inclusão social e distribuição de renda e emprego; o compromisso com fundamentos macroeconômicos sólidos e a busca sistemática pelo aumento da produtividade e, portanto, da competitividade do país. O Brasil vem experimentando uma profunda transformação social nos últimos anos. Estamos nos tornando, por meio de um processo acelerado de ascensão social, uma nação dominantemente de classe média – afirmou.


Pacto sem efeito


O Brasil, que integra o grupo dos 20 países mais desenvolvidos no mundo, é um dos signatários da proposta de impulsionar a atividade econômica em 2% nos próximos cinco anos, mas o planejamento tem tantos buracos que não é de se admirar que tenha sido a primeira meta oficial que todos os membros se sentiram satisfeitos em concordar.

Cada país tem até novembro para elaborar seus próprios planos supostamente “concretos”, mas não há nada para forçar sua implementação a não ser a persuasão moral de outros membros. O Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que vai observar o progresso dos planos, mas não tem poderes para obrigar nada ou punir.

O objetivo também é algo em movimento, uma vez que tem como base superar uma estimativa de crescimento que por si só é apenas uma conjectura.

– Nem temos certeza de onde nos encontramos agora em relação ao crescimento. Como conseguiremos julgar se essas metas estão sendo cumpridas? – questionou Michael Blythe, economista-chefe do Commonwealth Bank of Australia.

De fato, os alemães estavam relutantes em assinar qualquer meta dura no G20, mas aceitaram o objetivo de crescimento porque ele não é obrigatório. Outros também destacaram que ele é uma aspiração, não uma promessa fixa.

– Os resultados desse processo não podem ser garantidos pelos políticos – disse o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, após o acordo ter sido assinado no domingo.

E os mercados financeiros não deram muita atenção ao acordo, focando em vez disso nesta segunda-feira nas mesmas preocupações que tinham na sexta-feira – o impacto da redução pelo banco central dos Estados Unidos de seu estímulo e incertezas sobre a performance econômica da China.

“Quatro anos de mais do mesmo é perigoso”


O ex-presidente considera esgotado o projeto político do PT e acredita que seja necessária a entrada de ar fresco: “Chegou o momento da mudança e de gente com uma nova visão”

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. / Bosco Martín

Pai do Plano Real, que acabou com o dragão da inflação e que completa agora 20 anos, e arquiteto, junto com o seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, do período de maior prosperidade e democracia da história do Brasil, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (Rio de Janeiro, 1931) repassa, em conversa com o EL PAÍS, a encruzilhada brasileira neste ano de Copa do Mundo e eleições, enquanto o idílio dos mercados com o gigante sul-americano parecer ter definitivamente acabado.

De uma elegância pessoal e intelectual pouco frequente entre os políticos, o líder histórico do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) considera esgotado, apesar de reconhecer seus méritos, o projeto político do Partido dos Trabalhadores (PT), acredita que seja necessária a entrada de ar fresco nos palácios do poder – “chegou o momento da mudança, e é necessária gente com uma visão diferente” – e expressa sua preocupação de que o Brasil perca espaço no cenário internacional e na América Latina em particular.

Pergunta. Há algum tempo parece que acabou o idílio dos mercados com o Brasil, que a confiança se perdeu. O que está acontecendo?
Resposta. Exageraram sobre os sucessos, como agora estão exagerando com as dificuldades. Nem antes voávamos tão alto, nem agora estamos tão mal. Perdeu-se o ímpeto das condições externas favoráveis e das reformas anteriormente feitas, que na verdade não aprofundamos. Não percebemos que vivíamos uma janela de oportunidade, não um estado permanente. O Governo Lula teve um erro estratégico e outro de gestão. O primeiro foi a crença de que haveria um declínio do Ocidente, o que, salvo o caso da China, é discutível. Acho ótimo que as relações Sul-Sul tenham sido fortalecidas, mas não em detrimento das relações com o mundo ocidental. Além disso, houve também uma espécie de grande ilusão, como se a pedra filosofal tivesse sido descoberta, com o crédito e o consumo como chaves do crescimento. E isso é metade verdade, a outra metade é que falta investimento. Foram paralisadas as reformas e existiu também um temor metafísico das privatizações, o que paralisou o investimento em infraestruturas enquanto havia abundância de capitais.
No Brasil não há nada de socialismo
P. Pelo que o senhor diz, parece que o país está sequestrado pelos preconceitos ideológicos do PT.
R. Sim, acredito que haja algo assim. Não tanto no sentido do socialismo, mas no sentido da ingerência estatal. Aqui não há nada de socialismo. O que há é a visão de que a alavanca governamental pode tudo. Criaram realmente um casamento entre as empresas e os bancos públicos. Eu sempre digo que o que importa é que existam regras de mercado, não de negócios. Negócios não são algo que o governo tenha que fazer.

P. O que além do mais costuma gerar corrupção...
R. A corrupção foi mais grave antes, durante o Governo anterior. A novidade é que a corrupção agora é grupal, e antes era individual, e isso causa uma espécie de absolvição: se é para o partido, então não é pecado. Porém, o mais grave é o descrédito crescente da classe política. O Congresso dá a impressão para o povo de que não discute nada relevante, e que os temas são tratados pelo Executivo. A agenda política nacional é um pouco semelhante à do tempo do regime militar, quando o Governo anunciava projetos de impacto para a sociedade, e o Congresso era mantido à margem.
A novidade é que a corrupção agora é grupal e isso causa uma espécie de absolvição: se é para o partido, então não é pecado
P. Alguns analistas afirmam que o PT confunde partido e Estado.
R. Pois é. A diferença entre o PSBD e o PT não é a política econômica, é a política. A ideia de se a sociedade civil deve ter um papel maior ou menor. Estamos voltando a uma situação que tem raízes profundas no Brasil e no mundo ibérico. No México, quando o PRI assumiu, tinha uma frase que resumia isso, aquela de que “fora do orçamento não há salvação”. Aqui estamos nos aproximando disso. Todos querem ter um pedaço do orçamento, que não é de esquerda nem de direita. É corporativismo e clientelismo.

P. No entanto, parece haver quem queira outra coisa.
R. Sim, as manifestações populares vão nessa direção. Não têm consciência plena de seus objetivos, mas expressam um mal-estar. Não tenho certeza de que o Governo ganhará as eleições. Tem chances de ganhar, tem poder, tem recursos e tudo isso, mas há um sentimento de mal-estar que não é exatamente um sentimento antigoverno ou anti-PT. É um sentimento mais generalizado. Há tanta propaganda de que o Brasil é uma maravilha, do Brasil oficial…, mas existe o Brasil real, que tem problemas. Não é tão mau como antes, melhorou, mas as pessoas querem mais. Querem uma coisa que antes não queriam com tanta ênfase: qualidade e justiça. Não sou pessimista, mas, como pano de fundo, há uma crise mundial da democracia representativa. É uma situação delicada, que exige uma liderança com mais visão.
há um sentimento de mal-estar que não é exatamente um sentimento antigoverno ou anti-PT
P. Recentemente, a diretora do IBOPE nos dizia que há um desejo de mudança na opinião pública, mas que a oposição não conseguia representar esse sentimento.

R. Em um determinado momento, as ideias políticas precisam ter alguém que as expresse. Agora não é possível expressá-las, porque a televisão só informa sobre o Governo. Além disso, há outro fenômeno que ainda não sabemos avaliar, que são as redes sociais, que criam correntes de opinião, com as quais os partidos ainda não sabem lidar.

P. Também existe a sensação de que falta um projeto nacional.
R. É um pouco isso que ocorre. Falta alguém que formule o projeto, de maneira acessível, para a população. É preciso usar uma linguagem mais verdadeira. Aqui as pessoas estão acostumadas a um discurso que não é sincero. A crise não nos afeta, a culpa é do estrangeiro etc. Não. Temos problemas, podemos vencê-los, mas temos problemas. Tomara que algum candidato, espero que do meu partido, tenha a coragem de dizer as coisas com sensatez, de uma maneira que convença as pessoas de que há um caminho. E não é fácil, porque perdemos um bom momento para continuar ajustando o Brasil.

P. O senhor acredita que o Brasil entrará em recessão neste ano?
R. O crescimento será pequeno. Acredito que chegará o momento em que, quem quer que seja o ganhador das eleições, deverá ser feito um ajuste. Provavelmente em 2015. E, seja quem for o governante, passará por momentos difíceis, porque o ajuste sempre é duro. Não sou pessimista sobre o Brasil, porque as bases da economia são boas... Mas isso não significa que o Governo não tenha que tomar medidas. Em termos comparativos, o México está melhor agora porque está vinculado aos Estados Unidos, e os mexicanos estão fazendo algumas reformas. Demoraram muito para fazê-las, mas agora estão fazendo. Há energia e espírito para fazê-las. A Colômbia também.

P. Inclusive o Peru.
R. Sim, os países do Pacífico. O Brasil perdeu importância na América Latina. O que está acontecendo agora na Venezuela. Qual é a palavra do Governo do Brasil?
P. Houve uma declaração do Mercosul…

R. Foi uma vergonha. O Brasil não tem essa posição, não pode ter essa posição. Perde relevância assim. O Governo, desde a época do Lula, tem sido muito temeroso com o que acontece no arco bolivariano, sem se dar conta de que o outro arco, o do Pacífico, está avançando e nós estamos isolados. Acredito que chegou o momento de mudar quem manda hoje. Não digo que eles não possam voltar, nem acredito que tudo o que foi feito estava errado. Não estava. Mas chegou a hora. Quatro anos de mais do mesmo é perigoso. Ainda que nos próximos quatro anos o Governo entenda que precisa fazer coisas, fará contra o seu sentimento mais profundo, e isso não funciona bem.

P. Por que a oposição ainda não consegue se mostrar como algo distinto, como uma verdadeira alternativa?
R. Acho que faltou a convicção de que o que diziam era correto. Houve uma espécie de rebaixamento ideológico. As pessoas acreditaram muito na palavra do PT. É preciso ser mais frontal. Agora há possibilidades porque eles estão agindo mal. Agora há mal-estar, é o momento no qual todos podem escutar outra voz. Tomara que ela exista e que seja ouvida. Hoje, pela primeira vez, vamos para eleições em que setores importantes do Governo passaram para a oposição: Marina Silva e Eduardo Campos. Os dois foram ministros do Lula. Isso significa que provavelmente a diferença de votos tão forte que Dilma obteve no Nordeste e no Norte do país não irá se repetir. Primeiro porque Campos é do Nordeste, de Pernambuco, e tem força ali. Segundo porque a oposição ganhou na Bahia, em Alagoas, em Sergipe, no Piauí, no Pará e no Amazonas. Isso provavelmente diminui a votação de Dilma por lá, e de São Paulo para o Sul nós sempre ganhamos. Aécio Neves tem a vantagem de ter Minas Gerais, que é um Estado forte. A briga estará em São Paulo e, até certo ponto, no Rio de Janeiro. Há melhores oportunidades. Se serão concretizadas ou não depende não só da economia, mas da Copa do Mundo, do sentimento das pessoas, do desempenho dos candidatos. Porque em países como o Brasil, em que os partidos contam pouco, o que conta são as pessoas.

P. Que reformas são prioritárias?
R. A primeira reforma é a política. É difícil imaginar que seja possível um país funcionar com 30 partidos no Congresso e 39 ministérios, é uma receita para a paralisia do sistema. Esse sistema precisa mudar, mas não há força no interior dos partidos que se mova nessa direção. Quando fizemos a Constituição, nunca imaginamos que existiriam 30 partidos, que não são partidos, mas grupos de interesse que buscam participar do saque ao Estado.

P. Já faz 15 anos que se fala de reforma política...
R. A presidenta Dilma tentou fazê-la durante as manifestações de junho, porém não houve uma articulação, houve somente um ímpeto presidencial positivo. Acho que agora é tarde, porque já estamos em campanha eleitoral. É preciso fazê-la antes ou depois. E exige grandeza.

P. Como romper esse isolamento do Brasil na América Latina de que o senhor falou antes?
R. Deve ser rompido com ações, não com palavras, e acho que chegou o momento de uma mudança de Governo. É preciso gente com uma visão distinta. Seria positivo para o Brasil que a oposição ganhasse, não necessariamente o meu partido, mas a oposição. O Mercosul foi positivo, permitiu que ao menos Brasil e Argentina superassem sua relação de tensão, o comércio foi intensificado entre os dois países, mas se estancou. E agora é realmente uma camisa de força, porque a economia brasileira cresceu muito, superando o Mercosul. Teríamos que mudar, mas envolve outra visão estratégica. Que vai acontecer nos próximos 20 anos? Acredito que haverá uma consolidação da relação entre China e EUA, e Europa, e o tabuleiro mundial terá mais jogadores. O problema é que o Brasil tem tudo para entrar nesse jogo, mas também tem tudo para perdê-lo se não se consolidar, atuando, tomando posição na América Latina, por exemplo. Por que não dizer uma palavra sobre a Venezuela, nem a favor nem contra, mas de diálogo, de entendimento?

P. Na relação de Brasil com Cuba, o que pesa mais? A busca de benefícios ou as razões ideológicas?
R. Existem as duas coisas. O que mais me preocupa é por que as coisas não são feitas com mais clareza, por que os acordos são tão secretos. Por si só, que o Brasil esteja se posicionando no Caribe não é ruim. Nunca tive posição anticubana, nunca apoiei o embargo norte-americano. Mas o modo como as coisas são feitas dá a impressão de que há algo mais ideológico do que pragmático.

P. Foi perdida a oportunidade de se entender com Obama?
R. Acredito que sim, mas sou crítico com muitas coisas, por exemplo, com a questão da espionagem, que é inaceitável. Acho que Dilma teve razão quando não foi aos EUA naquele momento, mas eu teria adiado a viagem, e não cancelado. E, em seguida, tomou a decisão sobre os aviões de combate. Na minha época, a Força Aérea era favorável aos aviões suecos, mas por que fazer isso imediatamente depois? Não são gestos construtivos, e isso não quer dizer que o Brasil tenha que se alinhar com os EUA, mas não precisa ter uma atitude antiamericana, porque não corresponde ao mundo atual.

P. O que deve mudar no PSDB para que o Brasil se case novamente com o partido?
R. Acreditar que tem algo de melhor qualidade para oferecer ao povo. Os brasileiros querem padrão global, melhor saúde, melhor educação, melhor segurança, melhor transporte… É preciso demonstrar que é melhor modernizar em benefício do povo do que não fazer nada e fazer demagogia. O candidato deve inspirar confiança. O que falta a Dilma é essa confiança de que ela é capaz de levar o país adiante. Agora por parte dos setores altos e médios, amanhã do povo.

Fundo Gávea já tem R$ 2 bi para comprar Fleury, diz jornal


A fatia do laboratório em posse do grupo de médicos é avaliada em R$ 1,5 bilhõ, mas compra pode ser feita por até o dobro, diz Valor Econômico


Germano Lüders/EXAME
Laboratório do Fleury
Laboratório do Fleury: fundo Gávea já angariou R$ 2 bilhões para comprar a rede

São Paulo - O consórcio formado pelo fundo Gávea, o laboratório Hermes Padini e a Apax já tem 2 bilhões de reais para comprar a rede de laboratórios Fleury, diz jornal Valor Econômico.

A fatia de 41,2% da empresa que está sendo vendida pelo grupo de médicos fundadores do Fleury é estimada em 1,5 bilhão de reais, mas o consórcio está levantando mais dinheiro porque a compra pode ser fechada por mais que o dobro desse valor.

Além do Gávea, os fundos Carlyle, KKR e o Patria, em parceria com a Blacksone, estão interessados na compra. O Bradesco Saúde já possui 16,4% da companhia, mas as chances de adquirir todo o resto são pequenas.

Os médicos fundadores decidiram vender sua participação depois de uma série de resultados ruins apresentadas pelo laboratório. que não está dando a rentabilidade esperada por eles.

Zuckerberg afirma que deixará novas aquisições por um tempo

Sem dúvida, Zuckerberg foi hoje a estrela do congresso mundial de celulares realizado em Barcelona

David Paul Morris/Bloomberg
Mark Zuckerberg , do Facebook
Mark Zuckerberg: o executivo está convencido que, pelas mãos do Facebook, o Whatsapp crescerá até fazer com que o negócio seja rentável

Barcelona - O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, defendeu nesta segunda-feira a compra do Whatsapp, um serviço que considera valer "muito mais" que os US$ 19 bilhões pagos, mas assegurou que a companhia deixará as aquisições por um tempo.

"Após gastar US$ 19 bilhões acho que terminamos por um tempo", disse perante um abarrotado auditório no Mobile World Congress (MWC), onde lhe prestigiaram inclusive o príncipe Felipe, herdeiro da Coroa espanhola, e sua esposa, a princesa Letizia.

Sem dúvida, Zuckerberg foi hoje a estrela do congresso mundial de celulares realizado em Barcelona.
Ali o executivo-chefe do Facebook afirmou que a compra do Whatsapp faz sentido porque as duas empresas compartilham o objetivo de conectar o mundo, mas também por seu valor estratégico.

"Vale muito mais" que o dinheiro pago, comentou.
Zuckerberg está convencido que, pelas mãos do Facebook, o Whatsapp crescerá até fazer com que o negócio seja rentável. 

"Posso estar errado? Não acredito (...) Será um negócio enorme ", assegurou.

O executivo insistiu que a aquisição não se traduzirá em nenhuma mudança para os usuários do Whatsapp e reiterou que seus dados e conversas continuarão não sendo armazenados em servidores e que nenhuma publicidade será introduzida.