Quando a empresa de serviços de tecnologia Tivit anunciou a compra da
chilena Synapsis, em agosto deste ano, toda a operação havia sido
planejada dentro de casa. O objetivo, o preço e a estrutura do negócio
foram definidos por uma equipe da própria empresa, sem a assessoria de
um banco de investimentos ou de uma butique financeira.
"A Tivit conhece bem o seu setor e faz muitas aquisições. Não havia
necessidade", afirma o diretor de desenvolvimento corporativo da
companhia, André Frederico. Por isso, nem mesmo o fato de a Synapsis ter
sido o maior negócio de sua história - num valor de R$ 330 milhões -
fez a empresa pensar em recorrer a um assessor financeiro externo.
Casos como esse estão em alta no Brasil. Levantamento feito pela britânica Dealogic a pedido do Valor
mostra que nunca foi tão significativo o número de fusões e aquisições
de médio e grande portes em que o comprador lançou a operação sem ajuda
de um assessor financeiro. De acordo com o estudo, 64% das transações de
mais de US$ 100 milhões anunciadas neste ano no país foram estruturadas
sem auxílio externo. Juntas, essas operações somam US$ 18,8 bilhões.
Esse percentual nunca foi tão alto, aponta a série histórica iniciada em
1995.
O número chama ainda mais a atenção num ano em que o mercado de
capitais - a mais importante fonte de receitas para os bancos de
investimentos - não teve um grande volume de operações até agora.
A tendência de dispensar os serviços de um assessor financeiro é mais
forte entre grandes companhias globais, acostumadas a ir às compras, e
em setores com histórico de fusões e aquisições, como o de tecnologia.
Algumas empresas acabam criando times próprios para avaliar passos
estratégicos. O frigorífico JBS é uma delas e atuou dessa forma na
compra da Tyson Foods, anunciada no fim de julho. Procurada pelo Valor, a companhia não deu entrevistas alegando estar em período de silêncio devido à oferta inicial de ações da unidade JBS Foods.
Na Tivit, a equipe de fusões e aquisições comandada por Frederico
conta com mais duas pessoas. Antes da empresa de tecnologia, o executivo
trabalhou no Merrill Lynch (depois adquirido pelo Bank of America) e
pela gestora de fundos de private equity Pátria Investimentos. "Ajuda a
ter a uma visão dos dois lados", diz.
As aquisições não assessoradas também estão em alta nos Estados
Unidos, onde a crise levou muitos bancos a reduzir suas equipes de
fusões e aquisições e arranhou a confiança nas instituições financeiras.
Aqui, os motivos são outros. Para Alessandro Farkuh, diretor
responsável pela área de fusões e aquisições do Bradesco BBI, operações
fechadas sem assessor são "um sinal de maturidade do mercado
brasileiro". Companhias do país fizeram investimentos nos últimos anos e
ganharam experiência para agir sozinhas em algumas situações, afirma.
"A barra vai ficando mais alta à medida que as empresas se tornam
mais sofisticadas", reitera Roberto Barbuti, corresponsável pelo banco
de investimentos do Bank of America Merrill Lynch (BofA) no Brasil.
Diferentemente do que ocorre numa emissão de ações ou dívida, em que é
necessária a intermediação de uma instituição financeira, nos processos
de fusões e aquisições a contratação de um banco para estruturar a
operação é opcional. "Se a empresa não vê valor, não é obrigada a chamar
ninguém", diz Barbuti.
O trabalho de um assessor financeiro é caro - até porque, muitas
vezes, leva mais de um ano para ser concluído. As comissões pagas pelas
empresas muitas vezes não vão muito além de 1% do valor da aquisição,
mas podem chegar a até 15% em casos específicos. Por isso, o custo é um
fator que pesa na decisão das companhias.
Muitas acabam optando por contratar um banco apenas nos casos em que a
intenção é vender, e não comprar um ativo. "Na venda, o assessor é
fundamental para organizar o processo, encontrar candidatos, e deixar a
empresa livre para tocar o dia a dia", afirma Farkuh, do Bradesco BBI.
Também houve, nos últimos anos, um aumento da presença de fundos de
private equity nas fusões e aquisições brasileiras. À medida que
conhecem melhor o mercado local, alguns gestores dispensam os serviços
de bancos e butiques financeiras, já que têm internamente ferramentas
para analisar os negócios. É o caso da própria Tivit, controlada pela
britânica Apax Partners.
"Estruturamos os negócios internamente, mas entramos muito a fundo na
análise com a ajuda de advogados, para fazer a assessoria legal, e de
auditores, que fazem a due diligence [na empresa-alvo]", diz Frederico,
da Tivit.
Para conquistar clientes, os bancos apostam em "provocar" mais as
empresas, levando ideias de operações que nem sempre estão no radar
delas. "O que a gente faz é oferecer uma leitura mais ampla do mercado,
discutir como o investidor vai receber aquela operação, analisar o
impacto no capital da companhia", afirma Barbuti.
Oferecer financiamento para as operações também pode fazer diferença.
"O relacionamento comercial e de crédito com os clientes não faz a
diferença sozinho, mas ajuda", diz Farkuh.
Um banqueiro que preferiu não ser identificado afirma que, apesar do
crescimento no número de operações não assessoradas, não houve redução
dos negócios na instituição para a qual trabalha. Segundo ele, é
importante mostrar que o banco é um anteparo nas negociações, evitando
desgastes entre partes que podem ser sócias no futuro.
Para Rogério Gollo, sócio da consultoria PwC, o mercado de assessoria
financeira ainda tem muito a crescer no Brasil. À medida que empresas
de médio porte passarem a fazer mais aquisições, vão recorrer aos bancos
de investimentos, pois não têm a mesma estrutura das grandes companhias
para preparar essas operações. "O mercado de fusões e aquisições no
Brasil é dez vezes menor que o dos Estados Unidos. Com a estabilidade e o
tamanho que o país tem, não vai ser sempre assim", afirma.