quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Fusão sem banco vira tendência


Por Talita Moreira | De São Paulo
Regis Filho/ValorFrederico, da Tivit: companhia tem equipe interna de fusões e aquisições
 
Quando a empresa de serviços de tecnologia Tivit anunciou a compra da chilena Synapsis, em agosto deste ano, toda a operação havia sido planejada dentro de casa. O objetivo, o preço e a estrutura do negócio foram definidos por uma equipe da própria empresa, sem a assessoria de um banco de investimentos ou de uma butique financeira.

"A Tivit conhece bem o seu setor e faz muitas aquisições. Não havia necessidade", afirma o diretor de desenvolvimento corporativo da companhia, André Frederico. Por isso, nem mesmo o fato de a Synapsis ter sido o maior negócio de sua história - num valor de R$ 330 milhões - fez a empresa pensar em recorrer a um assessor financeiro externo.

Casos como esse estão em alta no Brasil. Levantamento feito pela britânica Dealogic a pedido do Valor mostra que nunca foi tão significativo o número de fusões e aquisições de médio e grande portes em que o comprador lançou a operação sem ajuda de um assessor financeiro. De acordo com o estudo, 64% das transações de mais de US$ 100 milhões anunciadas neste ano no país foram estruturadas sem auxílio externo. Juntas, essas operações somam US$ 18,8 bilhões. Esse percentual nunca foi tão alto, aponta a série histórica iniciada em 1995.

O número chama ainda mais a atenção num ano em que o mercado de capitais - a mais importante fonte de receitas para os bancos de investimentos - não teve um grande volume de operações até agora.

A tendência de dispensar os serviços de um assessor financeiro é mais forte entre grandes companhias globais, acostumadas a ir às compras, e em setores com histórico de fusões e aquisições, como o de tecnologia.

Algumas empresas acabam criando times próprios para avaliar passos estratégicos. O frigorífico JBS é uma delas e atuou dessa forma na compra da Tyson Foods, anunciada no fim de julho. Procurada pelo Valor, a companhia não deu entrevistas alegando estar em período de silêncio devido à oferta inicial de ações da unidade JBS Foods.

Na Tivit, a equipe de fusões e aquisições comandada por Frederico conta com mais duas pessoas. Antes da empresa de tecnologia, o executivo trabalhou no Merrill Lynch (depois adquirido pelo Bank of America) e pela gestora de fundos de private equity Pátria Investimentos. "Ajuda a ter a uma visão dos dois lados", diz.

As aquisições não assessoradas também estão em alta nos Estados Unidos, onde a crise levou muitos bancos a reduzir suas equipes de fusões e aquisições e arranhou a confiança nas instituições financeiras.

Aqui, os motivos são outros. Para Alessandro Farkuh, diretor responsável pela área de fusões e aquisições do Bradesco BBI, operações fechadas sem assessor são "um sinal de maturidade do mercado brasileiro". Companhias do país fizeram investimentos nos últimos anos e ganharam experiência para agir sozinhas em algumas situações, afirma.

"A barra vai ficando mais alta à medida que as empresas se tornam mais sofisticadas", reitera Roberto Barbuti, corresponsável pelo banco de investimentos do Bank of America Merrill Lynch (BofA) no Brasil.



Diferentemente do que ocorre numa emissão de ações ou dívida, em que é necessária a intermediação de uma instituição financeira, nos processos de fusões e aquisições a contratação de um banco para estruturar a operação é opcional. "Se a empresa não vê valor, não é obrigada a chamar ninguém", diz Barbuti.

O trabalho de um assessor financeiro é caro - até porque, muitas vezes, leva mais de um ano para ser concluído. As comissões pagas pelas empresas muitas vezes não vão muito além de 1% do valor da aquisição, mas podem chegar a até 15% em casos específicos. Por isso, o custo é um fator que pesa na decisão das companhias.

Muitas acabam optando por contratar um banco apenas nos casos em que a intenção é vender, e não comprar um ativo. "Na venda, o assessor é fundamental para organizar o processo, encontrar candidatos, e deixar a empresa livre para tocar o dia a dia", afirma Farkuh, do Bradesco BBI.

Também houve, nos últimos anos, um aumento da presença de fundos de private equity nas fusões e aquisições brasileiras. À medida que conhecem melhor o mercado local, alguns gestores dispensam os serviços de bancos e butiques financeiras, já que têm internamente ferramentas para analisar os negócios. É o caso da própria Tivit, controlada pela britânica Apax Partners.

"Estruturamos os negócios internamente, mas entramos muito a fundo na análise com a ajuda de advogados, para fazer a assessoria legal, e de auditores, que fazem a due diligence [na empresa-alvo]", diz Frederico, da Tivit.

Para conquistar clientes, os bancos apostam em "provocar" mais as empresas, levando ideias de operações que nem sempre estão no radar delas. "O que a gente faz é oferecer uma leitura mais ampla do mercado, discutir como o investidor vai receber aquela operação, analisar o impacto no capital da companhia", afirma Barbuti.

Oferecer financiamento para as operações também pode fazer diferença. "O relacionamento comercial e de crédito com os clientes não faz a diferença sozinho, mas ajuda", diz Farkuh.

Um banqueiro que preferiu não ser identificado afirma que, apesar do crescimento no número de operações não assessoradas, não houve redução dos negócios na instituição para a qual trabalha. Segundo ele, é importante mostrar que o banco é um anteparo nas negociações, evitando desgastes entre partes que podem ser sócias no futuro.

Para Rogério Gollo, sócio da consultoria PwC, o mercado de assessoria financeira ainda tem muito a crescer no Brasil. À medida que empresas de médio porte passarem a fazer mais aquisições, vão recorrer aos bancos de investimentos, pois não têm a mesma estrutura das grandes companhias para preparar essas operações. "O mercado de fusões e aquisições no Brasil é dez vezes menor que o dos Estados Unidos. Com a estabilidade e o tamanho que o país tem, não vai ser sempre assim", afirma.

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