Arbitrabilidade dos litígios sobre direitos da propriedade industrial
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Por José Rogério Cruz e Tucci
O crescente e indiscutível prestígio
que alcança, a cada dia, o instituto da arbitragem, como mecanismo
adequado para a solução dos conflitos, tem determinado a sua aplicação
nos mais diversificados campos do direito.
Em inúmeras experiências jurídicas
avulta a importância da arbitragem na seara dos direitos da propriedade
intelectual e industrial.
Nos Estados Unidos, por exemplo, este
fenômeno é facilmente diagnosticado pela copiosa literatura específica
sobre tal temática, que, em boa parte, foi colocada à minha disposição
pela colega Adriana Braghetta, renomada especialista (por exemplo:
Julian M. Lew e Loukas A. Mistelis, Comparative International Commercial
Arbitration, ch. 9: Arbitrability: Intellectual Property Rights,
Kluwer, 2003; Anna Mantakou, Arbitrability: International and
Comparative Perspectives, ch. 13: Arbitrability and Intellectual
Property Disputes, Kluwer, 2009; Trevor Cook e Alejandro Garcia,
International Intellectual Property Arbitration, cf. 4: Arbitrability of
IP Disputes, Kluwer, 2010).
A Organização Mundial da Propriedade
Intelectual, criada pela Convenção de Estocolmo, com sede em Genebra,
admite expressamente a arbitragem em seus estatutos de 1994.
De um modo geral, pois, o direito de
inúmeros países reconhece como passíveis de arbitragem, sob o aspecto
objetivo, questões emergentes desta referida área do direito.
No Brasil, embora em tese admitida, é
ainda acanhada a incidência da arbitragem nos litígios derivados dos
direitos da propriedade industrial. É certo que estes colocam em jogo,
em particular, interesses de cunho patrimonial. Deveras esclarecedor, a
este respeito, é o excelente artigo de Selma Ferreira Lemes
(Arbitrabilidade de litígios na propriedade intelectual, palestra no
XXIII Seminário Nacional da Propriedade Intelectual, agosto de 2003), ao
destacar como arbitráveis diversas questões de natureza obrigacional:
contrato de licença para exploração de patente, cessão de uso da marca,
franquia etc.
Recente acórdão da 2ª Câmara Reservada
de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), no
julgamento do Agravo de Instrumento 2057165-83.2014.8.26.0000, de
relatoria do desembargador Fábio Tabosa, revela como é importante, nessa
matéria, o conhecimento do Judiciário acerca dos limites institucionais
da jurisdição estatal e arbitral.
Todavia, excluem-se dos domínios da
arbitragem os litígios cujo objeto é de exclusiva atribuição do
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal,
que tem como precípua finalidade executar, no âmbito nacional, as normas
que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função
social, econômica e técnica. Assim, por exemplo, não é passível de
arbitragem o pleito de anulação de título de patente, que sempre deve
ser dirigido ao INPI.
Anoto que o modelo seguido pelo
ordenamento jurídico português era muito semelhante ao que hoje vigora
no Brasil, até o advento do Código da Propriedade Industrial (CPI),
promulgado em 2003 (Decr.-lei 36), que deu significativo impulso à
arbitragem nesta matéria.
Com efeito, após a reforma de 2008,
introduzida pelo Decreto-lei 143, a teor do artigo 39 do CPI português:
“Cabe recurso, de plena jurisdição, para o tribunal competente, das
decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial: a) que
concedam ou recusem direitos de propriedade industrial; b) relativas a
transmissões, licenças, declarações de caducidade ou a quaisquer outros
atos que afetem, modifiquem ou extingam direitos de propriedade
industrial”.
No entanto, consoante o artigo 48,
admite-se que tal recurso seja submetido a tribunal arbitral. E isso é
perfeitamente possível, desde que, segundo a regra do subsequente artigo
49, ainda do CPI, o interessado que pretenda recorrer à arbitragem, no
âmbito daqueles litígios, requeira a celebração de compromisso arbitral,
nos termos da lei de arbitragem voluntária ou, previamente, declare que
aceita submeter o potencial litígio à arbitragem.
É evidente que o outro litigante
somente se subordinará ao juízo arbitral se também manifestar interesse
na instauração da arbitragem (artigo 48).
Ademais, a possibilidade de o INPI
figurar no polo passivo decorre da própria lei, visto que o 4 do artigo
49 dispõe: “Pode ser determinada a vinculação genérica do Instituto
Nacional da Propriedade Industrial a centros de arbitragem voluntária
institucionalizada com competência para dirimir os conflitos referidos
no n. 1 do artigo anterior, por meio de portaria do membro do Governo de
que dependa este Instituto, a qual estabelece o tipo e o valor máximo
dos litígios abrangidos, conferindo aos interessados o poder de se
dirigirem a esses centros para a resolução de tais litígios”. O INPI,
portanto, pode ser acionado, ope legis, como litisconsorte passivo
necessário.
Em Portugal, diante de uma legislação
moderna e dinâmica, em 2009, foi criado o Arbitrare, que é um centro de
arbitragem institucionalizada, de âmbito nacional, inserindo-se dentro
da rede de Centros de Arbitragem Portugueses apoiados pelo Estado, com
competência para resolver: a) litígios em matéria de propriedade
industrial, nomes de domínio de .PT, sinais e denominações, sujeitos a
arbitragem voluntária; e b) litígios emergentes de direitos de
propriedade industrial, quando em causa medicamentos de referência e
medicamentos genéricos, sujeitos a arbitragem necessária nos termos da
Lei 62/2001.
As sentenças que se encontram disponíveis no site do Arbitrare constituem importante fonte de pesquisa e estudo.
Importa ainda anotar que a competência
ratione materiae do referido centro de arbitragem é consideravelmente
ampla, para litígios de valor igual ou inferior a 1 milhão de euros.
Conclui-se, pois, que também na órbita
dos direitos de propriedade industrial a incidência da arbitragem não só
é recomendável, como evidencia nítida tendência mundial em
prestigiá-la, na certeza de solução mais rápida e eficiente dos
respectivos litígios!
José Rogério Cruz e Tucci é advogado,
diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e
ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de setembro de 2014, 08:30
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