O petróleo e os recursos minerais são bens da União por determinação dos artigos 20, IX e 176, caput
da Constituição de 1988. O debate se dá em torno da sua classificação
como bens públicos de uso especial ou bens públicos dominicais. Para os
defensores do petróleo e dos recursos minerais como bens dominicais,
esta definição não impediria a possibilidade de serem afetados para usos
específicos. Estes recursos seriam bens públicos exauríveis, afetados,
porém alienáveis, pois teriam uma finalidade que implica em sua
utilização, portanto, em sua alienação.
Estas concepções, no
entanto, estão equivocadas. O petróleo e os recursos minerais são bens
públicos de uso especial, bens indisponíveis cuja destinação pública
está definida constitucionalmente: a exploração e aproveitamento de seus
potenciais. A exploração do petróleo e dos recursos minerais está
vinculada aos objetivos fundamentais dos artigos 3º, 170 e 219 da
Constituição de 1988, ou seja, o desenvolvimento, a redução das
desigualdades e a garantia da soberania econômica nacional. Trata-se de
um patrimônio nacional irrenunciável.
Em decorrência disto, a
natureza jurídica do contrato de concessão de exploração de petróleo,
assim como o contrato de concessão de lavra mineral, é a de um contrato
de concessão de uso de exploração de bens públicos indisponíveis, cujo
regime jurídico é distinto em virtude da Constituição e da legislação
ordinária, portanto, a de um contrato de direito público. Estas
concessões são atos administrativos constitutivos pelos quais o poder
concedente (a União) delega poderes aos concessionários para utilizar ou
explorar um bem público.
Ainda em relação à natureza jurídica do
petróleo como bem público, a questão da propriedade sobre o resultado da
lavra do petróleo e gás natural foi debatida no Supremo Tribunal
Federal no contexto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3273-9/DF,
impetrada pelo então Governador do Paraná, Roberto Requião, alegando a
inconstitucionalidade de uma série de dispositivos da Lei 9.478, de 06
de agosto de 1997, especialmente o seu artigo 26,
caput[1].
De acordo com este dispositivo, o contrato de concessão permitiria a
propriedade privada dos recursos petrolíferos. O concessionário (seja
uma empresa ou um consórcio) adquiriria o direito exclusivo de explorar
naquela área determinada, por sua conta e risco, tornando-se
proprietário do petróleo produzido.
Para os defensores da constitucionalidade do artigo 26, caput
da Lei 9.478/1997, a Emenda Constitucional 9, de 1995, teria equiparado
o regime jurídico aplicável ao petróleo e gás ao dos demais bens
minerais previstos no artigo 176 da Constituição. O concessionário teria
o direito de propriedade sobre o produto da lavra, ao se aplicar o
disposto no artigo 176, caput da Constituição ao petróleo,
regido pelo artigo 177, com a interpretação de que o artigo 176 seria a
“regra geral” para a exploração de todos os recursos minerais de
titularidade da União, inclusive o petróleo.
Os que entendem a
inconstitucionalidade da Lei 9.478/1997 afirmam que as jazidas de
petróleo são bens públicos indisponíveis da União. No entanto, o artigo
26 da Lei 9.478/1997 atribui a propriedade do petróleo, quando extraído,
ao concessionário. A Lei 9.478/1997 teria migrado, assim, do monopólio
estatal ao extremo oposto da titularidade dos concessionários. Este
artigo seria inconstitucional, pois a propriedade do petróleo e gás
natural, mesmo após extraídos, de acordo com o artigo 20, IX da
Constituição, é da União. A questão da inconstitucionalidade do artigo
26 da Lei 9.478/1997 estaria ligada também à manutenção ou não do
monopólio estatal do petróleo. Se o monopólio foi mantido pela Emenda
Constitucional 9/1995, a União não poderia transferir a propriedade do
produto da lavra para o concessionário.
A maioria do Supremo
Tribunal Federal acompanhou o voto elaborado, após pedido de vista, pelo
ministro Eros Grau, na sessão ocorrida em 16 de março de 2005,
considerando improcedente a ação direta de inconstitucionalidade. Em seu
voto, o ministro Eros Grau discordou da natureza jurídica do petróleo
como bem público de uso especial, entendendo-o como um bem público
dominical. Embora tenha afirmado, corretamente, que o monopólio diz
respeito à atividade econômica, não à propriedade dos bens, o ministro
Eros Grau defendeu a posição de que a transferência da propriedade do
resultado da lavra das jazidas de petróleo e gás natural para terceiros
seria constitucional, pois não afetaria o monopólio estatal da
atividade, previsto no artigo 177. Deste modo, seria aplicável ao
petróleo e ao gás natural o mesmo tratamento dado aos concessionários da
exploração dos demais recursos minerais, conforme disposto no artigo
176, caput da Constituição. Além disto, a propriedade do
concessionário sobre o produto da lavra seria relativa, pois sua
comercialização continuaria a ser administrada pela União, por meio da
Agência Nacional do Petróleo.
A decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal foi, infelizmente, absolutamente equivocada. O artigo 26, caput
da Lei 9.478/1997 é inconstitucional, pois viola o disposto nos artigos
20, IX e 177 da Constituição. O petróleo e o gás natural são bens
inalienáveis da União, bens de uso especial, como os demais recursos
minerais. A diferença entre o regime jurídico dos recursos minerais em
geral (artigo 176) e o regime jurídico do petróleo, gás natural e
minérios nucleares (artigo 177) é, justamente, o fato destes últimos
terem sido monopolizados pela União. A autorização constitucionalmente
manifestada no artigo 176, caput de que o produto da lavra
mineral é propriedade do concessionário é uma exceção de alienabilidade
ao regime jurídico dos bens minerais, por isso é expressa
constitucionalmente. A regra é a inalienabilidade dos recursos minerais.
Nos casos de concessão, é estipulada a exceção do artigo 176, caput.
Se, de fato, como entendeu a maioria do Supremo Tribunal Federal, a
Emenda nº 9/1995 e a Lei 9.478/1997 tornaram aplicável à exploração do
petróleo e do gás natural as mesmas regras gerais previstas no artigo
176, especialmente a atribuição da propriedade do produto da lavra ao
concessionário, não resta mais nenhuma distinção entre uma concessão de
exploração de minérios e uma concessão de exploração de petróleo ou gás
natural. Ora, a propriedade da União sobre o produto da lavra do
petróleo e gás natural é mantida pela Constituição justamente pelo fato
de esta atividade ser monopolizada, ao contrário da lavra dos minérios
em geral. Com a atribuição da propriedade do produto da lavra do
petróleo e gás natural ao concessionário, o controle da atividade
petrolífera deixa, concretamente, de ser monopólio da União, o que viola
os artigos 20, IX e 177 da Constituição de 1988.
De acordo com a
análise de Juan Pablo Perez Alfonso, criticando o modelo venezuelano de
concessões que existiu até a década de 1970, a diferença jurídica básica
dos tipos de contrato se manifesta na diferença entre direitos reais e
direitos contratuais. O titular da concessão tem direitos reais sobre o
petróleo a ser explorado
[2].
O contrato de concessão é o mais tradicional e é muito questionado,
pois não permite a apropriação estatal de parte considerável da renda
petrolífera gerada.
Na Venezuela, por exemplo, desde 1946, a decisão dos
governos democráticos foi a de não permitir mais nenhuma concessão ("princípio de no más concesiones"),
tendo em vista a falta de investimentos e de desenvolvimento geradas
pelo antigo sistema de concessões, finalmente abolido com a
nacionalização da indústria petrolífera naquele país, em 1975.
Do
mesmo modo, os países produtores de petróleo do Mar do Norte,
notadamente a Noruega, decidiram não aceitar, ainda na década de 1960, o
padrão tradicional de exploração por meio do sistema de concessões,
impondo uma maior participação e direção da indústria petrolífera por
parte de seus Estados. As alterações instituídas pela Noruega, um regime
democrático consolidado, ampliaram o papel do Estado na exploração
petrolífera e na apropriação das rendas geradas pelo setor. Ao enfrentar
os interesses das multinacionais petroleiras e as prescrições de
política econômica neoclássica, a Noruega priorizou sua própria política
econômica nacional, não os interesses dos grupos econômicos privados. O
chamado “North Sea model” concedia áreas menores do que o
modelo de concessão tradicional. Embora as empresas privadas pudessem
atuar diretamente na exploração e produção, foram implementadas uma
série de taxações suplementares e imposições legais para reter boa parte
da renda gerada pelo petróleo, como a chamada “participação
governamental”, ampliou-se o controle estatal sobre os recursos
produzidos, por meio do papel central da empresa estatal Statoil,
ainda hoje sob controle do Estado norueguês, buscando acomodar os
interesses privados sob o controle direto estatal. O modelo implementado
tornou, assim, o Estado o principal operador da indústria petrolífera e
o líder na acumulação de capital, reforçando a supremacia do Poder
Público em relação ao capital privado na economia norueguesa.
O
modelo dos contratos de concessão, criticado e abandonado em
praticamente todos os países detentores de reservas petrolíferas
consideráveis, foi o adotado pelo Brasil em 1997, modelo este que não
poderia ser mais inadequado, tendo em vista o interesse público na
exploração e produção de petróleo e gás natural. Além dos seus problemas
estruturais, mencionados acima, não se pode relegar o fato de que a Lei
nº 9.478/1997, que instituiu o modelo das concessões petrolíferas, é
inconstitucional, pois o concessionário não pode ser proprietário do
produto da lavra, sob pena de contrariar o fato de que o petróleo é um
bem público de uso especial e é também monopolizado pelo Estado (artigos
20, IX e 177 da Constituição de 1988).
[1]
Artigo 26, caput da Lei nº 9.478/1997: “A concessão implica, para o
concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em
caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco,
conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos,
com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das
participações legais ou contratuais correspondentes” (grifos meus).
[2] ALFONZO, Juan Pablo Perez,
El Pentágono Petrolero, Caracas, Ediciones Revista Política, 1967, pp. 39-40.