O negociador brasileiro que está dando nova forma à indústria mundial de
alimentos e bebidas não tem muito a dizer sobre si, pelo menos em
público.
Jorge Paulo Lemann
orquestrou a fusão de US$ 46,7 bilhões da H. J. Heinz com a Kraft Foods
Group, realizada em julho, transformou um Burger King em dificuldades
em uma aposta lucrativa para os acionistas e formou a maior empresa
cervejeira do mundo, a Anheuser-Busch InBev, tudo isso sem conceder
nenhuma entrevista coletiva em pessoa sobre esses negócios.
Ele valoriza tanto sua privacidade que pede que seus associados guardem
silêncio sobre ele. Contudo, um famoso investidor está ansioso para
falar.
“Eu esperava que fosse Jorge Paulo em vez de você quando o telefone tocou”, brincou
Warren Buffett, no final de agosto, quando consultado sobre Lemann e sua empresa de investimentos, a 3G Capital, formada em 2004.
“Eles já estão fazendo grandes negócios, mas farão coisas ainda maiores.
Eles estabelecem padrões extremamente altos para si e depois os
superam”.
Lemann não está demorando em atender a essas expectativas. A AB InBev,
que ele controla junto com outros bilionários brasileiros e com ricas
famílias belgas, disse no dia 16 de setembro que planeja apresentar uma
oferta pela SABMiller, empresa dona de marcas como Peroni e Grolsch.
O negócio uniria as duas principais cervejeiras do mundo e criaria uma empresa que geraria cerca de metade dos lucros do setor.
Apoiado por mais de US$ 20 bilhões da Berkshire Hathaway, de Buffett,
Lemann, um grisalho ex-jogador profissional de tênis, colocou seu selo
em seções inteiras da
economia
no caminho para se tornar a pessoa mais rica do Brasil -- com um
patrimônio líquido de US$ 24,5 bilhões em 8 de setembro, segundo o
Bloomberg Billionaires Index.
Ele é um artista das aquisições que adora marcas famosas e odeia empresas com custos desnecessários -- inclusive pessoas.
Aumentar os lucros
Lemann, 76, forjou uma cultura corporativa baseada no mérito e recrutou
gerentes agressivos para colocar suas ideias em prática.
Sua equipe de executivos tem sido tão efetiva para aumentar os lucros
que os concorrentes se sentem compelidos a mudarem a forma de fazer
negócios - para não correrem o risco de se tornarem o próximo alvo de
Lemann.
Lemann não fica tímido ao exibir suas ambições a portas fechadas. Poucos
meses depois de formar a Anheuser-Busch InBev, em novembro de 2008,
Lemann e os demais bilionários cofundadores da 3G, Carlos Sicupira e
Marcel Telles, se reuniram com funcionários do escritório da empresa de
investimento no centro de Manhattan.
Em um almoço servido pelo restaurante Cipriani, alguém perguntou a Lemann qual aquisição seria seu sonho.
“Nós adoraríamos dar uma olhada na Coca-Cola”, respondeu ele.
Na visão de Lemann, segundo uma pessoa que participou da reunião e pediu
anonimato, a fabricante de refrigerante estava pronta para ter custos
eliminados por novos gestores -- inclusive boa parte de seus quase
100.000 funcionários.
“Poderíamos administrá-la com 200 pessoas”, disse Lemann, em tom de
brincadeira. Ele e a 3G preferiram não fazer comentários para essa
reportagem, assim como um porta-voz da Coca-Cola.
Hambúrgueres e rosquinhas
O comentário de Lemann foi um presságio da sequência de aquisições
chamativas -- e do debate que se seguiu sobre suas táticas --. No ano
seguinte, a 3G pagou US$ 3,3 bilhões para comprar o Burger King de
investidores como Goldman Sachs, TPG Capital e Bain Capital.
A equipe de Lemann vendeu praticamente todas as 52 lanchonetes da
empresa a franqueados, desafiando a sabedoria convencional de que as
redes de fast-food precisavam ser donas de seus próprios restaurantes
para entender os clientes.
Quando o Burger King anunciou a aquisição da rede canadense de
rosquinhas Tim Hortons, em agosto de 2014, o crescimento das vendas
comparadas nas lanchonetes que são o lar do Whopper estava superando o
do McDonald’s.
“A reviravolta no Burger King foi brilhante”, diz Luiz Cezar Fernandes,
que fundou o Banco de Investimentos Garantia com Lemann nos anos 1970.
“Acho que Buffett estava observando com atenção”.
Nada de queijo gratuito
E estava mesmo. Buffett, 85, diz que passou a se envolver com o Burger
King por causa de seu passado instável. Em 2013, Lemann orquestrou a
aquisição da fabricante de ketchup Heinz por US$ 23 bilhões.
Desta vez, Buffett estava pronto para entrar no barco. Ele comprou a
metade das ações ordinárias por US$ 4,25 bilhões e ações preferenciais
por US$ 8 bilhões.
A 3G imediatamente instalou seus próprios gerentes. Eles cortaram 7.000
empregos, fecharam cinco fábricas e fizeram com que os departamentos
justificassem as despesas do zero a cada ano. As margens sobre os lucros
ajustados subiram de 18 por cento para 26 por cento nos primeiros 18
meses, abrindo o caminho para que a Heinz assumisse o controle da Kraft.
Agora, a Kraft planeja eliminar 2.500 postos de trabalho para ajudar a
coletar US$ 1,5 bilhão em economia anual por volta de 2018.
Até mesmo as pequenas regalias acabaram: a empresa cortou as geladeiras
abastecidas com palitos de queijo gratuitos e outros lanches depois que o
negócio foi fechado. Buffett obteve ganhos generosos.
Quando a Kraft Heinz começou a ter suas ações negociadas, em julho, o
mercado avaliou a participação da Berkshire em US$ 24 bilhões, mais que o
dobro do que a Berkshire tinha pagado pelas ações ordinárias e por um
dividendo especial para os acionistas da Kraft.
Os que criticam Lemann dizem que sua abordagem é áspera e que ele e seus sócios se beneficiam enquanto outros perdem.
A recém-formada Kraft Heinz está empurrando 15.000 aposentados para uma
determinada modalidade de plano de saúde privado em vigor nos EUA que
permite a redução de custos.
Sob administração da 3G, a presença da Heinz em Pittsburgh está
diminuindo juntamente com sua folha de pagamento local -- uma reclamação
que se repete de Madison, em Wisconsin, nos EUA, a Leamington, Ontario,
no Canadá.
Cortar excessos
“Eles estão cortando os excessos”, diz Audrey Guskey, professor de
marketing da Universidade Duquesne, de Pittsburgh. “E os cidadãos de
Pittsburgh tendem a ser parte desse excesso”.
Alguns analistas questionam os limites do corte de custos de Lemann. A
McKinsey Co. estimou em fevereiro que a participação de mercado da AB
InBev nos EUA havia caído 2,4 pontos porcentuais de 2009 a 2014 porque
os clientes adotaram as cervejas artesanais.
A participação da Heinz caiu em 65 por cento de seus produtos, como as
refeições congeladas. “Você não pode fazer do corte de custos o seu
caminho para a prosperidade”, diz Brian Yarbrough, analista da Edward
Jones.
Os defensores de Lemann dizem que é preciso tempo para que as reduções
de custos abram caminho para o crescimento das vendas. Mas ele não está
de braços cruzados.
Lemann enfrenta uma “pressão enorme” para abrir espaço para os talentos
que está cultivando, diz Fernandes, o cofundador do Banco Garantia.
Os investidores -- Buffett, por exemplo -- apostam que ele está longe de
parar de comprar empresas.
Em junho, uma revista brasileira informou
que Lemann estava interessado na gigante do setor de bebidas alcoólicas
Diageo, com sede em Londres.
Os recibos de depósitos americanos da empresa subiram 8 por cento com a
especulação. As ações da SABMiller chegaram a subir 24 por cento no dia
16 de setembro em meio às notícias sobre o interesse da AB InBev.
"Verdadeira raridade"
Quanto à Coca-Cola, Buffett descarta uma aquisição pela 3G. “Isso seria
bastante improvável”, diz ele. “Eu não acho que a Coca esteja procurando
um negócio”.
A Berkshire é a maior acionista da fabricante de refrigerantes, por isso
seria difícil imaginar uma compra sem a bênção de Buffett.
Contudo, você pode ter certeza de que quando Jorge Paulo telefonar, seu
amigo Warren Buffett atenderá ao telefone. “Eu adoro a ideia de sócios
que vão fazer grandes negócios”, diz Buffett.
“Encontrar oportunidades
com pessoas mais que cumpridoras e mais que justas é uma verdadeira
raridade”.