Painel que abriu a premiação de 500 MAIORES DO SUL
mostrou que as empresas andam no fio da navalha – ou melhor, da ética
Por Laura D´Angelo
laura.cauduro@amanha.com.br
Mais do
que nunca, companhias públicas e privadas estão sob o escrutínio da sociedade e
dos órgãos de fiscalização. Além da operação Lava Jato, que revelou a
participação de grandes empresas em esquemas de corrupção e desvio de dinheiro,
desde março deste ano a lei anticorrupção 12.846/13 está em vigor. Desde então,
até setembro 39 empresas já estiveram sob investigação da Controladoria Geral
da União (CGU). Sob a mira do mercado e da justiça, o compliance [conjunto de
normas para evitar riscos de irregularidades] tornou-se pauta obrigatória na
agenda das principais empresas brasileiras e foi tema de discussão do painel
“Integridade nos negócios: o novo nome do jogo” promovido por AMANHÃ e
PwC durante a premiação de GRANDES & LÍDERES – 500 MAIORES DO SUL, ocorrida
na última quinta-feira (5).
Jerri Ribeiro, Sócio da PwC Brasil e líder da área de gestão e riscos e
compliance, Giuliano Donini, presidente da Marisol, David Randon, presidente do
Grupo Randon, e Luiz Fernando Vianna, presidente da Copel, foram uníssonos em
ressaltar a importância dos códigos de conduta e ética para o crescimento das
próprias empresas e para o desenvolvimento de um ambiente de negócios mais
saudável e seguro. Para eles, as companhias que adotam programas de integridade
tendem a ganhar a confiança dos stakeholders (partes interessadas no negócio)
e, mais do que isso, tornam-se agentes positivos para a transformação da
sociedade. Confira os depoimentos dos participantes, na íntegra, a seguir.
Jerri Ribeiro, sócio da PwC Brasil e líder da área de gestão e riscos e
compliance
“Integridade é um tema muito oportuno. E nós, como empresários, temos todas as
condições de provocar uma mudança sensível no ambiente no qual operamos.
Recentemente, o ministro Carlos Aires Brito afirmou que os executivos têm o
poder de causar uma mudança sistêmica. Por isso a integridade é um dos temas
mais importantes da nossa agenda hoje.
Algumas informações são importantes para entendermos esse assunto. Vejamos o
Indicador de Percepção de Corrupção de 2014, produzido pela Transparência
Internacional com 175 países. A Transparência Internacional define que países
com escore abaixo dos 50 pontos tem um nível de corrupção considerado endêmico.
Ou seja, é algo muito ruim para sociedade e para os negócios. Para se ter uma
ideia, apenas 25% dos países pesquisados estão acima dos 50 pontos. 75% estão
abaixo deste índice e, portanto, têm um ambiente ruim, de altíssimo nível de
corrupção. Então, imaginemos os cuidados que são necessários para que se possa
operar num ambiente desses e o impacto que isso pode causar nos nossos
negócios. O Brasil está com 43 pontos.
Outro dado interessante é a maneira como o Departamento de Justiça e o Senado
americanos classificam a corrupção. Quando o Senado norte-americano promulgou a
lei anticorrupção (FCPA), classificou-a como um atentado ao livre
mercado. O livre mercado é considerado um dos principais valores da sociedade
norte-americana. O departamento de justiça dos Estados Unidos também diz que a
corrupção enfraquece a sociedade e os negócios. É interessante observar que os
processos ligados à FCDA punindo organizações que tenham infringido as normas
têm crescido de forma acelerada nos últimos anos.
O Brasil tomou a iniciativa de aprovar uma lei Anticorrupção (12.846/13).
Ela foi aprovada em janeiro de 2013, entrou em vigor em janeiro de 2014 e foi,
por fim, implementada em março deste ano. Lá, existe uma definição muito clara
das punições. As sanções mais graves podem chegar a 20% do faturamento. Mas ela
também trouxe uma informação muito importante: de que nós temos como nos
proteger em relação ao risco de corrupção a partir da implementação do Programa
de Integridade. A lei prevê esse termo na sua regulamentação, seguindo as melhores
práticas mundiais. Os 16 itens considerados como parte de um programa de
integridade efetivos são os mesmos que o mercado norte-americano e o
departamento de justiça dos EUA também consideram. Existe um alinhamento total.
Desde março até setembro, já existiam 31 empresas sob investigação da CGU.
Dessas, mais de 20 negociavam acordos de leniência. Isso é emblemático.
Demonstra para nós, executivos, que esses riscos podem estar rondando as nossas
empresas e nós temos todas condições de influenciar na direção de um ambiente
melhor. Temos poder de influenciar de formar sistêmica a cadeia de valor que
operamos. Quando se implementa um programa de integridade, na verdade, a
organização passa a requerer este mesmo nível de compliance, conformidade com
regulamentos e boas condutas, de todos os stakeholders: colaboradores,
acionistas, diretores, fornecedores, clientes, representantes comerciais.
Um Programa de Integridade começa por revisar o código de conduta da sua
organização; mapear os riscos do seu negócio; identificar as medidas
necessárias; e treinar os seus colaboradores para poder identificar os riscos e
se deles. Já um Programa de Integridade é efetivo quando tem propósitos claros;
atinge e engaja a todos da empresa; define os papeis e as responsabilidades de
cada colaborador; é capaz de impor autorrestrições e punições; tem mecanismos
de vigilância.
Existe uma fórmula desenvolvida por uma autoridade do assunto chamada Robert
Klitgaard: C=M+D-T. Ou seja: a corrupção ( C ) é igual a Monopólio (M) mais o poder
concentrado de Decisão (D) menos Transparência (T). O conceito veio da análise
das nações, mas reproduz bem o mundo de negócios também. E Klitgaard faz
outra reflexão quando diz que ´no futuro a corrupção poderá ser olhada como foi
a escravidão´."
Giuliano Donini, presidente da Marisol
“O setor do vestuário apresenta alguns índices que colaboram
negativamente para o ambiente de corrupção brasileiro. A Associação Brasileira
das Indústrias Têxtis diz que o segmento opera com 46% de algum tipo de informalidade,
que pode ser em nível trabalhista, ambiental, fiscal.
Na última década, nosso índice de competitividade não conseguiu fazer
frente a alguns países que adotaram o vestuário como setor prioritário na sua
economia. Tenho uma forma muito simples de encarar a proteção do governo chinês
ao seus fabricantes. Para mim, ele está absolutamente correto. O lado ruim está
na nossa baixa capacidade de organizar um ambiente que seja um indutor de
competitividade. Se você pegar os números oficiais que o governo chinês declara
das exportações de têxtil para o Brasil e pegar os dados oficiais brasileiros
referentes aos produtos que vêm da China, nós temos uma diferença que chega a
mais de US$ 240 milhões. Existe uma complacência muito grande com os produtos
que entram aqui.
O nosso grande desafio tem sido o de driblar estas dificuldades. Isso passa
muitas vezes por tomar decisões antipáticas. Como disse o presidente da Fiergs,
Heitor Müller, os empresários não tem prazer em demitir colaborador. Nós
começamos a mudar um pouco a nossa realidade no momento em que mudamos a
perspectiva da nossa responsabilidade. Passamos a ser muito mais responsáveis –
não só pela quantidade de empregos gerados, mas também por aquilo que fazemos
com a economia gerada pela nossa organização.
A gente procura, acima de tudo, ser o mais transparente possível. O conceito
ético, que deveria ser default, hoje é ponto de diferenciação. Infelizmente,
estamos inseridos numa sociedade na qual o nível de intolerância que temos para
alguns desfeitos ou desmandos é grande.
O entendimento primário é que a corrupção sempre parte do dono do dinheiro. Se
a regra do jogo não combina com a sua ética, então não jogue o jogo.
Recentemente, muitos empresários acabaram ajudando a denegrir a classe. As
pessoas têm escolha, podem escolher não participar desde jogo. Acho que passa
muito por se ter um processo, de se ter propósitos muito claros. A classe
tem esse papel e esse poder.
O Sul tem a característica de empresas familiares. Essa característica
não necessariamente qualifica e resolve tudo, mas no seio de uma empresa
familiar, potencialmente, mora um ambiente ético que tem condição de fazer
proliferar os princípios iniciais. As políticas são importantes e necessárias,
ajudam a criar ritos que são simbólicos, ajudam a se ter disciplina. Mas tudo
isso só nasce e só ganha vida a partir do momento em que existe a atitude do
indivíduo.”
David Randon, presidente do Grupo Randon
“Desde a sua criação, em 1949, a Randon sempre teve valores éticos. Começou com
dois irmãos e com muita simplicidade. Com o passar dos anos, conseguimos
colocar [a expansão] dentro da nossa simplicidade. Quando fizemos a
transição de uma empresa que era uma simples mecânica para uma de capital
aberto na década de 1970, tivemos que evoluir na parte ética e de valores.
Conseguimos muitas parcerias assim, com empresas dos Estados Unidos, da
Alemanha. Muitos valores que nós já tínhamos desde a geração original,
conseguimos levar adiante. As empresas que se tornaram sócias observaram muito
essa parte que a Randon já tinha.
Isso é importante. A Randon trabalha dentro da comunidade, mostra os seus
valores a quem ela serve. A transparência existe em todas as empresas. Os
funcionários recebem um código de ética e assinam o compromisso com a empresa.
Eles precisam saber exatamente os valores que regem a empresa. Depois, na área
comercial, na de suprimentos, existem os compromissos que os colaboradores têm
de ter, como não ter parentes com negócios direto com as empresas. É um
processo importante de transparência, para todos verem em que nível estamos
trabalhando.”
Luiz Fernando Vianna, presidente da Copel
“A Copel é uma estatal diferente. Estatal normalmente é caracterizada de forma
pejorativa como um loteamento de cargos. Mas eu, por exemplo, comecei na Copel
como estagiário. O meu antecessor na presidência também era funcionário de
carreira. A maioria da diretoria é composta de gente de lá e os que não são,
são profissionais de mercado capacitados.
A Copel está bastante atenta ao Programa de Integridade, está {mergulhada}
de cabeça nos diversos programas que existem, do CGU, da Bovespa. Nós estamos
nos adaptando rapidamente a essas questões.
Nós temos uma área de gestão de risco que era ligada à área financeira.
Recentemente, para que pudéssemos nos enquadrar nos padrões, criamos uma
área de compliance que é ligada ao presidente. Ela incorporou a antiga área de
risco e está a pleno vapor. Nós vemos que alguns desacertos cometidos pela
Copel nos últimos anos poderiam ter sido evitados se essa área
existisse.Costumo dizer que compliance é uma auditoria preventiva. Vamos entrar
em 2016 com esta área a todo vapor. Vai ajudar muito no desempenho da nossa
empresa.
O segredo do sucesso da Copel está ligado a três pontos. O primeiro é à gestão
de pessoas. A empresa pode comprar o melhor equipamento, mas ela tem de ter
gente atrás desses equipamentos – gente que a diferencie. Outro ponto é o
compliance. O terceiro é a ousadia. Mesmo com toda crise, vamos manter nos
próximos anos o programa de investimento de cerca de R$ 2 bilhões por mês.
Estamos conseguindo grandes parcerias com grupos da França, da Espanha e da
China. Isso [os três pontos] faz com que tenhamos conquistado, além da
confiança dos acionistas, também a confiança e o crédito dos fornecedores,
empregados e consumidores.”
http://www.amanha.com.br/posts/view/1400