Com um aporte de
R$ 1,7 bilhão de investidores chineses, a novata no mercado aéreo
brasileiro se torna a companhia mais valiosa do setor e a mais
capitalizada da América Latina. Até onde a empresa pode chegar?
O
discreto Cassa Hotel, na 45th Street, em Manhattan, registrou na última
semana uma movimentação atípica para um estabelecimento quatro
estrelas, sem muita ostentação. Foi neste endereço que um grupo de
bilionários chineses, controladores do grupo HNA, com base em Pequim, e
os brasileiros David Neeleman, CEO e maior acionista da Azul Linhas
Aéreas, e Antonoaldo Neves, presidente, assinaram um contrato de R$ 1,7
bilhão, anunciado na terça-feira 24.
O acordo, o maior do setor
neste ano, transferiu 23,7% do capital da empresa brasileira para os
chineses e transformou a novata no mercado, fundada em 2008, na mais
capitalizada da América Latina e na companhia aérea mais valiosa do
País, com R$ 7 bilhões. A TAM, que responde por 44% do Grupo Latam, tem
valor de mercado estimado em R$ 5,3 bilhões. Já a Gol vale R$ 1,2 bilhão
na bolsa.
“Estrategicamente, foi um negócio da China para nós e para
eles”, disse Neves à DINHEIRO, na sede da companhia, em São Paulo.
“Com
a operação, consolidamos uma base acionária global, ampliamos a
capilaridade de nossa malha e cobrimos nosso alcance em todo o planeta.”
A afirmação do executivo soa como exagero, mas não é. Além de ser a
companhia aérea com o maior número de destinos no Brasil, operando em
mais de cem cidades, a Azul tem como sócia a americana United Airlines,
que desembolsou US$ 100 milhões por uma fatia de 5%, em junho. Com isso,
passou a oferecer destinos em todas as grandes cidades americanas,
assim como os visitantes americanos ganharam acesso às cidades
brasileiras com menos escalas.
Já na Europa, a companhia fechou,
na quarta-feira 25, o acordo de compartilhamento de voos – o chamado
codeshare – com a portuguesa TAP, que teve 61% do capital
recém-adquirido por um consócio liderado por Neeleman, acionista com
participação de 67% na Azul. “Com a TAP, cobrimos todo o continente
europeu e africano”, disse Neves. “Faltava a Ásia. Agora, não falta
mais.” Sob a ótica dos chineses, a compra também faz todo sentido. O
Brasil ocupa, atualmente, a terceira posição no ranking dos maiores
mercados para a aviação comercial, atrás de Estados Unidos e da China.
A
HNA, com faturamento de US$ 25,6 bilhões no ano passado e mais de 110
mil funcionários, já controla dez companhias aéreas na China, além de
supermercados, bancos, empresas de logística e a agências de turismo. Na
aviação, a mais importante delas, a Hainan, é a principal operadora da
Embraer da Ásia, com 67 aeronaves. A frota atual, incluindo modelos
Boeing e Airbus, é de 561 aviões. A Azul, com receita de R$ 5,8 bilhões
em 2014 e prejuízo líquido de R$ 65 milhões, pouco em relação às
concorrentes, possui 88 aeronaves da Embraer, 59 turboélice ATR e sete
aviões Airbus.
“Mais do que dinheiro em caixa, a operação
permitirá que a Azul ganhe de sinergia com compra, leasing, manutenção e
seguros de aeronaves”, diz o consultor da Bain & Company, Guilherme
Amaral, especialista em aviação. “O grupo HNA é um conglomerado com
atuação expressiva no financiamento de aeronaves.”
No quesito
rentabilidade, a Azul já tem voado mais alto que suas concorrentes no
País.
Enquanto a companhia mantém 70 funcionários por aeronave, a
média de TAM, Gol e Avianca vai de 130 a 160 pessoas. “Temos uma
operação muito bem ajustada, com controle de todos os detalhes da
companhia”, afirmou Neves. “Estamos preparados para, no momento
apropriado, ir ao mercado”, completou o presidente, referindo-se à
aguardada estreia da Azul e do Tudo Azul, o programa de fidelidade da
companhia, na bolsa. Com R$ 1,7 bilhão em caixa, a abertura de capital
deixou de ser uma prioridade.
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“não é o rabo que balança o cachorro”
O presidente da Azul, Antonoaldo Neves, falou à DINHEIRO:
O que os chineses viram na Azul para pagar R$ 1,7 bilhão por uma fatia minoritária?
O
Brasil é o terceiro maior mercado doméstico do mundo. Mesmo assim,
possui apenas meia viagem por ano para cada habitante. O potencial de
crescimento da aviação no Brasil é gigantesco.
A Azul adiou a estreia na bolsa por três vezes. Quando, afinal, irá abrir o capital?
O
mercado nos dirá qual o melhor momento de estrear na bolsa. Atualmente,
não há clima para isso. Estamos aguardando. Pode ser daqui a seis
meses. Daqui a dois ou três anos. Difícil saber.
A TAP mantinha um acordo de compartilhamento de voo com a Gol e parceria com o Smiles. Como ficará a partir de agora?
O
contrato, com certeza, será cumprido. Mas não vejo nenhum problema
nisso. Os clientes da TAP terão a opção de escolher a Azul ou a Gol, e
vice-versa.
O CEO David Neeleman sempre afirmou que o foco
da Azul era a aviação doméstica, mas a empresa está cada vez mais se
voltando ao mercado internacional. O plano mudou?
A lógica
da Azul é a seguinte: o cachorro balança o rabo, não é o rabo que
balança o cachorro. Somos uma empresa com foco na aviação doméstica, que
tem parcerias e operações internacionais. Não o contrário.
Continuaremos com esse modelo.