São Paulo – O PMDB confirmou na tarde desta terça-feira (29) a ruptura com o governo de Dilma Rousseff.
A decisão foi feita por aclamação em uma reunião que durou cerca de três
minutos. O vice-presidente Michel Temer (presidente do PMDB), assim
como os seis ministros do partido, não participaram do evento, comandado
pelo senador Romero Jucá (RR).
"A partir de hoje, dessa reunião histórica, o PMDB se retira da base do
governo Dilma Rousseff. Ninguém está autorizado a exercer qualquer cargo
federal em nome do PMDB", disse Jucá. Alguns peemedebistas gritaram
"Fora PT" e "Brasil pra frente, Temer presidente".
De acordo com a moção aprovada na reunião, os seis ministros, assim como
600 membros da sigla que trabalham para o governo, "devem deixar o
cargo imediatamente". Na noite de ontem, o então ministro do Turismo
Henrique Alves se antecipou ao posicionamento da sigla e
pediu demissão.
Além da vice-presidência do Executivo e do comando da Câmara e do
Senado, o PMDB também controla a maior bancada do Congresso. Sem o apoio
do partido, o risco do fim de mandato de Dilma aumenta.
Debandada
O temor atual do Executivo é que a saída do PMDB possa, a partir de
agora, provocar a saída de outras legendas da base aliada, como o PRB e o
PP.
Em entrevista a veículos de imprensa estrangeiros, o ex-presidente Lula
disse que a estratégia do PT daqui para frente será o de atrair setores
do PMDB que ainda são simpáticos à presidente Dilma.
Em 2003, quando o ex-presidente foi eleito, integrantes do PMDB ocuparam
postos do governo, mesmo sem a sigla ter aderido formalmente .
As fases do casamento
Ueslei Marcelino/ Reuters
Começo de namoro
Em 2002, enquanto o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva sonhava com
o mais alto cargo político, a maior parte do PMDB apoiava a campanha do
tucano José Serra à presidência.
Depois dos resultados das eleições – Lula eleito presidente com 53
milhões de votos e o PMDB com cinco governadores, 74 deputados e 19
senadores –, as duas siglas começaram a esboçar uma aliança que foi se
fortalecendo ao longo dos dois primeiros mandatos do PT.
“O Lula começou o governo com pouco PMDB e foi aumentando a participação
do partido gradativamente. No final, quase todos apoiavam o
ex-presidente. Durante o mensalão, ele praticamente dividiu o governo no
meio com os peemedebistas”, diz Ricardo Sennes, da consultoria política
Prospectiva.
O bom relacionamento culminou na escolha de Michel Temer como vice-presidente de Dilma Rousseff nas eleições de 2010.
A primeira crise
Se na era Lula a articulação com o PMDB foi se desenvolvendo ao longo dos anos, com Dilma o processo foi inverso.
“Enquanto Lula abraçava todo mundo, Dilma foi centralizando sua gestão
em um gabinete que só pertencia a ela. Não era nem do PT, nem do PMDB.
Em 2012, em meio a muitas demissões, a presidente tirou do governo
muitos peemedebistas, o que acabou desgastando a relação com Temer e
outras lideranças”, diz Sennes.
Em janeiro de 2014, o PMDB chegou a cogitar uma saída drástica da base
aliada depois que a presidente resistiu em dar mais um ministério à
sigla, que, na época, comandava cinco pastas (Minas e Energia,
Previdência, Turismo, Agricultura e Secretaria de Aviação Civil). Depois
que a presidente cedeu, o partido decidiu continuar no governo.
Discussão de relacionamento
No segundo mandato de Dilma, os conflitos entre PT e PMDB ficaram ainda mais públicos.
Em março de 2015, o então ministro da Educação Cid Gomes (ex-PROS) foi
convocado pela Câmara para dar explicações sobre uma declaração dada
durante uma reunião em uma universidade. Na ocasião, Gomes afirmou que a
Casa tinha de 300 a 400 parlamentares que “achacam”.
No plenário, Gomes subiu o tom e fez um apelo aos deputados
"oportunistas" - que detêm cargos na administração federal, mas não dão
apoio ao governo no Congresso - para que "larguem o osso".
Depois do depoimento, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o PMDB
ameaçaram deixar o governo caso Gomes não fosse demitido. A demissão –
que partiu de Cid Gomes – foi anunciada por Cunha antes mesmo de ter
sido oficializada.
O filho rebelde
Em julho do ano passado, Eduardo Cunha anunciou que, sozinho, faria
parte da oposição de Dilma Rousseff. A decisão foi tomada logo após o
peemedebista ser acusado pelo lobista Julio Camargo de receber 5 milhões
de dólares em um esquema de corrupção na Petrobras.
Depois da ruptura, o presidente da Câmara assumiu uma nova posição no
jogo político, se tornando uma peça chave no processo de impeachment de
Dilma – e influenciando também no aumento dos conflitos entre petistas e
peemedebistas.
A carta de desabafo
Em dezembro, o desgaste entre PT e PMDB foi, mais uma vez, levado à
público com o vazamento de uma carta desabafo escrita por Temer e
enderçada à Dilma.
Em 17 parágrafos, o vice-presidente expõe suas mágoas, diz que Dilma não
confia em sua figura e que ele passou os quatro primeiros anos de
governo sendo um “vice decorativo”.
“Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia
ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do
PMDB e as crises políticas”, escreveu Temer.
No final da carta, uma frase dá o tom do que viria daí para a frente.
“Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá
amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”.
O fim da relação?
Nesta terça-feira, o PMDB deve decidir em qual posição irá atuar daqui
para a frente. Na lista de opções há desde o rompimento total da aliança
e a entrega dos sete ministérios comandados pela sigla até um “abandono
parcial”.
Na manhã de ontem, Dilma se reuniu com ministros peemedebistas. A
atitude foi interpretada como uma das últimas tentativas do Planalto
para salvar a relação entre os dois partidos. A reação dos ministros, no
entanto, não foi das mais agradáveis, com alguns deles sinalizando um
possível abandono do cargo.
Além da perda de votos no processo do impeachment, o temor atual do
Planalto é que a saída do PMDB possa, entre outros efeitos, provocar a
saída de outras legendas da base aliada, como o PRB e o PP.
A divisão do (maior) bem
Caso Dilma Rousseff saia da presidência, o PMDB herda o cargo de
Presidente da República e se torna ainda mais poderoso, concentrando o
comando do Executivo, da Câmara e do Senado. Apesar disso, garantem
especialistas, o governo de Temer não será dos mais fáceis.
“O PMDB é um partido conhecido por sustentar a governabilidade. Toda a
máquina do PMDB está ajeitada para eleger o máximo de deputados
possíveis para, com isso, ter poder de barganha. Ele nunca mirou o
Executivo então será difícil ocupar essa posição”, diz Rafael Araújo,
cientista político da PUC-SP.
Um dos maiores desafios a serem enfrentados, segundo Araújo, é lidar com
próprio PT, só que dessa vez como oposição. “É possível que haja uma
união entre partidos menores e de esquerda e a calma do PMDB não duraria
mais que dois meses. Movimentos sociais devem ocupar os espaços e o
desenrolar da Operação Lava Jato pode complicar a vida de figuras do
partido”, diz ele.
É quase impossível prever qual será o futuro do PMDB sem o PT e do PT
sem o PMDB. As duas siglas, no entanto, dificilmente voltarão para a
lua-de-mel.