Ao apostar na integração entre lojas e vendas online, a varejista Magazine Luiza cresceu mais do que os concorrentes. Mas a vida vai ficar mais dura
São Paulo – Os 19 000 funcionários da rede de varejo Magazine Luiza
assistiram, em março, a um vídeo sobre focas. O filme descrevia o
habitat desses bichos e mostrava como o aquecimento global estava
tornando a vida deles mais difícil. Para sobreviver, dizia o narrador,
as focas tinham de “se adaptar” e “conquistar novos territórios”. Na
pouco sutil metáfora que escolheu, a cúpula do Magazine Luiza tentava
passar um recado aos funcionários: em meio à pior recessão da história
brasileira, cada um tinha de se virar para sobreviver. O que estava em
jogo, a rigor, era o destino da empresa. O Magazine Luiza sofria com a
queda nas vendas, tinha prejuízo e suas ações vinham de uma baixa de 70%
em 2015.
A virada obtida nos primeiros meses de 2016 foi de
impressionar os mais otimistas. Depois de um prejuízo de 66 milhões de
reais em 2015, o Magazine Luiza teve lucro
de 16 milhões de reais no primeiro semestre deste ano. Num período em
que as receitas do varejo de móveis e eletroeletrônicos diminuíram 15%,
as vendas da empresa cresceram 3,6%, para 5,3 bilhões de reais, puxadas
especialmente pelo aumento de 31% das vendas online (que hoje respondem
por 22,5% das vendas totais).
A margem da geração de caixa quase dobrou: passou de 4%, em
dezembro, para 7,6%, em junho. Os resultados ficaram tão acima do
esperado que as ações da varejista já subiram 410% neste ano — de longe,
a maior alta da Bovespa. As ações de suas principais concorrentes, a
Viavarejo e a B2W, valorizaram 165% e 6%, respectivamente. Hoje, o
Magazine Luiza vale 2 bilhões de reais na bolsa, quase o triplo de seu
patrimônio — até o fim do ano passado, a empresa valia menos do que o
patrimônio.
Como é comum em histórias de virada empresarial, uma
combinação de fatores explica o bom desempenho da companhia neste ano.
Um deles tem a ver com a recessão. “A estratégia de muitos concorrentes
do Magazine Luiza nos anos de expansão do varejo foi fazer promoções
agressivas, para crescer a qualquer custo, especialmente no comércio
eletrônico. Muitos queimaram caixa por anos para financiar sua operação
online. Com a crise, isso deixou de fazer sentido”, diz Marcos Gouvêa de
Souza, diretor-geral da consultoria de varejo GS&MD.
A B2W dá prejuízo desde 2011. Neste ano, suas vendas caíram
12,8%. As vendas da Cnova, que reúne a operação online da Viavarejo,
diminuíram 42,9%. Com os concorrentes retraídos, o Magazine Luiza
aproveitou para ganhar espaço.
Para crescer em meio à crise, a empresa decidiu investir no
que tem de diferente de seus principais concorrentes: a forte integração
entre as lojas de tijolo e as vendas online. “Estamos mudando a empresa
para que ela seja verdadeiramente digital”, diz Frederico Trajano,
filho de Luiza Trajano (presidente do conselho de administração da rede)
e presidente do Magazine Luiza desde o início do ano.
Assim que assumiu o cargo, Trajano colocou 25 projetos em
andamento. Os vendedores das lojas estão recebendo celulares para ajudar
nas vendas. O plano é que, até o fim de 2017, os clientes não precisem
mais ir a um caixa para pagar: os próprios vendedores receberão o
pagamento pelo celular (como acontece, por exemplo, nas lojas da Apple).
Hoje, os vendedores têm acesso ao perfil dos clientes que compram pelo
site, que pode ser acessado com o CPF do consumidor.
Com o perfil na tela, conseguem ver quais produtos foram
pesquisados e o que foi comprado recentemente. Assim, têm mais chance de
ser assertivo. Com a maior automação das lojas, o tempo médio para
processar uma venda caiu de 45 para 4 minutos. “O Magazine Luiza é a
única empresa em que as operações física e digital são integradas de
fato, e isso é percebido pelo consumidor”, afirmam os analistas do banco
BTG Pactual num relatório.
Outra vantagem é a redução de custos, já que as áreas de
logística, marketing e tecnologia são as mesmas. “A margem de lucro do
varejo é baixa. Não podemos nos dar ao luxo de replicar estruturas”, diz
Trajano.
Direção contrária
Na década de ouro do varejo brasileiro, de 2004 a 2014, essa
integração era vista quase como um ponto fraco do Magazine Luiza. Seus
principais concorrentes estavam separando a operação física do comércio
eletrônico, com a justificativa de que isso mostrava melhor o valor de
cada subsidiária. Foi o que fez o Grupo Pão de Açúcar, controlado pelo
grupo francês Casino. Uma das empresas do grupo, a Viavarejo, que é dona
das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, abriu o capital na Bovespa em 2013
e passou a valer 10 bilhões de reais.
Mas cabia à outra empresa, hoje chamada de Cnova, tocar as
lojas online de Ponto Frio e Casas Bahia. A Cnova, que também era
controlada pelo Casino, foi listada na Nasdaq em 2014, com valor de
mercado de 2,3 bilhões de euros. O problema é que com isso Cnova e
Viavarejo passaram a ser concorrentes. O conflito deu tanta dor de
cabeça que, em agosto, Viavarejo e Cnova anunciaram que vão combinar as
operações brasileiras — as empresas estimam que isso vai gerar uma
economia de 245 milhões de reais por ano.
Fundado em 1957, em Franca, no interior de São Paulo, o
Magazine Luiza sempre foi mais “digital” do que a concorrência, mas o
fazia no improviso. Em vez de ter grandes lojas, lotadas de produtos,
abria “lojas virtuais”, que são, na realidade, mostruários de produtos,
onde os vendedores ajudam os clientes a comprar pelo site da companhia.
Como não têm estoque, as lojas virtuais podem ser menores e, assim, mais
baratas.
A estratégia funcionou bem até 2011, quando o Magazine Luiza
abriu o capital e decidiu usar os recursos captados (quase 1 bilhão de
reais) para crescer em diferentes regiões do país. Já havia comprado a
Lojas Maia, uma das principais redes de varejo de eletroeletrônicos do
Nordeste, e em 2011 comprou o Baú da Felicidade, do Grupo Silvio Santos.
Também passou a abrir lojas na cidade de São Paulo — até então, operava
em mercados menos competitivos no interior do estado.
Integrar as novas empresas e ganhar dinheiro em São Paulo se
mostrou mais difícil do que o esperado, e o os resultados começaram a
ratear. “Em 2014, fechamos o ciclo de crescimento acelerado e decidimos
iniciar outro, de criar uma companhia digital”, diz Marcelo Silva,
vice-presidente do conselho de administração do Magazine Luiza e
ex-presidente da empresa.
Daqui para a frente, a vida deve voltar a ficar difícil.
Quando estiver integrada de fato, a “nova” Viavarejo pode ser uma
ameaça, porque é duas vezes maior do que o Magazine Luiza (sem incluir a
Cnova na conta), o que dá a ela maior poder de barganha com
fornecedores, e terá uma vantagem competitiva. A B2W aprovou um aumento
de capital em 823 milhões de reais neste ano e deverá ganhar fôlego.
O Walmart, que fez campanhas de congelamento de preços neste
ano para atrair consumidores, conseguiu aumentar suas vendas de janeiro
a junho. “Crescemos sozinhos até agora, mas isso deve mudar.” A luta
pela sobrevivência não acaba nunca.