Nelson Marconi, coordenador do curso de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo
São Paulo – “Não é só um ajuste que está na PEC do teto, é uma diminuição do tamanho do Estado”.
A avaliação é de Nelson Marconi, coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.
Aprovada em primeiro turno pelo Congresso, a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 241 define um teto para os gastos públicos com
duração de duas décadas, corrigido a cada ano pela inflação do anterior.
Para o governo e grande parte dos economistas, a crise fiscal é a
maior responsável pela crise atual e a medida é essencial para conter a
trajetória explosiva de crescimento dos gastos e da dívida pública.
Para os críticos, a emenda vai prejudicar Educação e Saúde, cujos
gastos também serão corrigidos pela inflação e não estarão mais
vinculados ao tamanho da receita como hoje.
Marconi acha que o período de 20 anos é exagerado e também teme que
investimento e políticas sociais sejam sacrificados em detrimento da
Previdência, que cresce de forma inercial e pode achatar todo o resto.
“Sem a reforma da Previdência, o teto de gastos está fadado a não dar
certo”, diz ele. Veja a entrevista concedida ontem para EXAME.com:
EXAME.com – O prazo de 20 anos não é longo demais? Não seria
melhor ter um critério objetivo de vigência como a queda da dívida para
determinado nível em relação ao PIB?
Nelson Marconi – Pois é. Uma coisa é fazer ajuste
fiscal para ter contas em ordem, o que eu acho necessário, e outra é
fazer uma definição de 20 anos que coloca uma redução da participação do
Estado e vai cortar uma série de despesas prejudicando políticas
sociais.
Poderiam ter colocado uma regra de teto até estabilizar a dívida, o
que leva um certo tempo, ou até retomar o superávit primário.
Eu fiz uma estimativa de que isso demoraria uns 10 anos para
acontecer, mas os pressupostos são conservadores: evolução significativa
do gasto da Previdência, sem reforma, e crescimento baixo da
arrecadação.
Se você faz um ajuste, começa a diminuir a taxa de juros (
o que já aconteceu nessa semana)
e retoma a economia. A arrecadação, que no curto prazo é o principal
problema, voltaria com mais rapidez, assim como o superávit. Você pode
dizer que essa é a meta e quando alcançar acaba a regra.
Seria mais razoável; do contrário você vai ter problemas de redução séria do tamanho do Estado e do investimento.
O que provavelmente vai acontecer é que o governo vai demorar para
aprovar a reforma da Previdência então vai reduzir o investimento, se
demorar ainda mais ele vai reduzir ainda mais o custeio, e aí vêm as
despesas mais flexíveis com impacto em educação e saúde.
EXAME.com – A dúvida maior é essa. Muitos cálculos de perdas
nessas duas áreas não consideram o fato de que elas ainda podem crescer
se houverem cortes equivalentes. Mas como garantir isso diante do lobby
de outras áreas por recursos?
Marconi – As áreas mais flexíveis para ajuste de despesa são investimento e custeio.
O investimento já foi sacrificado e precisaria na verdade ser
retomado. Aí ele vai passar a sacrificar outras áreas que tem uma
rigidez menor, como as de custeio, que a legislação não define como deve
ser gasto.
Dentro disso, o peso das despesas sociais é muito grande: manutenção
de saúde e educação, por exemplo. Então invariavelmente vai bater aí e
teria que ter restrição, o que eu acho um problema. Significa corte em
ambulância, manutenção das escolas, etc. Você pode dizer que tem uma
gordura aí, mas é para o próximo governo e não para 20 anos.
EXAME.com – Mas se a economia se recuperar e a receita
crescer de forma vigorosa, o Congresso vai se amarrar nesse limite por
muito tempo? Você não acha possível que nesse cenário eles mesmos iriam
revogar a medida antes?
Marconi – O Temer mesmo falou isso outro dia: que se
a economia melhorar, o Congresso poderia rever a medida em um prazo
menor. Eu acho que a lógica política seria essa.
Mas para mudar de novo precisa ter dois terços das duas casas em duas
votações por emenda constitucional – o que não é tão simples. E você
está restringindo um governo próximo de decidir como gastar. Tem um
ciclo político aí que você está tentando neutralizar, o que não tão
fácil de fazer.
EXAME.com – A sensação é que a medida foi desenhada dessa
forma dura para fazer o ajuste de curto prazo no longo. Compra tempo e
boa vontade para fazer outras reformas e fazer a economia se recuperar.
Marconi – Ok, mas não precisa de 20 anos para isso, é
um exagero. Não é só um ajuste que está na medida, é uma diminuição do
tamanho do Estado – e tem gente que acha ótimo, mas eu acho que chegamos
em um ponto de participação em políticas sociais que não deveria ser
revertido.
A despesa que precisa passar por um ajuste mais rápido e
significativo é a Previdência. E não por causa do INSS e da Previdência
urbana, que tem que mexer para evitar uma piora no futuro, mas pela
Previdência dos servidores e da aposentadoria rural, que são os que mais
afetam o resultado primário negativo.
Se não mexer aí, vai pressionar muito as outras despesas. Sem a
Previdência, a PEC está fadada a não dar certo. A pressão vai ser tão
grande que o governo vai precisar voltar atrás, não vai haver margem de
manobra.
A PEC não vai melhorar o resultado fiscal de cara. Vai ter alguma
influência sobre as expectativas, logicamente, mas o governo está
direcionando uma força muito grande para o teto que deveria ir para a
Previdência.
Para o teto, deveria colocar uma regra que permitisse mais
investimento, ou que valesse até atingir o superávit, ou revista a cada
governo, ou controlada em relação ao PIB. Desse jeito, está invertendo
as coisas.
EXAME.com – Um dos argumentos é que há muito espaço para
melhorar a eficiência do gasto e que o teto seria uma forma de pressão
para que isso acontecesse. Há margem para isso?
Marconi – Vai ter uma pressão pelo uso melhor dos
recursos, sim. Um estudo que fiz com o Felipe Salto no ano passado
mostra que o governo pode ser mais eficiente; a gente estimou que o
preço das compras do governo seria 40% maior do que no setor privado, em
média.
Há espaço para ganhos, mas sobre gastos de custeio e investimento.
Mas a Previdência depende das regras próprias e os juros dependem da
política monetária, por exemplo. Já pessoal e uma série de outras
despesas são obrigatórias, onde a margem de manobra é pequena.
Em custeio administrativo do Planejamento, por exemplo, o governo vem
conseguindo ganhos de eficiência desde o ano passado. Já está nessa
toada e mesmo que tenha espaço para fazer mais, não seria suficiente
para compensar um déficit de 170 bilhões.