Deli Matsuo, da Appus: a experiência
no Google o ajudou a receber um investimento em sua startup (Germano Lüders/Revista EXAME)
São Paulo – Nos Estados Unidos há um termo para se referir aos funcionários do
Google:
os googlers. Em 71 cidades espalhadas pelo mundo, de São Francisco a
Tóquio, passando por São Paulo, existem mais de 72 000 deles. É gente
que costuma ter orgulho da empresa onde trabalha e gosta das regalias
sempre presentes nos locais de trabalho, como comida gratuita, dos
salários acima da média do mercado e da autonomia para definir projetos.
Para os jovens que desejam entrar no mercado de tecnologia, o Google é
um dos lugares dos sonhos. No entanto, uma parte dos googlers desiste
dessa vida. São engenheiros e executivos que largaram o conforto dos
escritórios para empreender. Não existem dados oficiais a respeito, mas
atualmente há pelo menos cinco dezenas de empresas nos Estados Unidos
fundadas por ex-googlers. Em escala menor, a mesma tendência começa a
ocorrer no Brasil.
Diego Nogueira e Davi Reis, fundadores da WorldSense,
startup
com sede em Belo Horizonte, estavam na primeira turma de engenheiros
contratados pelo Google no Brasil em 2005. Nogueira e Reis passaram
quase dez anos trabalhando na companhia, aprimorando os sistemas de
busca, de mapas e também o desenvolvimento de algoritmos para o software
de publicidade. Em 2015, a dupla pediu demissão, fundou a própria
empresa e criou uma ferramenta de propaganda online.
A WorldSense faz o casamento entre, de um lado, os anunciantes e, de
outro, blogs e sites de notícias em busca de publicidade. Com seu
sistema, encontra palavras-chave do interesse dos anunciantes nos textos
e coloca junto delas um .
“Ficamos muito tempo com a ideia de criar esse recurso. Mas só depois
que saímos do Google é que conseguimos colocá-la em prática”, diz Reis.
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Especialistas são unânimes em dizer que a experiência de trabalhar
numa grande empresa costuma ser parte fundamental na formação de um bom
profissional. No caso das gigantes do Vale do Silício, essa tendência
geralmente é ainda mais forte. Com muito dinheiro e uma imagem positiva,
companhias como Google e Apple conseguem atrair alguns dos melhores
talentos do mundo. E esse seleto grupo, formado em grande parte por
engenheiros, é treinado e motivado a produzir num ambiente de alta
excelência.
Quando um desses funcionários decide sair da empresa para
empreender,
leva com ele todo o aprendizado. Um exemplo é o americano Marc Benioff,
fundador da Salesforce, maior empresa de software de gestão de vendas
do mundo. Quando perguntado sobre sua formação, Benioff sempre cita o
período que trabalhou como estagiário na Apple nos anos 80.
O caso mais famoso envolvendo um ex-googler é o de Kevin Systrom,
fundador e presidente do aplicativo de fotografia Instagram. Antes de
criar o aplicativo em 2010, juntamente com o brasileiro Michel Krieger,
Systrom trabalhou no Google como gerente de marketing. Com a venda do
Instagram ao Facebook por 1 bilhão de dólares há cinco anos, Systrom
tornou-se bilionário antes de completar 30 anos de idade, algo notável
mesmo para o Vale do Silício. “Companhias como Google conseguem formar
bons empreendedores porque promovem a troca de conhecimento. As pessoas
saem de lá muito preparadas”, diz Alex Cowan, professor de
empreendedorismo na escola de negócios Darden School of Business, da
Universidade de Virgínia.
Cartão de visita
Para parte dos empreendedores, a vivência profissional em grandes
empresas de tecnologia também pode ser a senha para receber
investimentos. No ano passado, o fundo First Round Capital, um dos
principais grupos que investem em startups nos Estados Unidos, fez uma
avaliação de todas as 300 empresas em que havia investido nos dez anos
anteriores (o aplicativo de transporte Uber é uma delas).
As startups em que pelo menos um fundador trabalhou numa grande
companhia de tecnologia — como Google, Amazon, Apple, Facebook,
Microsoft ou Twitter — tiveram, na média, um desempenho financeiro 160%
melhor do que as demais. Segundo o fundo, as habilidades adquiridas
pelos empreendedores e as redes de contatos formadas por eles são alguns
dos fatores que favorecem as startups. Uma das conclusões é que
empreendedores que passaram por grandes empresas são mais preparados
para enfrentar as adversidades comuns numa startup.
No Brasil, o que chama a atenção é a falta de experiência dos
empreendedores, algo que tem dado ainda mais valor aos ex-googlers. Uma
pesquisa recente da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas
perguntou a investidores em operação no mercado brasileiro o que os leva
a negar um investimento numa empresa de tecnologia. Para 93% deles, a
falta de uma equipe experiente é um problema. Há outras questões, claro,
mas elas não aparecem com tanta frequência. Baixa demanda para os
produtos ou serviços oferecidos é apontada por 51% dos entrevistados,
falta de inovação por 35% e falhas no modelo de negócios por 12%.
O empreendedor paulista Deli Matsuo acredita que seu currículo pesou
quando ele captou 1,5 milhão de reais para sua startup, a Appus, em 2015
(outro 1,5 milhão de reais foi investido do próprio bolso). Durante
seis anos, ele foi chefe do departamento de recursos humanos do Google
na América Latina. Em 2011, ele saiu para trabalhar na RBS, grupo da
área de comunicação com sede em Porto Alegre. Três anos depois, ao
participar de um projeto para criar um software de análise de dados para
o setor de recursos humanos da RBS, teve a ideia de empreender.
Hoje, a Appus desenvolve programas que usam os dados dos funcionários
para fazer um acompanhamento da satisfação no trabalho, do
comportamento deles e também para construir planos de carreira mais
adequados. “No Google, já se usava ferramentas desse tipo e vi que
poderia aplicar a mesma tecnologia em outras empresas”, diz o
empreendedor. Entre os clientes estão o banco Itaú, a siderúrgica Gerdau
e o Grupo Boticário, de produtos de beleza. A startup tem 20
funcionários e escritórios comerciais em São Paulo e Porto Alegre.
De todos os ex-googlers brasileiros, o mais famoso é Ariel Lambrecht,
um dos fundadores do aplicativo de transporte 99 (o antigo 99táxis).
Depois de receber um aporte de 100 milhões de dólares da chinesa Didi
Chuxing e do fundo americano Riverwood no começo do ano, a 99, com
140 000 taxistas e 10 000 motoristas particulares, consolidou-se como a
grande rival do Uber no Brasil.
Antes de criar a empresa, Lambrecht trabalhou quatro anos no escritório do Google em Dublin, na
Irlanda, como gerente de produto.
Hoje, ele tenta reproduzir na 99 parte do que aprendeu na companhia.
Pelo menos uma vez por semana, a 99 organiza confraternizações entre os
funcionários para compartilhar o que tem sido feito na empresa. “O
principal aprendizado que trouxe do tempo que trabalhei na Irlanda é a
transparência. Lá todo mundo sabia o que estava sendo desenvolvido pelos
colegas”, diz Lambrecht. Aos poucos, o Google vai fazendo escola no
Brasil.